Por Carlos I. S. Azambuja
“Militares
norte-americanos avaliam que o resultado das guerras modernas depende cada vez
mais da informação e da comunicação, o que facilita a flexibilidade e tende a
incentivar organizações em rede, no lugar das hierarquias dos exércitos
tradicionais" (Francis Pisani, "A Doutrina Militar das Redes",
Le Monde Diplomatique, junho de 2002)
O dia 11 de setembro de 2001 tem um significado dramático:
nessa data foi desencadeada a primeira guerra mundial do século XXI, uma guerra
na qual, queiramos ou não, já estamos mergulhados.
Qual é essa guerra? De quem contra quem? Como se prevê que
ela vai se desenrolar? Só compreendendo em que guerra estamos, poderemos agir
sobre ela a partir de nossos diferentes valores e interesses.
E o que há de novidade neste novo terrorismo? A sua cultura,
fundada no dogma teocrático e no fundamentalismo religioso que revela um poder
de mobilização extremo e desconhecido. Poder de mobilização praticamente impossível
de ser obtido em sociedades laicas. O fundamentalismo religioso maximiza não
apenas a capacidade de matar como a predisposição para morrer. O mártir que
morre matando é uma arma poderosíssima.
Não é um choque de civilizações e nem um choque de religiões,
porque a grande maioria dos muçulmanos e a quase totalidade dos governos dos
países islâmicos se opõem ao terrorismo e, em grande medida, apostam na
integração à economia mundial e à comunidade internacional. Tampouco é um
choque entre os pobres e o capitalismo mundial, embora a exclusão social leve
ao desespero do qual se alimenta o fanatismo.
Estamos diante de uma guerra das redes fundamentalistas
islâmicas terroristas contra as instituições políticas e econômicas dos países
ricos e poderosos, em particular dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Os
confrontos armados entre Estados nacionais deram lugar a conflitos assimétricos
em que um dos lados é integrado por grupos terroristas e/ou organizações
criminosas. Outros fatores tornaram-se mais importantes que os físicos - número
de efetivos e quantidade de armamento - e não há campo de batalha definido.
Tudo pode acontecer, qualquer dia, a qualquer hora e em qualquer lugar.
Mas iludem-se os que imaginam que é suficiente uma resposta
exclusivamente militar. Não é. É preciso mais do que isso: criar riqueza,
estabilidade social e, sobretudo, restaurar o Estado e a Democracia, lá, onde
prosperam as redes terroristas. Muitos estrategistas começam a duvidar de que
somente a força física resolverá os complexos problemas de relacionamento entre
os povos. O editor de temas de segurança do The Guardian, Richard Norton
Taylor, escreveu em um artigo que dificilmente "o poder militar, sozinho,
vencerá uma guerra novamente", especialmente a chamada "guerra contra
o terror". Observem o que ocorre hoje, julho de 2014, na guerra
assimétrica entre o Poder Militar israelense e o grupo terrorista HAMAS.
Na Netwar, ganha quem tem a melhor informação, não quem tem
a maior bomba. O resultado dos conflitos depende cada vez mais da informação e
da comunicação, o que facilita a flexibilidade e tende a incentivar
organizações em rede, no lugar das hierarquias dos exércitos tradicionais.
John Arquilla, um norte-americano, ex-fuzileiro naval,
professor em uma universidade militar, calcula que no conflito atual "90%
de nossos esforços são constituídos de estratégias militares contra Estados
(state actors). Isso reflete um pensamento militar arcaico, que data da ameaça
soviética e não permite responder às necessidades de uma guerra contra uma
rede". É também uma solução fácil, explica ele: "É um pouco como se,
não sabendo o que fazer, se fizesse o que se sabe fazer. Sabemos como nos
comportar diante dos Estados-Nações, mas não sabemos bem que atitude adotar
frente às redes".
A identidade humilhada e o menosprezo cultural e religioso
dedicado ao islamismo por algumas lideranças das potências ocidentais conduzem
à resistência e à convocação à guerra santa. E essa resistência se concretiza
na oposição à existência de Israel e se alimenta falando "da
opressão" que Israel exerce sobre o povo palestino.
Portanto, o xis da questão está nessa identidade islâmica
(não árabe) exacerbada e no projeto de defesa/imposição desses valores em todo
o mundo, a começar pelos países muçulmanos. Essas redes de terror se alimentam
também da frustração de setores (ou governos?) de alguns países muçulmanos,
humilhados pelo que imaginam ou sentem ser o neocolonialismo dos países
ocidentais. É possível, também, que as redes terroristas de origem distinta, incluindo
setores da economia criminosa, possam encontrar formas táticas de cooperação
com as redes islâmicas.
Resumindo, de um lado estão os EUA, a União Européia e todos
os países que, de uma forma ou de outra, participam do sistema econômico e
tecnológico dominante, incluindo a Rússia (que também se confronta com redes
islâmicas, partindo da Chechênia), o Japão, a China e a Índia.
