O diplomata Eduardo Saboia foi afastado de suas funções por tempo indeterminado por ter conduzido a operação que trouxe ao Brasil o senador boliviano perseguido Roger Pinto Molina. Encostado em função desimportante, há 8 meses aguarda decisão sobre se vai ou não ser punido (Alan Marques / Folhapress) |
É um escândalo e uma vergonha e um caso clássico de assédio
moral o que o Itamaraty, com seus punhos e renda e tudo, está fazendo com o
diplomata Eduardo Saboia, ex-encarregado de negócios da Embaixada brasileira em
La Paz, na Bolívia. Foi ele quem propiciou
a fuga para o exílio no Brasil do ex-senador Roger Molina, adversário do
governo bolivariano de Evo Morales que sobrevivia, em condições precárias, a
455 dias de abrigo na sede diplomática do país.
Molina denunciou o envolvimento de personalidades do governo
de Morales com o tráfico de drogas e se dizia ameaçado de morte, por isso
buscou asilo na embaixada.
O governo de Morales, porém, recusou-se sistematicamente a
conceder salvo-conduto ao político para que ele pudesse deixar fisicamente a
embaixada rumo a um aeroporto e embarcar para o Brasil. Passivo e
“compreensivo” com o bolivariano Morales — Lula passou a mão na cabeça do
colega boliviano quando ele mandou tropas do Exército ocupar instalações da
Petrobras, que em seguida desapropriou –, o governo da presidente Dilma não
exerceu a menor pressão para que a Bolívia cedesse.
Indignado ao ver o instituto de asilo transformada em
degradação — o ex-senador vivia como se numa prisão, sem sequer direito a banho
de sol, morando num cubículo e sofrendo de depressão –, Saboia, então
embaixador interino em La Paz, resolveu trazê-lo por conta própria ao Brasil.
Sim, cometeu, em nome dos direitos humanos e do que
considerava ser a dignidade do país que representava, uma indisciplina,
sujeita, portanto, a punições.
Ocorre, porém, que o Itamaraty está há oito meses empurrando
o caso com a barriga, virando de cabeça para baixo a vida de um diplomata de
carreira, com 23 anos de serviços prestados que lhe valeram uma condecoração
presidencial. Oito meses para uma comissão de investigação decidir o que fazer
com Saboia, agora prorrogados por mais 30 dias.
Para o governo, ele parece ser um pária, a ser perseguido de
forma cruel — deixando seu trabalho e sua vida em suspenso.
Para os brasileiros de bem, provavelmente ele é um herói.
Leiam a reportagem excelente sobre o caso feita por Marcela
Mattos, do site de VEJA em Brasília:
OITO MESES DEPOIS DE COMANDAR FUGA DE MOLINA, DIPLOMATA
AMARGA O OSTRACISMO
Protagonista de uma história com roteiro cinematográfico,
com direito a fuga e ameaças, o diplomata Eduardo Saboia vive em um limbo desde
que trouxe ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina.
O ex-parlamentar de oposição era perseguido pelo governo de
Evo Morales e ficou asilado, com o aval do governo brasileiro, por 455 dias na
Embaixada do Brasil na Bolívia.
Servidor de carreira, Saboia é ministro-conselheiro do
Ministério das Relações Exteriores. Após a epopeia com a fuga de Molina para o
Brasil, ele se tornou alvo de processo disciplinar que se arrasta há oito meses
na comissão de sindicância do Itamaraty – e não tem prazo para ser concluído.
Na última quarta-feira, o colegiado voltou a empurrar a
decisão se ele deve ou não ser punido pelo episódio: prorrogou os trabalhos por
mais 30 dias, como vem ocorrendo sucessivamente desde outubro. Enquanto aguarda
uma deliberação sobre o caso, Saboia foi deixado na geladeira e lotado em uma
função administrativa. Constrangido, ele pediu licença do cargo no dia 8.
“Ele fica sentado em uma cadeira sem fazer nada”
Ex-encarregado de Negócios na Embaixada brasileira, Saboia
tem 46 anos, metade deles vividos no Itamaraty. A atuação do diplomata era
considerada impecável pelo Ministério das Relações Exteriores e lhe rendeu,
inclusive, uma condecoração pelo ex-presidente Lula com a medalha da Ordem do
Rio Branco.
