domingo, 10 de agosto de 2014

Sardenberg, Miriam Leitão, os “editores” da Presidência e a república dos canalhas


O jornalista Carlos Alberto Sardenberg tem 67 anos. É uma das pessoas que mais trabalham no nosso meio. Tenho a ambição de rivalizar com ele no esforço ao menos. É competente, inteligente, claro, didático e boa-praça. A disposição que muitos jovens de 25 têm para reclamar da vida, ele tem para trabalhar. Sardenberg e Míriam Leitão tiveram seus perfis na Wikipédia editados em computadores da Presidência da República. Acrescentaram-se a suas respectivas trajetórias profissionais mentiras e difamações.

De computadores oficiais partiram outras intervenções — no caso, para acrescentar rapapés e elogios. Entre os beneficiados, estão ministros e ex-ministros como Moreira Franco, Antonio Palocci, Thomas Traumann, Ideli Salvatti e Alexandre Padilha, o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia o vice-presidente Michel Temer. A informação foi publicada ontem pelo jornal O Globo. Representantes de várias entidades protestaram contra a canalhice e pediram a apuração dos fatos: Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e Associação Nacional de Jornais (ANJ). Que bom! Achei que elas todas estivessem dormindo em berço esplêndido. Tanto melhor se acordaram. Por que escrevo isso?

Há menos de dois meses, Alberto Cantalice, vice-presidente do PT e homem do partido encarregado de administrar as redes sociais, tornou pública uma lista negra de nove pessoas, a maioria jornalistas, que ele chamou de “pitbulls da mídia”. Contou, para tanto, com a ajuda de um site conhecido por ter elevado a extorsão à categoria de “jornalismo alternativo”. Escreveu Cantalice:
“Personificados em Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli, Guilherme Fiúza, Augusto Nunes, Diogo Mainardi, Lobão, Gentili, Marcelo Madureira entre outros menos votados, suas pregações nas páginas dos veículos conservadores estimulam setores reacionários e exclusivistas da sociedade brasileira a maldizer os pobres e sua presença cada vez maior nos aeroportos, nos shoppings e nos restaurantes. Seus paroxismos odientos revelaram-se com maior clarividência na Copa do Mundo.”

O maior partido do país, como se vê, pedia cabeças. Não se ouviu um pio por aqui. Nada! A imprensa se calou. A Abert se calou. A ANJ se calou. A ABI se calou. A Fenaj se calou (é claro!; deve até ter aplaudido; afinal, ela e o PT são da mesma enfermaria…). Os jornalistas brasileiros se calaram. O site “Observatório da Imprensa” — contaram-me; eu realmente não li — abrigou um artigo de um canalha qualquer aplaudindo Cantalice e afirmando que fizemos por merecer. O protesto veio de fora: “Repórteres Sem Fronteiras”, a mais importante entidade em defesa da liberdade de imprensa, protestou comfirmeza.

repórteres sem fronteiras

Acreditem: Janio de Freitas, colunista da Folha, como sou, protestou contra o protesto; atacou “Repórteres Sem Fronteiras” e, na prática, endossou a lista negra. Há pessoas que perderam a escala da vergonha.

Há quanto tempo existe uma verdadeira gangue de criminosos atuando na Internet para difamar, caluniar e injuriar pessoas? Há quanto tempo tenho denunciado aqui o farto financiamento que passaram a receber veículos de aluguel — especialmente na Internet — com o propósito de atacar a imprensa independente, os políticos da oposição e figuras do Judiciário? Sim, é claro que é grave usar o aparelho de Estado para difamar dois profissionais. Mas não é igualmente grave financiar com dinheiro público a cadeia do achincalhamento? Por que essas entidades — excluo a petista Fenaj da pergunta por motivos óbvios — nunca se manifestaram? A canalhice vai longe e chega a detalhes.

Entrem no Google e coloquem lá meu nome. Vai aparecer esta foto.

foto reinaldo distorcida

Nunca tentei me impor pela beleza, é verdade, só que eu sou este aqui, ó:

Reinaldo de verdade

O outro lá foi popularizado pela canalha a soldo. Um dos blogs que publicavam reiteradamente aquela “foto” tinha o patrocínio da… Caixa Econômica Federal. Sim, a mesma CEF que é tão minha como de Dilma; tão minha como dos petistas; tão minha como dos vagabundos. Mas, afinal, “eles” estão no governo, não é? Julgam-se os donos do estado. E também dos entes privados. Ou o Santander não entregou as quatro cabeças cobradas por Lula?

