Por Carlos I. S. Azambuja
Agora, pela primeira vez, em um livro editado pela Editora
Record - "Por dentro do Jihad" - (1), Nasiri compartilha a história
de sua vida - precariamente equilibrada entre o mundo dos jihadistasislâmicos e
dos espiões que os perseguem. Como árabe e muçulmano, ele pôde infiltrar-se nos
rigidamente controlados campos de treinamento afegãos, onde encontrou homens
que mais tarde se tornariam os terroristas mais procurados da Terra: Ibn
al-Sheikh al-Libi, Abu Zubayda e Abukhabab al-Masri. Enviado de volta à Europa,
Nasiri tornou-se um intermediário de mensagens trocas entre o recrutador-chefe
da Al-Qaeda no Paquistão e o clérigo radical de Londres, Abu Qatada.
Em suma, "Por dentro do Jihad" oferece uma
perspectiva inteiramente original da batalha que se desenvolve contra a
Al-Qaeda. Omar Nasiri, nome fictício, nasceu no Marrocos e atualmente vive na
Alemanha.
Eis um trecho de "Por Dentro do Jihad":
"Em algumas noites (no Afeganistão) nós praticávamos
tajwid (2) em outras estudávamos o Corão e a hadith, o conjunto de tradições
estabelecidas pelas palavras e ações do profeta Maomé (...).
Nós aprendíamos muito todas as noites nessas aulas mas,
acima de tudo, aprendíamos sobre as leis do jihad. Existem mais de 150 versos
no Corão sobre o jihad e centenas de referências na hadith. (...) Foi somente
quando cheguei a Khaldan (3) que comecei a aprender o que o Corão tinha
realmente a dizer sobre o jihad.
Naturalmente, há muitos tipos diferentes de jihad. Existe o
jihad interior, que é algo que todos os verdadeiros muçulmanos praticam
constantemente. Existe o jihad da língua, que tem todos os tipos de forma. Pode
significar o proselitismo, como eu vira no Tabligh (4). Ou pode significar
manifestar-se politicamente, através de sermões ou protestos ou, até mesmo, de
propaganda como o Al Ansar (5). Existe o jihad realizado por meio de ações,
tais como fazer a peregrinação hajj (6) até Meca. Ou mesmo dando dinheiro para
apoiar o jihad supremo, a kutila fi sabilillah. A guerra santa.
Nós falávamos quase que exclusivamente sobre esta última
forma de jihad. Nós aprendemos todas as regras de combate. A força deve ser
evitada, a menos que seja absolutamente necessária e, mesmo assim, deve ser
empregada somente em proporção ao poderio do inimigo.
Mas, uma vez que a força torna-se necessária, ninguém pode
fugir do seu dever. Se uma mulher do outro lado do mundo é estuprada ou tirada
de sua família, todos os muçulmanos devem unir-se para lutar até que a
injustiça seja corrigida. É uma exigência de Deus.
Antes de lutar, um irmão deve preparar-se. Primeiro, e acima
de tudo, ele deve se preparar espiritualmente. Com fé, um exército pode
derrotar um oponente dez vezes maior.
Outros tipos de preparação também são vitais. Um mujahid (7)
deve estar moralmente preparado; ele deve evitar todos os pecados e
purificar-se diante de Deus. Ele também deve preparar seu corpo e fortalecê-lo
o máximo possível. E todo irmão deve aprender tudo o que conseguir sobre
ciência e tecnologia, para que sua superioridade sobre o inimigo seja total.
Uma vez em combate, um mujahid deve obedecer leis muito rígidas.
São proibidos o massacre de inocentes, a matança indiscriminada, a morte de
mulheres e crianças, a mutilação dos cadáveres dos inimigos e a destruição de
escolas, igrejas, fontes de água ou, até mesmo, campos e rebanhos. Ninguém deve
ser assassinado enquanto está rezando, independentemente de as orações serem
muçulmanas, cristãs, judaicas ou quaisquer outras.
Um mujahid deve lutar somente por Deus, não por ganhos
materiais, não por política. Ele luta com a razão a seu lado e luta para servir
à criação de Deus. Quanto mais profunda for sua fé em Deus, maior será sua
capacidade de honrar a obra de Deus.
Os verdadeiros fiéis são aqueles cujas vidas Deus obteve em
troca da promessa do paraíso. Eles não devem fugir da batalha, ainda que
estejam diante da morte certa. Um homem que dá as costas aos infiéis e corre,
diz o Corão, sujeitou-se, de fato, à severa punição de Deus e seu refúgio final
é o fogo; quão abomináveis são o retorno e a destinação que o aguardam?
Fiquei surpreso ao aprender como são tão específicas as leis
do jihad, muito mais do que quaisquer convenções sobre direitos humanos
sonhadas no Ocidente. Na verdade, nossos professores repetiam para nós
incontáveis vezes que esses princípios são os que diferenciam muçulmanos de
não-muçulmanos. Os infiéis são aqueles que matam indiscriminadamente, sem lei.
Eles destroem cidades inteiras, até mesmo populações inteiras. Eles bombardeiam
igrejas, mesquitas e escolas.
Nós aprendemos sobre os ingleses e os franceses, que
conquistaram povos em todo o mundo e roubaram as terras para suas colônias. Nós
aprendemos sobre Hitler e seus campos de concentração. Aprendemos como os
americanos tinham massacrado coreanos e vietnamitas. Aprendemos sobre
Hiroshima, Nagasaki e os bombardeios em massa no final da Segunda Guerra
Mundial. E, é claro, aprendemos sobre os horrores que os israelenses
perpetraram na Palestina, mas isso todos nós já sabíamos. Os infiéis
massacravam, bombardeavam e destruíam tudo em seu caminho. Eles eram uns
animais.
