sexta-feira, 6 de junho de 2014

“Não nascemos sujeito heterossexual ou homossexual”, diz dra. Tania Coelho. Destino das discordâncias íntimas “deveria ser a experiência psicanalítica e não os movimentos sociais”

Por Felipe Moura Brasil – VEJA
 
A militância gayzista não se conforma que você alerte os gays (e héteros) contra ela. Se questionar os pressupostos de seu discurso, então, aí ela pira. A reação histérica ao meu post sobre a propaganda homossexual continua nas redes, com os xingamentos que apenas confirmam a intolerância nele descrita. Um site LGBT diz que eu chamo homossexualidade de neurose e quer me dar aula de redação. Militante é assim: não aprende a ler e quer ensinar.

Sei que as questões psicológicas são mesmo inconcebíveis para quem é tão cabeça aberta que deixou o cérebro cair, e mais ainda para os fanáticos ativistas da genética, mas para todas as outras pessoas segue a entrevista exclusiva deste blog com a dra. Tania Coelho dos Santos, uma das psicanalistas mais qualificadas do Brasil e autora de mão cheia, como se vê no resumo curricular ao fim do post. Que cada um encontre a sua singularidade, em vez de repetir os chavões da canalhada em busca de poder político. Como alerta e conclama a doutora:

“Precisamos reagir à coletivização de corações e mentes!”

Felipe Moura Brasil: Uma das bases do discurso dos militantes gays para reivindicar direitos é afirmar que os gays nascem gays. Sem entrar na questão política, faz algum sentido essa afirmação feita por eles? É possível falar em alguma “predisposição” neste sentido? Alguém nasce hétero?

Dra. Tania Coelho dos Santos: Desde a descoberta freudiana do inconsciente, que não confundimos mais a diferença anatômica entre os sexos com a sexualidade psíquica. Nascemos homem ou mulher, anatomicamente falando. Não nascemos nem homem nem mulher, psicologicamente.

A sexualidade humana não é instintiva nem natural. Somos seres atravessados pela linguagem, pela cultura e pela civilização. Tornar-se homem ou mulher é um fato de civilização. Uma criança não vem ao mundo livre e igual a um adulto.

Ela é esperada (ou não) desejada (ou não) e habita o discurso de seus pais, muito antes de fazer qualquer escolha subjetiva. Nascemos como um objeto do desejo do homem. Não nascemos sujeito heterossexual ou homossexual.

A transmissão do que é ser um homem ou uma mulher, depende das relações afetivas que os pais estabelecem com seus filhos. Quando a criança descobre que homens e mulheres não são idênticos, anatomicamente falando, ela vai buscar as razões dessa diferença no discurso de seus pais.

A diferença é traumática. Não se sabe exatamente o que é ser um homem ou uma mulher.

É preciso um grande trabalho de elaboração psíquica, inconsciente, para chegar a se situar em relação à imagem de seu corpo, ao significante que o designa (homem ou mulher) e ao modo de gozo deste corpo (feminino ou masculino).

Nem sempre um sujeito alcança conciliar-se seja com sua imagem, seja com o significante, seja com seu modo de gozo.

Há quem diga: “Eu sou um homem num corpo de mulher” e vice-versa. “Eu sou uma mulher que amo outra mulher, mas só desejo ser sexualmente desejada pelos homens.” “Eu sou um homem que desejo outro homem, sexualmente falando, mas que amo apenas as mulheres.”

Discordâncias íntimas cujo destino deveria ser a experiência psicanalítica e não os movimentos sociais. Somente a escuta atenta à singularidade de cada caso pode levar cada um a saber o que fazer com seu sexo.

FMB: Parece comum que as pessoas se agarrem à ideia de que nasceram de determinado jeito, porque isto as dispensa de maiores esforços psicológicos. Muita gente se diz tímida, por exemplo, como uma licença para poder ser mal-educada ou declinar uma responsabilidade qualquer. Dizer-se homossexual de nascença, sem que haja prova genética alguma disso no caso específico de quem diz, não é também uma forma de se eximir do esforço, da análise, da busca da compreensão do sintoma e até mesmo da responsabilidade sobre as próprias escolhas, sobre o próprio comportamento?

