Por Carlos I. S. Azambuja
“Nem todos os membros da esquerda subscrevem as palavras de
Danielle Mitterrand: “Cuba representa a síntese do que o socialismo pode
realizar” – frase que constitui a mais arrasadora condenação socialismo jamais
proferida”. (Jean-François Revel, no livro “A Grande Parada” – 2001).
Os comunistas não admitem que existem contradições no
marxismo e sim nos marxistas, que cometem falhas ao tentar colocar em vigor a
“doutrina científica”.
Uma das manifestações mais visíveis da vassalagem explícita
de todos os partidos comunistas do mundo a Stalin foi a adoção da tática das
Frentes Populares, que significava uma aliança de partidos comunistas,
socialistas e democrático-burgueses contra o fascismo, sancionada oficialmente
pelo 7º Congresso do Komintern, em julho de 1935.
Em Cuba, todavia, como o PC – então denominado Partido
Socialista Popular (PSP) – não conseguiu encontrar aliados social-democratas,
liberais ou democratas, acabou apoiando o ditador Fulgêncio batista: “O Coronel
Batista tornou-se um elemento importante da frente das forças progressistas
(...). A reação e o fascismo unem suas forças e urdem planos desesperados para
derrubar Batista” (Resolução Política do III Congresso do PSP, janeiro de
1939).
O Chile foi o único País da América Latina em que se tornou
possível uma aliança desse tipo. Ali, o PC, o PS e o Partido Radical uniram-se
sob a hegemonia deste último, possibilitando, em 1938, que Aguirre Cerda, líder
da sua ala direita, fosse um candidato à Presidência e eleito presidente. Isso
em detrimento de Marmaduque Grove, membro do PS, que havia liderado uma efêmera
República Socialista, instalada no Chile durante 12 dias, em um levante
militar, em 1932.
Mais tarde, em 1952, quando o PC e uma ala do PS finalmente
uniram de fato, o candidato de ambos, o socialista Salvador Allende, obteve
apenas 6% dos votos, só vindo a ser eleito presidente do Chile em 1970, quando
se candidatou pela terceira vez.
Algumas declarações de um dos líderes do PC argentino,
Gonzales Alberdi, ilustram os zigue-zagues da doutrina científica. Escreveu
ele, em 1933, a respeito dos presidentes dos EUA, Franklin Delano Roosevelt:
“Em Cuba, o poderoso movimento revolucionário das massas mostrou que Roosevelt
é tão imperialista quanto Hoover” (“Informaciones”, outubro de 1933).
Mais tarde, em 1938, já sob a tática de Frente Popular
ditada pelo Komintern, Gonzales Alberdi escreveria que “as tentativas
ítalo-nazistas de promover o antiimperialismo contra os ianques fracassaram. As
nações do continente compreenderam que a colaboração estreita com Roosevelt,
que não pode ser considerado um representante das forças imperialistas do
Norte, não diminui a autonomia de cada país e nem afeta a dignidade individual”
(“Orientacion”, 15 de dezembro de 1938).
Mais adiante, em 1940, depois do pacto Molotov-Ribbentrop,
Alberdi mudou de opinião mais uma vez e escreveu: “Em nome da luta contra o
nazismo, o imperialismo ianque conspira contra as liberdades públicas das
nações americanas” (“La Hora”, 14 de julho de 1940).
Após junho de 1941, no entanto, quando da invasão da Rússia
pela Alemanha, e no contexto de uma aliança entre EUA e URSS, as análises
voltaram a mudar. Então, qualquer propaganda contra o Imperialismo
norte-americano passou a ser duramente criticada pelos partidos comunistas como
“uma manobra a serviço do fascismo” e os críticos passaram a ser tachados de
Trotskistas. “La Voz de México”, de 13 de maio de 1945, por exemplo, criticou a
“demagogia antiimperialista dos trotskistas” e assinalou que “o esmagamento dos
répteis trotskistas deve ser uma tarefa dos antifascistas”.
Desde essa época, denunciados como “provocadores” e “agentes
do fascismo” pelos partidos comunistas, empurrados para as margens do movimento
operário e internamente divididos em tendências e frações por lutas internas,
os trotskistas ficaram e permanecem, até hoje, reduzidos a seitas compostas, em
sua maioria, por intelectuais.