Naturalmente, aprender tudo isso me faz pensar de novo a
respeito do que eu sabia sobre a guerra na Argélia. O GIA fizera muitas das
coisas proibidas na lei islâmica. Eles haviam matado civis, disparando até
mesmo contra escolas inteiras. Mas, com o tempo, aprendi algo sobre as leis do
jihad: há espaço. Há espaço dentro dos limites da lei para todos os tipos de
interpretação.
Há espaço, particularmente na hora de definir quem são os
inimigos e quem são os inocentes. Parece simples, é claro - os inimigos são
aqueles com as armas. Entretanto, de acordo com as leis do jihad, a definição
de "inimigo" pode ser expandida para incluir toda a cadeia de
suprimentos: quem quer que apóie o inimigo com dinheiro ou armas, ou mesmo com
comida ou água; até mesmo aqueles que dão apoio moral - jornalistas, por
exemplo, que escrevem em defesa da causa do inimigo. Ms até onde, me perguntei,
a cadeia de suprimentos vai? Até aquele que vota em um regime inimigo? E quanto
àqueles que não escolhem um lado? Até onde vai?
Mulheres geralmente são consideradas inocentes; mas elas
também podem ser o inimigo. Se uma mulher reza a Deus para proteger o marido,
então ela não é um inimigo. Mas se reza a Deus para matar um muçulmano, então
ela é. Com as crianças é parecido. Um menino pode ser perdoado por suas
orações; ele é jovem demais para ser responsável por isso. Mas se ele leva
comida, ou até mesmo uma mensagem, para um combatente inimigo, então se torna
um inimigo.
Acabei compreendendo como, na mente de um extremista, quase
todo o mundo pode tornar-se um inimigo".
_____
Notas:
(1) - Jihad - conceito essencial da religião islâmica. Pode
ser entendido como uma luta de busca e conquista da fé perfeita. Ao contrário
do que muitos pensam, jihad não significa "guerra santa"
(2) - Tajwid - Corão cantado
(3) - Kaldhan - um dos campos de treinamento no Afeganistão
(4) - Tabligh - grupo fundamentalista
(5) - Al Ansar - jornal do grupo radical muçulmano GIA, da
Argélia
(6) - Hajj - Denominação dada pelos muçulmanos à
peregrinação à cidade santa de Meca
(7) - Mujahid - muçulmano envolvido no que ele considera ser
uma jihad
Entre 1994 e 2000, Omar Nasiri trabalhou como agente secreto
para os principais serviços externos de Inteligência da Europa - incluindo a
DGSE (Direction Genérale de la Securité Exterieure), da França, e o MI5 e MI6,
da Grã-bretanha. Do submundo das células islâmicas da Bélgica até os campos de
treinamento do Afeganistão e as mesquitas radicais de Londres, ele arriscou a
vida para derrotar a emergente rede global que o Ocidente viria a conhecer como
Al-Qaeda.
Agora, pela primeira vez, em um livro editado pela Editora
Record - "Por dentro do Jihad" - (1), Nasiri compartilha a história
de sua vida - precariamente equilibrada entre o mundo dos jihadistas islâmicos
e dos espiões que os perseguem. Como árabe e muçulmano, ele pôde se infiltrar
nos rigidamente controlados campos de treinamento afegãos, onde encontrou
homens que mais tarde se tornariam os terroristas mais procurados da Terra: Ibn
al-Sheikh al-Libi, Abu Zubayda e Abukhabab al-Masri. Enviado de volta à Europa,
Nasiri tornou-se um intermediário de mensagens trocas entre o recrutador-chefe
da Al-Qaeda no Paquistão e o clérigo radical de Londres, Abu Qatada.
Em suma, "Por dentro do Jihad" oferece uma
perspectiva inteiramente original da batalha que se desenvolve contra a
Al-Qaeda. Omar Nasiri, nome fictício, nasceu no Marrocos e atualmente vive na
Alemanha.
Eis mais um trecho de "Por Dentro do Jihad":
“Em Durunta (um dos centros de treinamento de guerrilheiros
internacionalistas no Afeganistão), começamos o treinamento com explosivos.
Havia uma espécie de sala de aula em um dos alojamentos e Assad Allah escrevia
fórmulas no quadro negro ou fazia demonstrações em uma grande mesa. Antes de
mais nada, ele nos ensinou procedimentos de segurança. Passamos dias nisso,
memorizando as temperaturas e umidades adequadas para a estocagem de diferentes
componentes e aprendendo sobre os vários equipamentos de segurança – luvas,
máscaras contra gazes, óculos – a serem usados com inúmeros produtos químicos e
explosivos, Assad Allah também ensinou o que fazer se alguma experiência desse
errado.
Ele não se cansava de dar o mesmo aviso:
Vocês têm um visto e devem trazê-lo todos os dias à aula.
Mas eu posso tirar o visto a qualquer momento. Se vocês violarem os
procedimentos de segurança, eu os mandarei para casa imediatamente. Nós
sabíamos que ele não estava brincando.
Nós ficávamos no laboratório ou na sala de aula todos os
dias pro cerca de 10 horas. Só parávamos para comer e fazer a salat (1).
