Entrevista do desembargador à BBC Brasil gerou reação entre
membros do Ministério Público
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Após manifestar repúdio às declarações dadas pelo desembargador
Siro Darlan à BBC Brasil, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP)
decidiu por unanimidade levar o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
"para que sejam tomas as providências cabíveis".
Em entrevista publicada na última segunda-feira, Darlan
criticou a superlotação das prisões brasileiras e disse que "o MP é
eficiente na repressão do povo pobre, do povo negro".
O desembargador, que concedeu habeas corpus a 23 ativistas
investigados pela polícia por envolvimento com atos violentos em protestos,
disse ainda que o MP "é uma inutilidade", "muito eficiente
quando lhe interessa".
Em nota publicada na noite da quarta-feira, Darlan disse que
"em nenhum momento" afrontou o MP, "onde militam ilustres
profissionais democratas e fiéis defensores dos princípios republicanos".
No texto, ele clama pelo "direito de manifestar livremente [suas]
opiniões".
A decisão contra Darlan aconteceu na sessão ordinária do
CNMP, na última terça-feira, em Brasilia. Segundo o presidente da entidade, o
procurador-geral da República Rodrigo Janot, o encaminhamento ao CNJ deve
acontecer após a aprovação da ata da reunião, até o próximo dia 18.
Procurados pela reportagem, representantes do CNJ informaram
que as penalidades previstas neste tipo de situação vão desde advertência até
aposentadoria compulsória do magistrado. "Mas não podemos comentar sobre
este caso específico", disseram os porta-vozes.
Esclarecimento
Darlan comentou a repercussão da entrevista e justificou o
uso do termo "inutilidade".
"A entrevista que dei por telefone para a BBC Brasil
tratava da questão do enclausuramento excessivo no Brasil, fato público que tem
sido motivo de preocupação do Conselho Nacional de Justiça, dos Tribunais e
também dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos", diz a nota do
desembargador.
No texto, ele explica que "diante da falta de aplicação
da Lei de Execuções Penais, em vigor desde 17 de julho de 1984, e a ausência de
ações necessárias e pertinentes do Ministério Público, fiscal da lei e também
do sistema penitenciário, afirmei ser uma inutilidade".
Durante a reunião do CNMP, Rodrigo Janot classificou
"sem fundamento e irresponsáveis" as críticas do desembargador.
"Isto aqui não é um órgão corporativo, nós não somos um
sindicato de categoria e por isso me sinto à vontade de repelir esse tipo de
agressão gratuita", disse o presidente do conselho do MP na reunião.
"Este é mais um episódio da série 'morro e não vejo tudo'".
Na ocasião, a AMPERJ (Associação do Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro) também divulgou nota de repúdio.
Após a aprovação unânime, o CNMP decidiu enviar cópia da ata
da sessão e da entrevista realizada pela BBC Brasil para o Corregedor Nacional
de Justiça, no CNJ.
Leia abaixo as notas de Siro Darlan e da AMPERJ na íntegra:
NOTA DE ESCLARECIMENTO - Desembargador Siro Darlan
A entrevista que dei por telefone para BBC Brasil tratava da
questão do enclausuramento excessivo no Brasil, fato público que tem sido
motivo de preocupação do Conselho Nacional de Justiça, dos Tribunais e também
dos Tribunais Internacionais de Direitos Humanos.
Nesse contexto, onde é público e notório a existência de
maus tratos, torturas e mortes no sistema penitenciário nacional, assim como
violência e corrupção contra presos e seus familiares, pessoas humildes e
inocentes que são submetidas a vexatórias revistas íntimas para exercerem o
direito de visitar seus parentes presos. Diante da falta de aplicação da Lei de
Execuções Penais, em vigor desde 17 de julho de 1984 e a ausência de ações
necessárias e pertinentes do Ministério Público, fiscal da lei e também do
sistema penitenciário, afirmei ser uma inutilidade.
No caso das unidades de aplicação das medidas sócio
educativas no Rio de Janeiro, embora a lei dite expressamente que só cabe
medida de internação em casos em que houve grave ameaça ou violência a pessoa,
permanece superlotada por atos análogos ao tráfico de drogas, e pior, muitas
são as mortes de adolescentes sem a apuração devida.
De certo que tal afirmação foi pontual e não se dirigiu à
instituição, pilar de qualquer democracia e necessária para garantia do estado
democrático de direito, além de imprescindível na defesa da sociedade.
De sorte que diante do fracasso do sistema penitenciário,
que se atribui também a pouca operosidade e ao descaso das administrações dos
tribunais no fortalecimento e aparelhamento adequado das Varas de Execuções
Penais, a melhor resposta seria mostrar sua eficácia apontando os caminhos de
solução dessas mazelas que transformam pessoas constitucionalmente protegidas
pelo princípio da dignidade humana em homens e mulheres habituados à violência
como reação ao processo de indignidade que recebem do estado brasileiro.
Diante disso, venho esclarecer que em nenhum momento afronte
a instituição do Ministério Público, onde militam ilustres profissionais
democratas e fiéis defensores dos princípios republicanos, mas, assim como
assumo a responsabilidade da falta de zelo de uma parcela do judiciário no
aperfeiçoamento do cuidado com o respeito aos direitos de crianças e
adolescentes e pela falta de fiscalização adequada e necessária no sistema
penitenciário, sinto-me no dever de buscar o aperfeiçoamento e o direito de
manifestar livremente minhas opiniões.
Siro Darlan de Oliveira
Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
NOTA DE REPÚDIO - AMPERJ
Em razão da entrevista com o Sr. Siro Darlan, publicada
ontem no site da BBC Brasil, a Associação do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro - AMPERJ vem apresentar seu total REPÚDIO ao conteúdo das
pesadas críticas lançadas contra o Ministério Público.
O entrevistado, ao ser indagado sobre ferramentas de
investigação criminal, se referiu ao Ministério Público como uma
"inutilidade", chegando também a afirmar que a Instituição "...é
muito eficiente quando lhe interessa", porque somente é eficiente na
prisão de pessoas negras e pobres, além de imputar-lhe omissão e
responsabilidade pela superpopulação carcerária e pela política de combate ao
tráfico de drogas.
O Ministério Público, além de diuturnamente promover a
defesa da sociedade no combate à criminalidade, que tanto assola a população
brasileira, levando a julgamento os autores de crimes de tráfico de drogas - e
outros ainda mais graves decorrentes dessa atividade ilícita -, luta contra a
superpopulação carcerária, seja nas constantes inspeções e controles que
realiza, seja através das inúmeras ações civis públicas ajuizadas perante o
Poder Judiciário.
A atuação do Ministério Público, sempre firme e combativa,
tem merecido o respeito e a admiração daqueles que lutam pelo respeito à ordem
jurídica vigente e ao regime democrático reinante em nosso país, como também o
imenso reconhecimento do grande destinatário de sua existência, que é a
sociedade brasileira.
E essa postura do Ministério Público, extremamente útil e
relevante, encontra resistência muitas vezes naqueles que fazem do debate o
campo para sua promoção pessoal e não para o efetivo enfrentamento da segurança
pública no nosso país.
Luciano Mattos
Presidente da Associação do Ministério Público do Estado do
Rio de Janeiro
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