Por Percival Puggina
Todos sabemos. Lula tem um problema com as elites. É só
ficar solto no palanque, sem texto para ler, e lá vem ele com seu xingamento às
elites, para adequar o conteúdo do discurso ao modo vulgar de discursar.
Tudo muito postiço, como nos políticos que usam os pronomes
e as concordâncias segundo o auditório. Mas o Lula que quer se descolar das
elites é membro aplaudido do seleto grupo! Convive com a elite política e
ocupou o topo de sua cadeia alimentar. Tem atuado de modo intenso e rentável
como representante da elite das construtoras nacionais. Costuma posar para
fotografias e fazer agrados a atletas de elite. Seu partido nasceu no ventre da
elite acadêmica do país. Nela e por ela foi concebido e propagado nas salas de
aula onde se forma nossa elite intelectual. Mais do que nenhum outro homem
público em nossa história foi beneficiado pela ação orquestrada da elite
cultural e artística que, quase em uníssono, atuou e continua atuando em seu
favor. Como presidente, usou sua prerrogativa para indicar membros aos mais
altos cargos das carreiras jurídicas do país, cuja elite, em boa parte, lhe
deve favores. Também como presidente, seja de direito, seja de fato, abriu as
torneiras dos bancos oficiais para despejar dinheiro bom e barato nas contas
bancárias de nossas maiores corporações empresariais. Descobriu, há muito
tempo, que bons vinhos, uísques, charutos e lagosta ao Thermidor são mais
prazerosos do que vinho de garrafão, cachaça, mata-rato e buchada de bode.
Julgo suficientemente comprovado, com os incontestáveis
registros acima, que Lula é peça - e peça importante - da elite nacional. Mas
quando ele fala da elite, mesmo como enfeite de discurso, a quem tem ele em
mente, como protótipo de seu desprezo? Em quem ele está pensando quando o dedo
que deveria apontar para si mesmo se volta para algum canto obscuro e
inespecífico na cena brasileira? Não é àquela elite que está muito próxima dele
e bem mereceria a desaprovação. As repulsas de Lula recaem sobre uma pequena
parcela da elite que não se verga às seduções da corte e não aplaude qualquer
tolice pronunciada por quem tenha a caneta turbinada pelo poder.
Essa elite é o obstáculo ainda remanescente aos anseios por
hegemonia absoluta sobre a vida brasileira. É aquela parcela da sociedade, de
qualquer condição social, mas de elevado valor moral, que não se deixa comprar
com favores. Bem menos numerosa do que conviria, ela percebe o grau de
rebaixamento e depreciação a que chegou a política nacional e atribui as
devidas responsabilidades ao principal comandante dessa política nos últimos 16
anos.
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Percival Puggina (69) é arquiteto, empresário, escritor,
titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais
e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da
utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+ e membro da Academia
Rio-Grandense de Letras.
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