Trabalhávamos com química e matemática bastante complicadas e tínhamos que ter
extrema concentração. Aprendemos a fazer todos os explosivos a partir do zero,
Essa era a idéia: para onde quer que fôssemos, nós não teríamos acesso a
explosivos de categoria militar ou material industrial. Nós teríamos que nos
virar com o que conseguíssemos encontrar.
Aprendemos a fazer as mais diferentes coisas: pólvora, RDX,
tetril, TNT, dinamite, C2, C3, C4, Semtex, nitroglicerina e daí por diante.
Aprendemos a fazer cada um com produtos que poderíamos encontrar em lojas ou
roubar de laboratórios escolares. Xarope de milho, tintura para cabelo, limões,
lápis, açucar, café, sal de Epsom, naftalina, baterias, fósforos, tintas,
produtos de limpeza, água sanitária, fluido de freios, fertilizantes, areia.
Cada um desses contém componentes de diferentes tipos de materiais explosivos.
Aprendemos como decompor esses produtos e como transformá-los em bombas. Eu até
mesmo aprendi como fazer uma bomba com a minha própria urina.
Nós testávamos os explosivos perto de algumas ruínas na
extremidade do campo. Quase sempre usávamos quantidades muito pequenas, mas
medíamos a velocidade da explosão para calcular quais seriam os efeitos com
cargas maiores. Falamos como e quando usar diferentes tipos de explosivos.
Aprendemos quais materiais deveríamos utilizar para explodir um trem, quanto de
explosivos precisaríamos e como posicioná-lo nos trilhos para obter o máximo de
impacto. Aprendemos a explodir carros e prédios.
Falávamos bastante sobre aviões. Estes eram difíceis de
explodir devido à segurança nos aeroportos. Ficamos sabendo que Semtex era o
mais fácil de levar à bordo, por ser quase impossível de detectar. Mas o Semtex
era difícil de se obter, Assad Allah lembrava-nos. Também aprendemos sobre
explosivos líquidos.
Fazíamos anotações sobre tudo nos cadernos pequenos que
ganhamos no campo. Mas, no fim, eles esperavam que soubéssemos tudo de cor.
Quando chegasse a hora de usar os explosivos, nós não teríamos um manual diante
de nós. Assim, passávamos pelas fórmulas infindáveis vezes até conseguirmos
repeti-las durante o sono. E Assad Allah nos submetia a provas todos os
domingos, para se assegurar que havíamos aprendido.
Certa ocasião, Assad Allah falou sobre um incidente que
ocorrera durante seu próprio treinamento em explosivos. O seu grupo estava
aprendendo a fazer nitroglicerina e um dos irmãos não prestava atenção. Ele
deixou os materiais esquentaram mais do que o permitido. Felizmente, o
instrutor viu o termômetro bem a tempo de evitar que os materiais explodissem.
Havia mais 7 pessoas no laboratório e todas poderiam ter morrido.
- Vai explodir! – ele gritou para o irmão.
Havia uma pia cheia de gelo bem ao lado do recruta e ele
deveria ter jogado o material ali para esfriar. Mas, em vez disso, ele correu
para a porta com a bomba-relógio líquida nas mãos. Assim que saiu, a mistura
explodiu. A explosão arrancou os dois braços na hora e destruiu um dos olhos.
- O irmão sobreviveu? – perguntei.
- Sim – Assad Allah responde – Ele vive agora em Londres e
prega nas mesquitas. Seu nome é Abu Hamza.
Na época eu não tinha idéia de quem era esse homem e nem a
importância que ele viria a ter em minha vida.
Um dia, Abdul Kerim e eu entramos em uma mesquita e vimos
alguém pendurado nas vigas pelos tornozelos. Seus olhos estavam vendados e ele
gritava. Havia vários irmãos parados ao redor. Eles gritavam com o prisioneiro
e um apontava uma arma para a sua cabeça.
Senti calafrios. É isso que fazem com espiões, pensei. Isso
é o que vai acontecer comigo, se eu for pego. Meu estômago revirou, mas não
tive muito tempo para pensar nisso porque Abu Mousa veio por trás e nos tirou
da mesquita.
- O que está acontecendo? – perguntei.
- Eles são do outro campo – falou. – Um dos irmãos vai numa
missão. Os outros estão preparando-o para o interrogatório, no caso de ser
pego. Não sabemos o que ele vai dizer. Ele pode revelar alguma coisa sobre sua
missão e vocês não devem saber nada sobre ela..
Ele deve ter percebido nossa decepção e, logo depois, passou
a ler um livro, em voz alta, escrito em árabe, sobre interrogatórios. Desde as
primeiras frases o livro era fascinante, e incrivelmente detalhado. Começava
listando os diferentes estágios de um interrogatório: da prisão, passando pelas
perguntas iniciais, até as ameaças e a tortura. E, aí, vinha a série de todas
as diferentes coisas que os interrogadores poderiam fazer: pendurá-lo de cabeça
para baixo em sua cela, espancá-lo com as mãos, cassetetes ou fios elétricos,
deixá-lo nu por vários dias, arrancar as unhas, queimar a pele com cigarros ou
fogo, atacá-lo com cães, acertá-lo na virilha ou dar choques nos genitais. A
lista não tinha fim e Abu Mousa disse que todas essas técnicas haviam sido empregadas
em irmãos em diferentes países.