Em Cuba, embora Fulgêncio Batista tenha assumido o governo
pela segunda vez, em 1952, por um golpe militar, o Partido Socialista Popular
foi mantido na legalidade e seu diário, “Hoy”, continuou a sair. O ataque ao
Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953, do qual participou Fidel Castro, foi
denunciado pelo PSP como “uma tentativa golpista, uma forma desesperada de
aventureirismo típico dos círculos pequeno-burgueses sem princípios e
envolvidos em gangsterismo” (“Carta do Comitê Executivo do PSP aos Militantes,
30 de agosto de 1953).
Apenas seis meses após o desembarque em Cuba, em 1956, dos
integrantes do Movimento 26 de Julho, sob liderança de Fidel Castro, a direção
do PSP voltou a manifestar-se: “É importante reafirmar que hoje, assim como
ontem, rejeitamos e condenamos, e continueremos a rejeitar e condenar métodos
terroristas e golpistas como ineficazes, prejudiciais e contrários aos
interesses do povo” (revista “Fundamentos”, julho de 1957).
Somente em 1958, alguns líderes militantes do PSP se
integrariam ao Movimento de 26 de Julho, contribuindo para o triunfo da
guerrilha em 1959. Todavia, Blas Roca, Secretário-geral do PSP, em 1960, após a
guerrilha ter tomado o poder, ainda escrevia: “Dentro dos limites a serem
estabelecidos, é necessário garantir os lucros das empresas privadas, e seu
funcionamento e desenvolvimento normais” (“Balanço do Trabalho do Partido desde
a última Assembleia Nacional e o Desenvolvimento da Revolução”, Havana, 1960.
Wladimiro Roca, filho de Blas Roca, é, hoje, um dissidente do regime cubano.
Após a morte de Stalin, em 1953, e o famoso discurso de
Kruschev, em fevereiro de 1956, no XX Congresso do PCUS, denunciando os crimes
de Stalin, foi inaugurada uma nova era para o comunismo na América Latina.
Seguindo, como sempre, a orientação do PC soviético, que passou a defender uma
política de coexistência pacífica, os partidos comunistas latino-americanos
passaram a apoiar governos capitalistas considerados progressistas, como os de
Juscelino Kubitschek e João Goulart, no Brasil.
Logo, o Partido Comunista Brasileiro buscou um fundamento
teórico para essa nova linha política: “A contradição entre o proletariado e a
burguesia não exige uma solução radical na presente etapa. Nas presentes
condições do país, o desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do
proletariado e de todo o povo (...). O proletariado e a burguesia se aliam em
torno de um objetivo comum de luta por um desenvolvimento independente e
progressista contra o imperialismo norte-americano” (“Declaração Política do
Comitê Central”, Rio de Janeiro, Março de 1958).
A partir da Revolução Cubana, frente à nova tática posta em
prática pelo Movimento 26 de Julho, baseada nos escritos de Che Guevara e Regis
Debray, que generalizaram para toda a América Latina determinadas lições da
revolução Cubana – a principal delas a chamada “Teoria do Foco Guerrilheiro” -,
iniciou-se um novo período revolucionário, classificado de Castrismo ou
Fidelismo, fazendo com que os ortodoxos partidos do continente entrassem em
queda livre devido à sangria de militantes que, cada vez mais, optavam pela
luta armada imediata.
Nesse sentido, o documento conhecido como a “2ª Declaração
de havana”, em 1962, desempenhou um papel fundamental, assinalando que “o dever
de todo o revolucionário é fazer a revolução. Sabemos que a revolução será
vitoriosa na América e no mundo, mas é indigno de um revolucionário sentar-se à
porta de sua casa e esperar que passe o cadáver do Imperialismo”.
A vassalagem, no entanto, continuou, agora ao Estado cubano,
conforme relatou Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (“Clemente”), que foi o
último dos comandantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante os anos da
Luta Armada. Em seu livro “Nas Trilhas da ALN”, teceu críticas à interferência
dos cubanos na luta armada no Brasil, causadora de inúmeras mortes de
militantes” e referiu-se “às evidentes contradições entre o real e a versão
divulgada América Latina afora pelos cubanos”, assinalando que “o poder
socialista instituiu a censura, impediu a livre circulação de ideias e impôs a
versão oficial sobre a Revolução Cubana”.
Em tudo isso, não foi a monumental ignorância da doutrina
científica que esteve na origem dos erros e contradições da esquerda, mas ela
própria. Todavia, como o Partido (assim,
com inicial maiúscula) jamais erra, pois a doutrina é científica, a culpa nunca
foi creditada á linha política, mas à sua má aplicação pelos militantes.
Nenhum partido comunista do mundo fez, jamais, uma autocrítica
desses erros e dessas contradições. É como se não tivessem ocorrido...
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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