Protestos, violência e insegurança. Enquanto o governo do
estado do Rio de Janeiro anuncia um mundo ideal em suas propagandas de TV,
pessoas morrem e desaparecem nas favelas cariocas. Os papéis se inverteram:
antes, os traficantes andavam armados e disputavam os papeis de vilões e herois
entre os moradores da comunidade. Hoje, os policiais das Unidades de Polícia
Pacificadora assumiram o comando do fuzil. Mas a esperada paz continua uma
promessa distante, e as comunidades acabaram por se transformar num barril de
pólvora prestes a explodir.
Este aumento na violência é facilmente constatado no último
levantamento do Instituto de Segurança Pública (ISP). De acordo com o balanço
divulgado na sexta-feira (2), o número de homicídios de pessoas durante
confronto com a polícia no Rio registrou um aumento de 59,3% no primeiro
trimestre de 2014 em relação ao primeiro trimestre de 2013. Apesar de o ISP não
confirmar nem negar que estes números se referem a regiões com UPPs, o
assustador crescimento comprova que a cidade vive um clima de guerra.
Em 2010, quando foram inauguradas as primeiras UPPs, o
cenário já mostrava uma prévia do que se repetiria muitas vezes. No dia 3 de
março daquele ano, um grupo de traficantes incendiou um ônibus, ferindo pessoas
e espalhando o terror entre a população da Cidade de Deus. Os criminosos
continuavam morando na comunidade, mesmo com a pacificação. No mesmo ano, na
madrugada do dia 26 de dezembro, policiais da UPP de Cidade de Deus, foram
atacados na Travessa 15 por traficantes que ocupavam uma moto.
Um mapeamento independente, realizado por um morador da
comunidade de Manguinhos, levanta dados junto aos moradores da comunidade para
medir violações de direitos nos territórios com UPPs. Segundo apontado no
próprio mapeamento, um dos objetivos é “gerar informações com o olhar de quem
sofre as violações e também contrapor as informações”.
Violência contra moradores
O levantamento faz um trabalho de resgate de casos pouco
divulgados de mortes de moradores. De fato, o caso Amarildo foi o primeiro grande
escândalo a atingir a UPP. Embora a relação entre policiais e moradores não
seja a ideal desde a instalação da primeira UPP, foi o desaparecimento do
pedreiro que ganhou grande repercussão na mídia. A partir de então, os abusos
de autoridade de policiais lotados em UPPs passou a chamar atenção.
O documento conta a história de outras vítimas da violência
nas comunidades “pacificadas”. Em abril
de 2013, o jovem Aliélson Nogueira, de 21 anos, foi morto por policiais da UPP
Jacarezinho. Segundo a página “Ocupa Alemão”, o rapaz, que trabalhava em um
galpão de reciclagem, estava em uma localidade conhecida como Beira do Rio,
quando foi assassinado com tiros pelas costas enquanto comia um cachorro
quente. A polícia alega que Aliélson foi vítima de uma bala perdida. O jovem
seria pai em poucos meses.
Em junho de 2011, André de Lima Cardoso, de 19 anos, foi
morto por policiais da UPP Pavão-Pavãozinho. Segundo relatos de moradores, o
jovem foi comprar um lanche para a esposa, grávida de 9 meses, quando foi abordado
por policiais à paisana e alcoolizados. Após ser agredido com socos e chutes, o
rapaz foi liberado. Quando chegou ao final do beco, o jovem foi morto com um
tiro nas costas. Os policiais registraram o caso como um auto de resistência. A
filha de André nasceu cinco dias após a morte do pai.
Aos 16 anos, Mateus Oliveira Casé foi mais uma vítima da
violência policial. Em março de 2013, o adolescente morreu vítima de uma parada
cardíaca após uma abordagem violenta de policiais da UPP de Manguinhos, com uso
de uma arma teaser. Na ocasião, uma amiga do rapaz contou que eles estavam
brincando quando Mateus disse “vai morrer”. Os policiais, então, acreditaram
que o garoto se referia a eles e, por trás, deram um choque. Matheus caiu e
bateu com a cabeça na calçada. Segundo a jovem, os PMs disseram que ele
acordaria em duas horas, mas o adolescente já chegou morto à UPA. Na ocasião,
moradores fizeram protestos. Mateus possuía seis anotações como menor infrator:
duas por tráfico, duas por furto, uma por tentativa de motim e uma por ameaça.
Em dezembro de 2013, o idoso Joaquim Santana, de 81 anos,
foi morto com um tiro no olho. Durante uma abordagem violenta a um grupo de
jovens, moradores se revoltaram e causaram um tumulto. Para contê-los, um
policial da UPP de Manguinhos deu três tiros para o alto, atingindo o idoso,
que estava na sacada de sua casa.