A primeira lição era simples: um mujahid (2) deve guardar
tudo para si mesmo. A melhor maneira de impedir a revelação de segredos era,
antes de mais nada, não os ter. Percebi que era por isso que, desde o primeiro
dia, nós recebemos ordens de nunca falar com outros sobre nossa vida fora dos
campos. Não era apenas porque tinham medo de espiões. Era porque queriam se
assegurar de que nenhum dos irmãos pudesse revelar muita coisa se cedesse sob
pressão.
Mas a fé, e não o segredo, era, de longe, a arma mais
importante à disposição do mujahid. Um verdadeiro mujahid pode suportar
qualquer coisa se estiver sofrendo por Deus. Ele deve se preparar para o
interrogatório e a tortura do mesmo modo que se prepara para qualquer outro
tipo de batalha. Abu Mousa foi bastante claro quanto a isso: o interrogatório
era uma espécie de guerra psicológica. E assim, como na guerra de verdade, não
havia como um irmão pudesse perder. Ou ele derrotava o inimigo ou morria como
um mártir.
for capturado, o irmão não deve, jamais, ceder qualquer
informação e deve compreender que nenhuma vantagem pode ser conseguida assim.
Somente levaria a mais tortura, porque os interrogadores perceberiam que o
prisioneiro teria segredos para revelar. Mas os interrogadores jamais o
matariam, porque não teria utilidade morto.
Como explicado por Abu Mousa, o interrogatório era uma
grande oportunidade para um irmão. Ele poderia aprender mais sobre o inimigo e
disseminar contra-informação que ajudasse seu grupo a atingir o objetivo. Esse
tipo de manipulação exige habilidade e os irmãos devem praticar isso, assim
como treinam para o uso de uma arma. Ele deve aprender a fazer os
interrogadores falarem. Quanto mais durar o interrogatório, mais informações os
interrogadores revelarão sobre o que sabem e sobre sua estratégia. O irmão pode
usar essas informações para delinear suas próprias respostas, para dizer ao
inimigo mentiras que pareçam verdades. Para um mujahid, o contra-interrogatório
é apenas mais uma batalha tática.
Muitos anos depois eu pensaria novamente nessa lição, quando
comecei a aprender mais sobre Ibn al-Sheikh al-Libi e seu papel dentro do que
veio a ser conhecido por al-Qaeda. Ibn Shekh continuou a dirigir campos de
treinamento no Afeganistão durante os anos 1990 e era próximo a bin-Laden. Ele
foi capturado logo após a invasão dos americanos ao Afeganistão depois dos
ataques de 11 de setembro, sendo levado de avião para o Egito, onde foi
torturado pela CIA. Lá, ele disse aos interrogadores que Saddam Hussein dera à
al-Qaeda informações sobre a confecção de armas químicas. Era às informações de
Ibn Shekh que George W. Bush e Collin Powell se referiam quando disseram ter
provas de que Saddam Hussein tinha conexões com a al-Qaeda. Eles usaram o que
Ibn Sheikh lhes contara para justificar a invasão do Iraque.
Mas tarde Ibn Shekh disse que a historia a respeito de
Saddam Hussein não era verdadeira. Na verdade, a CIA sabia que a história de
Ibn Shekh não era confiável bem antes de Collin Powell se referir a ela em seu
famoso discurso na ONU. Mas, quando esse fato emergiu, já não tinha mais
importância. A América já estava em guerra.
Muitos dizem que Ibn Shekh mentiu aos captores por
desespero, porque estava sendo torturado brutalmente. Eu sei que isso não é
verdade. Ela havia sido preparado para interrogatórios, do mesmo modo que o
irmão da mesquita estava se preparando. Ele sabia o que fazer.
Não.
Ibn Sheikh não cedeu à pressão da tortura. Ele manipulou seus interrogadores
com a mesma habilidade com que empunhava sua arma. Ele sabia o que seus
interrogadores queriam e ficou contente em dar-lhes. Elequeria ver Saddam
derrubado ainda mais do que os americanos. Como ele nos disse em Khaldan, o
Iraque era o próximo grande jihad
Em algum lugar, numa câmara de tortura secreta. Ibn Sheikh venceu sua batalha”.
Em algum lugar, numa câmara de tortura secreta. Ibn Sheikh venceu sua batalha”.
_________
Notas:
(1) Salat ou Salah
(árabe:صلاة ) refere-se
às cinco orações rituais que cada muçulmano deve realizar diariamente voltado
para Meca. É um dos Cinco Pilares do Islão (arkan al-Islam). Em outras línguas
estas orações são chamadas de Namaz.
(2) Mujahid - muçulmano envolvido no que ele considera ser
uma jihad
Os ataques de 11 de setembro de 2001 não vieram do nada.
Durante os anos 1990, uma série de movimentos islâmicos violentos começou a se
congregar, desviando seu foco dos conflitos locais, em seus países, para o
“inimigo distante” dos EUA e do Ocidente. A organização emergente ficaria
conhecida como Al-Qaeda. O relato de Omar Nasiri, autor de Por Dentro do Jihad
apresenta uma percepção particular desse período crucial que parece pouco
compreendido.
Sua história é única, especialmente porque ele fornece a
perspectiva incomum de alguém que se infiltrou nessas redes terroristas. A
noção freqüentemente repetida de que a derrota do terrorismo exige um bom
serviço de Inteligência e a coleta de dados de Inteligência exige indivíduos
dispostos a arriscar suas vidas para se transformarem em espiões, E suas
histórias raramente são contadas.
Esse foi o início da introdução ao livro de Omar Nasiri,
escrita em setembro de 2006 por Gordon Corera, correspondente da BBC para
Assuntos de Segurança.Este texto é um resumo do que escreveu Gordon Corera.