Dra. Tania Coelho: A prova genética de que nascemos biologicamente homens ou mulheres não nos garante que chegaremos a nos sentir um homem ou uma mulher. Imagino que, se existe um terceiro sexo, em consequência do fato de que somos seres de linguagem, estes indivíduos não seriam poupados do trabalho psíquico de saber o que fazer com sua singularidade sexual.

De fato, vivemos numa época avessa ao esforço intelectual. Todo mundo sonha em ter tudo pronto. Basta acionar o botão correto. Hoje, o dever de cada um de saber o que fazer com seu corpo, suas identificações, sua maneira única de viver e de amar está sendo coletivizado.

Acredita-se que todo mundo deve fazer parte de um grupo qualquer e cada grupo acredita que tem direitos especiais. A responsabilidade de cada um para consigo mesmo está sendo substituída pela responsabilidade social, estatal, assistencial.

Infelizmente não são somente os homossexuais que fogem da sua singularidade e se refugiam em movimentos coletivos. Esta mentalidade que esvazia a subjetividade de cada um e tende a nos tratar como um coletivo está se tornando uma norma de funcionamento social.

Precisamos reagir à coletivização de corações e mentes!

FMB: Boa parte da militância hoje quer fazer crer que qualquer pessoa que tenha ou possa ter tido algum desejo de ter relação sexual/amorosa (ou mesmo de “ficar”) com alguém do mesmo sexo, e sobretudo se chegou a ter de fato, é no fim das contas um homossexual, ou no mínimo bi. A atração e sobretudo a ereção nesses casos seriam sintomas de que o sujeito não pode ser heterossexual. Genética, desejo, atração, escolha, comportamento, estilo de vida, orientação sexual, tudo costuma aparecer muito misturado nos debates sobre o assunto. Quais são as nuances e distinções básicas que precisam ser apontadas a respeito?

Dra. Tania Coelho: A sexualidade humana é despertada na infância de modo perverso e polimorfo. Muito antes do surgimento de sensações nos órgãos genitais, a boca, o ânus, o olhar e a voz já foram despertados e funcionam a serviço da satisfação erótica. Antes de interessar-se vivamente pelo sexo oposto, muitos indivíduos experimentam uma grande satisfação autoerótica com seu próprio corpo ou com um corpo de um semelhantes.

Perversos, polimorfos, homossexuais, aberrantes, sádicos, masoquistas, exibicionistas, voyeuristas, coprofílicos, pedófilos, heterossexuais, tudo isso e mais alguma coisa pode ser dita sobre as disposições sexuais da espécie humana.

A pergunta que não quer calar é porque muitos seres humanos apesar de portarem todas esta disposições sexuais em potencial, conseguem se tornar homens ou mulheres heterossexuais e fazerem sexo “mais ou menos” convencionalmente.

Por que uma parte da espécie humana deseja copular e fazer filhos? Este parece que é o grande mistério que precisa ser esclarecido nos dias de hoje. Talvez a questão não seja porque alguns são homossexuais. Talvez a grande questão seja, porque tantos outros não o são ?

Perante a genética somos muitos mais parecidos do que diferentes. Do ponto de vista da sexualidade infantil somos muito mais parecidos do que diferentes. O que acontece depois? Como nos tornamos aquilo em que nos tornamos?

Só a experiência analítica, insisto, caso a caso, nos permite captar o segredo, o mistério da escolha de cada um.

Não existe nenhuma generalização possível. Nem na vida dos heterossexuais, nem das homossexuais e nem em qualquer outro tipo de sexualidade que a gente queira inventar.

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*Tania Coelho dos Santos é psicanalista, Membro da Ecole de la Cause Freudienne, da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise. Presidente do Instituto Sephora de Ensino e Pesquisa de Orientação Lacaniana, Pós-doutorado no Departamento de Psicanálise de Paris VIII, Prof. Associada IV do Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica, Pesquisadora bolsista 1C do CNPq e Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. É autora de livros como Quem tem medo de análise hoje?; Sinthoma: corpo e laco social; Psicanalise, ciência e discurso; além de organizadora de outros como De que real se trata na clinica psicanalítica?; A cabeça do brasileiro no divã; Inovações no ensino e na pesquisa em psicanálise aplicada; e Efeitos terapêuticos na psicanálise aplicada.

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