Por Percival Puggina
Só pode dar sentido à vida terrena algo que se situe fora
dela, que a ela preexista e que se projete para além dela.
A esperança do cristão lhe vem da Ressurreição. São Paulo
diz que se Cristo não tivesse ressuscitado, “vã seria a nossa fé”.
Não consegui encontrar a obra, em meio ao indesculpável
desarranjo da minha biblioteca. Mas li, faz bom tempo, texto muito interessante
sobre certo anúncio feito publicar na imprensa por um personagem do escritor
José-María Gironella. O anunciante era um cavalheiro que declarava haver
perdido a mais preciosa de suas joias. Justamente aquela pela qual entregaria
todos os seus outros bens. Estava consternado e conclamava quantos o lessem a
um ato de solidariedade humana: que saíssem às calçadas, às ruas, às praças e
procurassem por ela durante alguns minutos. Suplicava a quem a encontrasse que
a restituísse ao legítimo dono, porque somente para ele, autor do anúncio, tal
joia tinha valor precioso e utilidade infinita. O tão extraordinário bem,
esclarecia ele por fim, era o tesouro imaterial da Esperança, sem a qual não
estava conseguindo viver.
O trágico personagem reflete muito bem, com seu apelo, a
terrível situação de quem se percebe vivendo no desespero, aquela triste forma
de se deixar morrer, no dizer do dominicano Bernard Bro. Não sei se o mais
triste é a sensação de perda de um bem assim ou a situação de quem vive e morre
sem saber do que estou falando aqui. De fato, leitor amigo, a maior parte das
pessoas não chega a compreender o fenômeno da esperança e da desesperança.
Lida-se com ele mais ou menos como se a vida fosse uma roleta, dentro da qual
rodopiam bolinhas da sorte ou do azar. E chama-se de "esperança" o
conjunto de expectativas pessoais condicionadas a prováveis ou improváveis
prêmios.
Não é essa, porém, a esperança que dá sentido à vida, nem é
essa a esperança que se constitui em virtude cristã. Só pode dar sentido à vida
terrena algo que se situe fora dela, que a ela preexista e que se projete para
além dela. Nossa vida não pode ser um segmento de reta, com começo, meio e fim,
atravessado na história. Nós não somos grãos de areia no deserto, despojados de
qualquer significado pessoal. Se para o grão de areia tal situação não tem
importância, para a vida humana, a ausência de finalidade gera angústia. Não
são outras, in suma, as incertezas do existencialismo, as misérias do
materialismo e as trágicas convicções do niilismo. E não era outra coisa que
clamava o cavalheiro do anúncio mencionado acima.
A esperança do cristão lhe vem da Ressurreição. São Paulo
diz que se Cristo não tivesse ressuscitado, “vã seria a nossa fé”. Ou seja,
nossa fé estaria depositada em alguém vencido pela morte; ressurreto, Cristo é
a esperança de nossa própria ressurreição - ainda com as palavras de São Paulo.
O Evangelho de Lucas relata o conhecido anúncio do anjo aos
pastores: “Nasceu-vos hoje um Salvador, que é o Cristo Senhor”. Pois não seria
descabido um anúncio semelhante na sexta-feira da Paixão: “Morreu-vos hoje um
Salvador, que é o Cristo Senhor”. No mistério da Redenção, que se completa na
Páscoa da Ressurreição, cumpre-se o projeto de Deus para a nossa salvação.
Seria uma insanidade trocarmos a Esperança que está envolvida nesse ambicioso
projeto de Deus por algum projeto de nossa própria ambição, levado ao extremo
de extraviar, nele, a única Esperança que efetivamente pode dar sentido à nossa
vida. Feliz Páscoa!
Publicado no jornal Zero Hora.
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