Tendo passado mais de sete anos trabalhando para os Serviços
de Inteligência franceses, britânicos e alemães, Nasisi apresenta a visão de
quem está por dentro de como essas agências funcionam e seu relato de reuniões,
conversas e técnicas de espionagem dos vários serviços é de um raro
detalhamento.
Mas o que fica claro de seu relato é que a rede emergente
era muito mais organizada e determinada do se supunha. Os campos de treinamento
afegãos foram a incubadora da atual ameaça terrorista, e Nasiri oferece o
quadro mais detalhado até agora da vida dentro desses campos – um quadro bem
mais rico e preocupante do que qualquer outro já visto (1)
Embora nascido no Marrocos, os argelinos desempenham um
papel central no relato de Nasisi, já que eles constituíam o núcleo da rede
terrorista islâmica na Europa antes do 11 de setembro. A Argélia mergulhou em
uma sangrenta guerra civil após o Exército ter cancelado as eleições de janeiro
de 1992 para impedir que a Frente Islâmica de Salvação (FIS) conquistasse o
poder.
A violência eclodiu e um conjunto de grupos insurgentes
apareceu. O mais violento era o Grupo Islâmico Armado (GIA). Acredita-se que
até 3 mil argelinos tenham combatido os soviéticos no Afeganistão nos anos 1980
e a Argélia foi o primeiro país a sentir o impacto do retorno dos veteranos da
guerra afegã. O GIA era liderado por centenas de homens endurecidos pela guerra
que voltaram radicalizados e dispostos a empregar táticas cada vez mais
brutais. O GIA atraiu o apoio de redes dentro das comunidades de imigrantes na
Europa. A princípio essas redes de apoio lidavam principalmente com propaganda,
mas logo passaram a oferecer dinheiro, auxílio logístico, como passaportes falsos
e, por fim, armas ao GIA.
Quando regressou à Bélgica em 1994, Nasiri descobriu que a
casa de sua mãe havia se tornado um importante centro de operações do GIA. O
boletim informativo Al Ansar era feito e distribuído ali. Ele emergiu como a
publicação oficial do GIA, embora com o passar do tempo artigos de outras
fontes começassem a ser divulgados, inclusive de outras organizações islâmicas,
como o Grupo Combatente Islâmico líbio, grupos
marroquinos e grupos egípcios ligados a Aiman al-Zawahiri. O
Al Ansar foi o pioneiro da união de redes militantes islâmicas nacionais em um
movimento global e seus textos eram um alerta às autoridades do que vinha pela
frente.
Não demorou muito para que o sangrento conflito na Argélia
começasse a se alastrar para a Europa. A França, o antigo senhor colonial da
Argélia, na visão dos jihadistas, havia apoiado o golpe e, desse modo,
tornou-se um alvo. A primeira ilustração dramática da ameaça surgiu quando um
grupo de terroristas do GIA dominou um jato da Air-France na pista do aeroporto
de Argel em 24 de dezembro de 1994.
Em março de 1995 uma série de buscas foram iniciadas pelas
autoridades belgas e, durante uma busca em um veículo foi encontrado um pacote
contendo um manual de treinamento terrorista de 8 mil páginas, cujo
frontispício o dedicava a Bin Laden. O manual revelou um verdadeiro tesouro de
informações e uma das primeiras indicações da extensão da rede e do papel de
Bin Laden em suas operações. Isso foi confirmado poucos meses depois, no verão
de 1995, quando uma onda de atentados a bomba atingiu a França, inclusive o
metrô de Paris.
Uma corrente de pensamento sustenta que o GIA desde o começo
estava tomado por espiões do serviço secreto argelino. E mais, que estes
incluíam agentes provocadores que, por volta de 1995, estavam deliberadamente
direcionando a campanha de violência para a França, para tentar atrair Paris
para o conflito, opondo-se aos islâmicos apoiando o Estado argelino.
De acordo com um ex-oficial de Inteligência, cerca de cem a
duzentos residentes franceses viajaram para o Afeganistão para receber
treinamento durante a década de 1990. Alguns filiaram-se ao jihad
internacional, outros simplesmente queriam poder voltar para casa e apregoar
que sabiam manejar um AK-47
Nasiri mostrou-se capaz de cumprir sua missão e o relato de
suas viagens oferece um retrato pessoal extremamente revelador de como se
infiltrou em círculos jihadistas e abriu caminho até o núcleo da Al-Aqeda.
Viajando através da Turquia e depois Paquistão, ele infiltrou-se em grupos islâmicos
radicais.
Em Peshawar, Paquistão, Nasiri conheceu o palestino Abu
Zubayda, coordenador e controlador do acesso a vários campos de treinamento
afegãos. “Ele era um homem que fazia as coisas acontecerem, no sentido
administrativo”, explica Mike Scheuer, chefe da unidade Bin Laden da CIA de
1996 a 1989. Abu Subayda acabou sendo preso em março de 2002.
Cerca de duas dúzias de campos de treinamento foram montados
no Afeganistão. Os campos tiveram um papel fundamental na transição do jihad
original dos anos 1980, para o jihad de múltiplas nações dos anos 1990, bem
como na emergência do final da década de 1990 de umjihad global sob a Al-Qaeda.