Usar computadores da Presidência da República para difamar perfis de jornalistas na Internet é só mais um degrau na ousadia da turma. Eles julgam que podem realmente fazer tudo. E vão além. A reação, com o perdão da expressão, brocha de setores da imprensa diante do Decreto 8.243, aquele dos conselhos populares, evidencia que nem todos estão devidamente equipados para enfrentar a sanha dos autoritários.

Miriam Leitão

Vi Miriam Leitão na televisão, indignada com o que fizeram com o seu perfil. É claro que ela tem razão, e é evidente que a ação é coisa de bandidos. Jamais aplaudiria o que fizeram com ela, mas não posso deixar de registrar aqui uma indignidade de que fui alvo: e uma das agentes foi… Míriam Leitão!

Quando fui contratado como colunista da Folha, em outubro do ano passado, Suzana Singer, a então ombudsman, saudou assim a minha chegada:
“Na semana em que o assunto foram os simpáticos beagles, a Folha anunciou a contratação de um rottweiler. O feroz Reinaldo Azevedo estreou disparando contra os que protestam nas ruas, contra PT/PSDB/PSOL, o Facebook, o ministro Luiz Fux e sobrou ainda para os defensores dos animais.”

Como se vê, o retrato escrito por Suzana Singer é tão fiel como aquela foto adulterada… O petista Cantalice e Suzana, petista ou não, só divergem na raça do cachorro. Ela acha que é rottweiler; ele, pitbull. Como “reação proporcional” é um tema da hora, como eu deveria responder? Chamar um de cão e a outra de cadela? Sou menos “feroz” do que Suzana e Cantalice.  Miriam Leitão, em sua coluna no Globo — sim, no Globo! — me brindou com esta gentileza:
“Recentemente, Suzana Singer foi muito feliz ao definir como ‘rottweiller’ um recém-contratado pela ‘Folha de S.Paulo’ para escrever uma coluna semanal. A ombudsman usou essa expressão forte porque o jornalista em questão escolheu esse estilo. Ele já rosnou para mim várias vezes, depois se cansou, como fazem os que ladram atrás das caravanas.”

É claro que respondi. E, em minha resposta, lia-se o seguinte trecho (prestem atenção aos números):
Tola. Prepotente. Reitero o que já publiquei em outro post. Em sete anos e meio, Miriam Leitão teve o nome escrito neste blog 29 vezes. Atenção! Com 40.065 posts e 2.286.143 comentários, há VINTE E NOVE MENÇÕES (estão todas reunidas aqui). Dessas 29, 14 são meras referências (“Fulano disse para Miriam Leitão que…”). Em sete das vezes, elogio a jornalista. Em oito posts, contesto opiniões suas — contesto, sem ofensa. O arquivo está aí, e vocês podem fazer a pesquisa.

Eis aí. Não vou aplaudir a canalhice que fizeram com ela, não, embora, em seu texto, sem que eu jamais a tivesse ofendido, ela se refira a mim três vezes como cachorro. Leitão não é, infelizmente, mais tolerante do que aqueles que a agrediram na Wikipédia. Aliás, a linguagem de seus detratores é mais decorosa do que a que ela empregou contra mim. E observem que Miriam me considera o responsável pela agressão que Suzana e ela própria praticam contra mim. Ou por outra: a jornalista está dizendo que sei por que estou apanhando. O fato, no entanto, de ela e seus detratores se irmanarem nos métodos não torna justo o que fizeram com ela, especialmente porque se usou um aparelho público para fazer o serviço sujo.

Ainda voltarei a esse tema, sim. Escrevi ontem o que considero um dos melhores textos dos que produzi para a Folha. Trato de duas categorias de ladrões: os de dinheiro público e os de instituições. Ambas fazem um mal imenso ao Brasil, mas os ladrões de instituições conseguem ser ainda piores.

Uma coisa é a gente ser duro no debate, e eu sou; dizer com clareza o que pensa, e eu digo; não ser ambíguo, e eu nunca sou. Outra, muito distinta, é querer eliminar o adversário da peleja como se fosse inimigo, atribuindo-lhe o que não pensa ou não fez ou expropriando-o até de sua humana condição. Miriam Leitão conhece os dois lados: como agressora e como agredida. Com uma, eu me solidarizo — não por ela, que não precisa de mim, mas em nome de um princípio. A outra, eu apenas lastimo. Deve ser bem chato ser vítima de um método do qual a gente próprio é usuário, não é mesmo?

Mas nunca é tarde para aprender, nem que seja com aqueles que detestamos ou que nos detestam.

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