No entanto, a carreira foi interrompida após, diante da
inoperância do governo brasileiro, ajudar o senador a escapar das ameaças da
tropa comandada por Morales. Molina denunciou o envolvimento de autoridades
bolivianas com o tráfico de drogas.
Logo ao chegar ao Brasil, no final de agosto, Saboia foi
afastado de suas funções e tornou-se objeto de investigações de uma sindicância
interna do órgão. Um relatório final, que deve ser elaborado por uma comissão,
decidirá se o diplomata deve ou não ser punido. As medidas disciplinares
aplicáveis vão desde uma advertência à demissão do cargo.
Com o futuro incerto, o diplomata foi realocado no cargo
secundário de assessor no departamento de Assuntos Financeiros e de Serviços do
Itamaraty – uma função administrativa, sem status de chefia nem gratificações
que tinha como ministro. “Isso é um assédio moral do ponto de vista de não
conceder qualquer atividade na altura do que ele possa exercer. Hoje ele está
sentado em uma cadeira sem fazer nada”, afirma a defesa de Saboia, o advogado
Ophir Cavalcante.
Saboia, por outro lado, evita tecer comentários sobre o
posto. Mas reclama da demora em ter o caso solucionado: “Hoje eu faço o
trabalho que me passam. Lá dentro eu virei aquele cara que tem uma sindicância
e que, por isso, é constantemente julgado. Eu já estou sendo punido”, disse, em
entrevista ao site de VEJA concedida em uma confeitaria de Brasília.
Antes de conversar com a reportagem, Saboia tomou um chá com
o senador Molina. A defesa do boliviano o orienta a não dar entrevistas.
Ao longo de conversa de uma hora, o diplomata explicou que
decidiu pedir licença de suas funções por três meses, que pode ser prorrogada
pelo mesmo período – benefício concedido por tempo de serviço a servidores
públicos -, e planeja usar o tempo para avaliar “outras possibilidades” para a
carreira.
Na última segunda-feira, Saboia esteve no evento que selou a
chapa de Eduardo Campos e Marina Silva para a disputa eleitoral deste ano. Ele
nega, porém, ter pretensões políticas ou ser filiado a algum partido, mas não
descarta participar da campanha: “Eu quero contar a minha história nessas
eleições”.
A fuga de Molina
Alegando ser perseguido politicamente, o senador boliviano
Molina conseguiu asilo na embaixada brasileira, onde permaneceu por 15 meses em
condições degradantes: viva em um pequeno quarto improvisado, sem direito a
banho de sol e com permissão apenas para receber visitas esporádicas de
familiares e do advogado. O governo brasileiro sabia da situação de Molina, mas
não tomou providências ao longo de todo o período.
Depois de mais de um ano nessa condição, o senador entrou em
depressão e teve a saúde debilitada. Em agosto de 2013, Saboia, que à época
ocupava o cargo de embaixador interino, decidiu resolver o problema com as
próprias mãos: em um carro oficial escoltado por fuzileiros navais brasileiros,
ele e Molina viajaram por 22 horas entre La Paz e Corumbá, no Mato Grosso do
Sul, e depois seguiram para Brasília em um avião obtido pelo senador Ricardo
Ferraço (PMDB-ES), [presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa
Nacional do Senado]. A ação não foi previamente informada ao governo
brasileiro.
A presidente Dilma Rousseff classificou o episódio como uma
“quebra de hierarquia” e disse que a embaixada brasileira na Bolívia é
“extremamente confortável”. Do outro lado, Saboia alegou que, por “questões
humanitárias”, não poderia deixar uma pessoa viver daquela forma em uma
dependência do Brasil. O diplomata ainda alegou que informou o Itamaraty
somente após o episódio por motivos de segurança. Como consequência, o então
ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, foi exonerado.
“O governo brasileiro deixou que o instituto do asilo se
transformasse em uma situação de violação da dignidade de uma pessoa que estava
sob os nossos cuidados. Isso é muito sério e é algo que deveria ser
investigado: quem é o responsável ter deixado isso chegar até esse ponto?”,
questiona Saboia. “Eu não tive outra opção além daquela para preservar a vida
de uma pessoa e a imagem do meu país.”
Assim como Saboia, o senador boliviano ainda não teve a
situação definida. Molina espera aval do governo Dilma para morar legalmente no
Brasil enquanto está abrigado, de favor, na casa do senador Sérgio Petecão
(PSD-AC), em Brasília – hoje ele pode permanecer no país graças ao refúgio
provisório concedido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare).
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