Eles foram o caldeirão nos quais diferentes grupos começaram a trabalhar
juntos, forjando uma identidade comum,
Não existia uma única fonte de recursos ou controle dos
campos. O Afeganistão estava mergulhado no caos em meados dos anos 1990. Os
soviéticos tinham sido expulsos em 1989. Um governo submisso liderado por
Mohammad Najibullah, durou até 2002, quando foi derrubado pelas facções
mujahidin, que começaram a lutar entre si pelo poder, sendo que vários chefes
tribais ficaram com o controle de bolsões do país.
Embora Bin Laden tenha deixado o Afeganistão após o fim da
guerra com os soviéticos e residisse no Sudão no começo dos anos 1990, ele
continuou a financiar alojamentos e instalações de treinamento dentro do
Afeganistão, inclusive, segundo Nasiri, a alimentação no campo que freqüentou.
Pouco depois, o ISI - Serviço de Inteligência do Paquistão
(1) - começou a apoiar o Talibã como uma força proposta para estabilizar o
Afeganistão e fortalecer os interesses de segurança do Paquistão.
Em meados dos anos 1990 o número de nacionalidades
representadas e a disciplina de treinamento eram notáveis e muito maiores do que
anteriormente se suspeitava. Grupos da Argélia, Chechênia, Caxemira,
Quirguistão, Filipinas, Tadjiquistão e Uzbesquistão recebiam treinamento
militar que colocariam em prática quando retornassem a seus países. Grande
número de árabes, especialmente da Arábia Saudita, Egito, Jordânia e Iêmen,
também passaram por lá, assim como terroristas da Europa, África do Norte e
outras regiões, que desejavam participar dojihad.
O treinamento que Nasiri recebeu em Khaldan era altamente
organizado e extensivo. Boa parte do aprendizado baseava-se em manuais de
treinamento dos EUA obtidos durante a luta contra os soviéticos. Os
participantes também passavam quase o mesmo tempo em treinamento religioso. A
preparação espiritual era considerada um aspecto central do jihad, mais
importante que o treinamento físico.
Entre os que passaram por Khaldan havia terroristas
envolvidos nos dois ataques, de 1993 e 2001, Ao World Trade Center (inclusive
Mohammad Atta, líder dos ataques do 11 de setembro); pessoas envolvidas nos
atentados a bomba de 1998 contra embaixadas dos EUA, Ahmed Ressam, o fracassado
bombardeador do milênio, os dois britânicos dos “sapatos-bombas”, Richard Reid
e Sajid Badat; e Zacarias Moussaoui, sentenciado em 2006 à prisão perpétua pelo
envolvimento no complô do 11 de setembro. Mas o líder de Khaldan em meados dos
anos 1990 era um homem chamado Ibn al-Sheikh al-Libi, com quem Nasiri passou um
tempo considerável. al-Libi havia combatido no Afeganistão da década de 1980.
Preso em novembro de 2001, al-Libi foi o primeiro membro do
alto escalão da Al-Qaeda a ser capturado pelos EUA após os ataques. Depois de
uma disputa entre o FBI e a CIA ele foi entregue ao Egito, onde pode ter sido
submetido a maus tratos sendo que informações extraídas de seu interrogatório foram
utilizadas por autoridades dos EUA para declarar a existência de vínculos entre
o Iraque e a Al-Qaeda, com base na alegação de al-Libi de que o Iraque
oferecera treinamento à Al-Qaeda a partir de dezembro de 2000. Isso foi citado
pelo vice-presidente Cheney , pelo secretário de Estado Collin Powell, em seu
decisivo discurso na ONU em fevereiro de 2003, e pelo presidente George Bush,
em Cincinnati, em outubro de 2002, quando declarou que “ficamos sabendo que o
Iraque treinou membros da Al-Qaeda na produção de bombas, venenos e gazes”.
O problema era que al-Libi mentiu. Em janeiro de 2004,
al-Libi desmentiu suas declarações sobre o Iraque, forçando a CIA a cancelar
inúmeros relatórios de Inteligência baseados em suas declarações.
Especulou-se que ele estaria deliberadamente fornecendo
informações falsas para fazer os EUA atacarem o Iraque, pois expressava seu
desagrado pelo regime secular de Saddam Hussein no Iraque e era um homem
altamente treinado para resistir a interrogatórios. Na primavera de 2006, segundo
alguns relatos, al-Libi foi entregue às autoridades líbias.
Em Khaldan, a formação de Nasiri parece tê-lo diferenciado
dos demais recrutas, tanto assim que ele foi um dos poucos selecionados para
seguir ao campo de Durunta, mais avançado. Durunta fornecia um treinamento mais
individualizado em explosivos e terrorismo. Em Khaldan os recrutas aprendiam a
detonar explosivos; em Durunta eles aprendiam a fazer explosivos e detonadores
a partir do zero. Em Durunta o treinamento não era para o combate militar, mas
para serem indivíduos solitários que agiriam como os clássicos agentes
terroristas que ficam na espera até chegar a hora da ação – um agente dormente
– necessitando assim de um conjunto diferente de habilidades.
Entre os que se formaram em Durunta antes da sua destruição
por ataques aéreos dos EUA no fim de outubro de 2001, está Ahmed Ressam, mas
tarde condenado por envolvimento no complô de atentado a bomba contra o
Aeroporto Internacional de Los Angeles.
Havia agentes de Inteligência nos campos perto da fronteira
paquistanesa, mas outros campos, como os de Durunta, eram muito mais difíceis
de serem infiltrados. Algumas estimativas afirmam que, entre 1996 e os ataques
de 11 de setembro , de 10 mil a 20 mil terroristas passaram pelos campos para serem
treinados. Outros acreditam que esse número pode chegar a 100 mil. Ninguém
apurou para onde foram esses terroristas, ou quem eles, por sua vez, foram
treinar.