No último dia 20, uma idosa de 72 anos foi baleada e morreu
durante um confronto entre policiais e traficantes. Arlinda Bezerra de Assis
voltava para casa, na comunidade da Grota, após comemorar o aniversário em um
almoço de família. Em meio ao fogo cruzado, a idosa se atirou na frente do
sobrinho, de 10 anos, para protegê-lo. Os disparos atingiram a barriga e a
virilha. Oito dias depois, um rapaz de 17 anos foi assassinado durante uma
operação da Polícia Militar. No dia seguinte, outro jovem, Carlos Alberto de
Souza Marcolino (21), foi baleado no peito, também durante um confronto entre
PMs e traficantes. Até o fechamento desta reportagem, Carlos permanecia internado
em estado grave.
No último dia 22, Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, foi
encontrado morto com um tiro e vários ferimentos, na comunidade
Pavão-Pavãozinho. De acordo com a Polícia Militar, ele foi encontrado no pátio
de uma creche no dia seguinte a um tiroteio entre policiais da UPP e criminosos
da comunidade. A família do dançarino aguarda o laudo oficial da perícia para
confirmar se houve tortura e se o disparo partiu da arma de policiais.
Em março deste ano, outro caso chocou o Brasil. Cláudia Silva
Ferreira foi baleada quando saía para comprar pão, no Morro da Congonha. Após
ser ferida, a mulher foi jogada no porta mala de uma viatura e levada para o
Hospital Carlos Chagas. Contudo, durante o trajeto, o porta mala abriu e
Cláudia foi arrastada por 350 metros. Um vídeo, gravado por um cinegrafista
amador, registrou quando os policiais foram avisados e saíram do carro para,
novamente, jogar a mulher dentro do porta malas.
No último dia 1° de maio, um tiroteio na comunidade da
Rocinha matou uma pessoa e feriu gravemente outra. O episódio começou quando
policiais da UPP foram surpreendidos por bandidos enquanto faziam o
patrulhamento na Rua 2.
Protestos
Diante dos constantes casos de escândalo envolvendo as UPPs,
moradores das comunidades têm realizado constantes protestos. A onda de
manifestações começou quando o corpo de Douglas Silva foi encontrado dentro de
uma creche. Revoltados, amigos do dançarino e moradores do Pavão-Pavãozinho
foram para as ruas e entraram em confronto com policiais.
Durante o protesto, Edilson da Silva dos Santos - um rapaz
de 27 anos, que sofria de problemas mentais e era irmão de criação de Douglas –
foi morto com um tiro. O caso está sendo investigado. A manifestação teve
repercussão mundial. Jornais como Le Monde, Washington Post, New York Times e
El País deram destaque para a morte de Douglas e Edilson e questionaram a
segurança e as políticas públicas do Rio de Janeiro, em uma época tão próxima à
Copa do Mundo.
Após o enterro de Douglas, outro protesto levou amigos e
parentes do rapaz às ruas. Os manifestantes seguiram caminhando do Cemitério
São João Batista até a comunidade do Pavão-Pavãozinho. A polícia usou bombas de
gás lacrimogênio e spray de pimenta. No sábado seguinte à morte de Douglas,
outra manifestação tomou às ruas, pedindo paz.
Após a morte de Dona Arlinda, moradores do Complexo do
Alemão também protestaram. Eles fecharam a Avenida Itaré, um dos principais
acessos da comunidade. Após o ato, a UPP Nova Brasília foi atingida por dois
tiros, que não feriram ninguém. A base de Pedra do Sapo também foi atacada, sem
vítimas.
Morte de policiais
O mesmo levantamento também aponta o lado social das mortes
de policiais lotados em UPPs. De acordo com o documento, a maioria dos
policiais de UPPs mortos em confronto com o tráfico é negra. A violência contra
policiais coloca em dúvida a segurança destes profissionais nas comunidades
“pacificadas”. Em março deste ano, o tenente Leidson Acácio Alves Silva foi
morto após ser atingido por um tiro na cabeça. O subcomandante da UPP da Vila
Cruzeiro fazia o patrulhamento na favela Parque Proletário quando foi
surpreendido por bandidos armados.
A morte do tenente foi a quarta registrada em um período de
um mês entre policiais que trabalham em UPPs. Em fevereiro, a PM Alda Castilho,
da UPP Parque Proletário, foi baleada na barriga e morreu. Quatro dias depois,
o PM Wagner Vieira da Cruz, da UPP Vila Cruzeiro, foi atingido por um disparo
na cabeça e também não resistiu aos ferimentos. No dia seguinte, o PM Rodrigo
Paes Leme, da UPP Nova Brasília, também foi ferido no peito e morreu.
No ano passado, o PM Melquisedeque Basílio, de 29 anos, da
UPP Parque Proletário, no Complexo do Alemão, foi assassinado em frente ao
contêiner, que funciona como sede da unidade. Houve troca de tiros com
bandidos, ferindo quatro pessoas, entre elas, dois traficantes. Também em 2013, o PM Anderson Dias Brazuna
foi morto com um tiro no peito enquanto fazia uma ronda na Cidade de Deus.
Na manhã do dia 1º de maio, um policial da UPP Alemão foi baleado
no rosto quando fazia um patrulhamento no Largo do Mineiro. O grupo foi vítima
de uma emboscada e trocou tiros com os bandidos. Apesar do grave ferimento, o
policial não corre risco de morte.
* Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil
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