CAPÍTULO 4
Após a volta do Afeganistão e um longo período sem contato, Nasiri encontrou-se com o DGSE e recebeu uma nova missão. Com a repressão na França e Bélgica, foi para o ambiente mais tolerante de Londres que muitos dos jihadistas começaram a se mudar. “Londres era o foco”, explica Alain Grignard um oficial antiterrorista belga, pois o local servia de trampolim para a passagem da era de extremistas islâmicos nacionais para a rede global fundada no caldeirão afegão.
A segunda metade da década de 1990 foi o período em que a capital britânica ganhou o apelido de “Londrestão”, um título dado por autoridades francesas enfurecidas com a crescente presença de radicais islâmicos em Londres e com a omissão das autoridades britânicas frente ao problema. Historicamente, Londres sempre foi um lar para os dissidentes e desde os anos 1980 cada vez mais se tornou refúgio para extremistas islâmicos que ganhavam asilo de autoridades pouco conscientes de suas atividades.
Após a volta do Afeganistão e um longo período sem contato, Nasiri encontrou-se com o DGSE e recebeu uma nova missão. Com a repressão na França e Bélgica, foi para o ambiente mais tolerante de Londres que muitos dos jihadistas começaram a se mudar. “Londres era o foco”, explica Alain Grignard um oficial antiterrorista belga, pois o local servia de trampolim para a passagem da era de extremistas islâmicos nacionais para a rede global fundada no caldeirão afegão.
A segunda metade da década de 1990 foi o período em que a capital britânica ganhou o apelido de “Londrestão”, um título dado por autoridades francesas enfurecidas com a crescente presença de radicais islâmicos em Londres e com a omissão das autoridades britânicas frente ao problema. Historicamente, Londres sempre foi um lar para os dissidentes e desde os anos 1980 cada vez mais se tornou refúgio para extremistas islâmicos que ganhavam asilo de autoridades pouco conscientes de suas atividades.
Pouco depois de chegar a Londres, Nasiri mais uma vez travou
contato com o Al Ansar, agora impresso na capital britânica. Entre os que
estavam envolvidos com Al Ansar em Londres estava Rachid Ramda, que fora visto
na França e na Bélgica freqüentando círculos do GIA. Quando o juiz
contra-terrorista francês Jean Louis Brugière pediu à Grã-Bretanha que
prendesse Ramda, que era procurado por conexões com o financiamento dos
atentados a bomba no metrô de Paris, a reação britânica foi dizer que não
poderia prendê-lo, pois ele nada fizera de errado no Reino Unido. Ramda
finalmente foi detido, mas lutou contra a extradição por dez anos, para a
crescente irritação dos franceses. Somente em dezembro de 2005 foi que as
autoridades da Grã-Bretanha o transferiram para a custódia francesa, sendo que
ele viria a ser condenado, em Paris, em março de 2006 pelos atentados a bomba
de meados dos anos 1990.
Em Londres, Nasiri foi comandado pelos serviços de
Inteligência franceses e britânicos, recebendo a missão de se infiltrar na
comunidade de radicais.
Abu Hamza e seus seguidores haviam transformado a mesquita
de Finsbury Park no principal santuário e centro de conexões, não apenas da
Grã-Bretanha, mas de toda a Europa, para aqueles comprometidos com o jihad
internacional. Cerca de 200 pessoas dormiam no subsolo da mesquita. Uma
estimativa calcula que 50 freqüentadores da mesquita morreram em operações
terroristas e ataques insurgentes em conflitos no exterior.
A mesquita funcionava como um centro de recrutamento para
grupos aliados à Al-Qaeda. Terroristas eram mandados ao Afeganistão com
passagens aéreas, dinheiro e cartas de apresentação de Abu Hamza para entrar em
Khaldan.
A tolerância dos britânicos, bem como sua tradição de
liberdade de expressão, multiculturalismo e concessão de asilos, foram exploradas
e as autoridades não desejando interferir na liberdade de expressão, não
conseguiram compreender o tipo de retórica inflamada que emanava da mesquita de
Finsbury Park e tampouco suas atividades.
Muitos países, além da França reclamaram dessa mesquita, mas
nada foi feito. Somente em janeiro de 2003 é que as autoridades britânicas
decidiram agir, fechando-a temporariamente, mas Abu Hamza continuou livre,
pregando na rua em frente à mesquita. Somente quando os EUA emitiram um pedido
de extradição é que as autoridades britânicas agiram, em parte pelo
constrangimento causado pela pressão americana. Em outubro de 2004, Abu Hamza
foi acusado e por fim condenado por ser o mentor de assassinatos e outros
crimes.
Outra figura-chave espionada por Nasiri foi Abu-Watada, um
palestino-jordaniano que havia entrado no Reino Unido em 1993 com um passaporte
falso . A Jordânia exigiu a sua extradição, mas a Grã-Bretanha não a concedeu.
Para os militantes islâmicos a necessidade de autoridade
religiosa é de grande importância. Os nomes daqueles que se acredita terem
recebido treinamento religioso de Abu Qatada forma um “quem é quem” de
militantes islâmicos baseados na Europa. Fitas com sermões de Abu Qatada foram
encontradas no apartamento de Hamburgo usado por Muhammad Atta, um dos
atacantes do 11 de setembro.
A base de operações de Abu Qatada ficava no Four Feathers
Club, em Londres. Nasiri diz que autoridades britânicas mandaram-lhe deixar Abu
Qatada em paz e centrar suas atividades em Hamza. Acredita-se que Qatada também
tivesse contatos com o MI5, mas não está claro quem manipulava quem.
Finalmente, em fevereiro de 2001 Abu Qatada foi interrogado
pela Polícia, que encontrou 170 mil libras, em dinheiro, em sua casa, parte
dessa quantia dentro de um envelope onde se lia “para os mujhadin da
Chechênia”.
Autoridades britânicas citam a estrutura legislativa como um
problema. Em meados dos anos 1990, conspirar dentro da Grã-Bretanha para
cometer atos terroristas no exterior não era crime. Assim grupos como o Hamas e
os Tamil Tigers, bem como o GIA, começaram a usar o Reino Unido como pólo
central. A Polícia investigava um problema apenas se existissem evidências de
que leis tivessem sido desobedecidas. A Polícia e os Serviços Secretos não
priorizavam a coleta de informações sobre esses grupos. Os especialistas em
contraterrorismo britânicos continuavam focados no terrorismo republicano
irlandês, em vez do terrorismo islâmico.
Em fevereiro de 1996, uma bomba de meia tonelada explodiu na
região portuária de Londres sinalizando uma nova fase de atividades após o
cessar fogo irlandês. O MI5 e a Polícia estavam envolvidos em uma disputa
burocrática sobre quem comandaria a política contraterrorista na Irlanda do
Norte – por fim, vencida pelo MI5 – que também canalizava recursos e energia
nessa direção.
Foi somente no início de 1998 que as autoridades britânicas
começaram a ouvir mais sobre a Al-Qaeda. Na época ninguém se preocupava com Abu
Qatada, Abu Hamza ou as redes do Norte da África. A preocupação girava em torno
de grupos de árabes que haviam chegado por volta de 1998, predominantemente do
Egito, bem como de outros árabes associados a Bin-Laden, como Khalid al-Fawwaz,
que se acreditava vinha administrando o escritório de mídia de Bin Laden em
Londres, organizando entrevistas para jornalistas ocidentais e publicando
declarações em seu nome.
Khalid al-Fawwaz foi posto sob custódia britânica à espera
de extradição para os EUA.
Embora as autoridades britânicas tenham começado a
considerar a ameaça da Al Qaeda a partir do início de 1998, ela era percebida
como distinta de figuras como Abu Qatada, Abu Hamza e os argelinos operando no
Reino Unido.
O terrorismo internacional e particularmente o terrorismo
ligado aos islâmicos, não era visto como algo que ameaçasse diretamente o país.
A França poderia ser um alvo primário, devido ao seu envolvimento na Argélia,
mas não o Reino Unido.
A Grã Bretanha está sentindo agora o impacto do longo prazo
de sua tolerância para com os elementos radicais nos anos 1990-. A
radicalização que se espalhou em algumas comunidades britânicas não se
estabeleceu da noite para o dia.
Em 1998, um novo conjunto de ações da Polícia na Bélgica
resultou em mais provas de natureza internacional das redes jihadistas e da
ameaça que representavam. Os detidos vinham da Argélia, Marrocos, Síria e
Tunísia e tinham conexões com inúmeros grupos islâmicos diferentes, bem como
com Abu Zubayda, Afeganistão, Bósnia e Paquistão. Foram descobertos detonadores
e materiais para a fabricação de explosivos e havia suspeitas de que a Copa do
Mundo, que se realizaria na França no meio daquele ano, seria um alvo.
A Europa sempre foi uma base central de operações da Al
Qaeda, um lugar no qual diferentes grupos islâmicos radicais forjaram suas
alianças. Os sinais de alerta estavam ali, mas somente uns poucos os
compreenderam.
Cinco anos após os ataques de 11 de setembro, é a Europa – e
o Reino Unido em particular – não os EUA, que se defronta com o maior desafio
do terrorismo.
Foi uma conquista de Bin Laden a globalização da noção de
jihad. Reunir grupos que antes se concentravam unicamente em seus próprios
conflitos locais – na Argélia, Ásia Central, Chechênia e outras regiões - e
convencê-los a fazer parte de uma luta maior. Uma luta contra o “inimigo
distante” - os EUA -, que apoiava os governos aos quais se opunham. Uma luta
que devia ser travada sob a bandeira da Al Qaeda.
Em fevereiro de 1998 Bin Laden divulgou uma nota declarando
a formação da Frente Islâmica Mundial para a Jihad contra Judeus e Cruzados.
Ele anunciou uma fatwa de que “matar os americanos e seus aliados – civis e
militares – é um dever pessoal de cada muçulmano que puder fazê-lo em qualquer
país em que for possível fazê-lo” . Pouco depois, em agosto de 1998 veio a
primeira operação de grande escala da Al Qaeda contra os EUA, atacando suas
embaixadas na Tanzânia e no Quênia.
A história de Omar Nasiri termina quando ele se muda para a
Alemanha. Lá, em relação aos serviços secretos alemães, entra em colapso. Na
sua visão, eles o abandonaram sem jamais fornecerem proteção e a nova
identidade que os franceses haviam prometido inicialmente. Quase quatro anos
depois, enquanto assistia aos atentados a bomba em Londres em 7 de julho de
2005, ele decidiu que queria contar a sua história. Isso o fez procurar a BBC e
a escrever o relato dos sete anos em que viveu como espião no emergente
movimento jihadista.
Esse relato foi resumido nestes quatro capítulos.
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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