Do outro lado, há um núcleo duro e irredutível de redes
terroristas do fundamentalismo islâmico, com possíveis cumplicidades de alguns
governos, com alianças táticas com outras redes terroristas e desfrutando da
simpatia difusa de setores das populações dos países muçulmanos e até de grupos
de pessoas e de alguns dirigentes dos países citados no parágrafo anterior.
Essas redes diversificadas procuram impor seus objetivos
utilizando as únicas armas eficazes, dada sua situação de inferioridade
tecnológica e militar: o terrorismo de geometria variável, abrangendo desde o
atentado individual até as matanças maciças, passando pela desorganização da
complexa infra-estrutura material em que se baseia nossa vida diária, e
contando com a transformação de pessoas em munição inteligente, mediante a
prática generalizada da imolação.
Nesse sentido, o governo dos EUA iniciou, com o apoio de
seus aliados, a mais difícil das guerras: a guerra contra uma rede global capaz
de rearticular-se constantemente e de acrescentar novos elementos conforme
outros vão sendo destruídos, porque se alimenta do fanatismo e do desespero
social de milhões de muçulmanos.
Essa guerra não será parecida com a do Golfo. Até a morte e
o sofrimento serão diferentes. Será uma guerra cruel, prolongada, insidiosa,
que chegará a todos os cantos com múltiplas reações violentas dessas redes
multiformes e bem equipadas, que sabem o que estão provocando e estão
preparadas para enfrentá-las, sem excluir a possibilidade de armas químicas e
bacteriológicas.
As redes humanas são bem diferentes das redes eletrônicas.
Elas não são a Internet. São conexões políticas e emocionais entre pessoas que
devem confiar umas nas outras para a rede funcionar. No caso das redes
terroristas, as pessoas estão ligadas por laços familiares, casamento,
princípios comuns, bem como interesses e objetivos. Mesmo que os terroristas
estejam dispersos, eles sabem o que fazer. Não têm necessidade de uma liderança
central.
Mas como se ataca uma rede? Falando em termos assépticos e
com base em pesquisas sobre esses temas, parece necessário distinguir entre
três processos. O primeiro é a desarticulação da rede. O segundo consiste em
impedir que ela se reconfigure. O terceiro é evitar sua reprodução.
É sobre esse terceiro nível que versa a maioria das
discussões bem intencionadas: é preciso estabilizar o mundo mediante a inclusão
no desenvolvimento daqueles que hoje estão excluídos dele, é preciso praticar a
tolerância multicultural, é preciso forçar Israel a aceitar um Estado palestino
e vice-versa, e impor a judeus e palestinos a convivência mútua. Isso é
difícil, mas não impossível. Há que tentar.
A primeira tarefa, na qual os governos ocidentais estão
engajados agora, é a de vencer esta guerra, começando com a desarticulação da
rede. Isso requer, por um lado, a identificação e eliminação de seus núcleos
estratégicos, nos quais reside a capacidade de coordenação e tomada de
decisões. Vem daí a intenção de destruir as bases operativas no Afeganistão, no
Iraque, na Síria, no Líbano, na Líbia, no Iraque e em outros lugares ainda não
determinados. Também nesse contexto foi importante a morte de Bin Laden, tanto
por sua importância carismática de profeta do movimento como pelo valor
simbólico de sua eliminação. Mas está ficando demonstrado que isso não é fácil!
O ponto fraco dos norte-americanos é a baixa qualidade das
informações de que dispõem, conseqüência da queda no nível de seus serviços de
Inteligência nos últimos tempos. Mas eles esperam compensá-la com a ajuda
israelense, saudita, e, sobretudo, com a colaboração dos paquistaneses que
sabem o que acontece no Afeganistão. Daí o papel decisivo que o Paquistão
desempenha como aliado dos americanos.
A guerra do Afeganistão é apenas um elemento, embora
importante, nessa fase de desarticulação das redes. Ao mesmo tempo, ações
pontuais e imprevisíveis na Palestina, no Líbano, possivelmente na Líbia, no
Egito e a invasão do Iraque pretendiam neutralizar, destruir e desorganizar os
pontos de conexão identificados. Mas parece que isso não aconteceu.
A segunda fase seria evitar que grupos e agentes-chaves se
transfiram ou reorganizem suas atividades com novos membros. O que conta aqui
são três tarefas: detectar e interceptar os fluxos financeiros; interceptar as
comunicações eletrônicas nas quais se baseiam os contatos globais; e enfrentar
as novas ações de terrorismo com que as redes vão responder à luta.
A guerra contra essas redes vem sendo conduzida por um grupo
de Estados e suas respectivas Forças Armadas, numa geometria complexa de
alianças e interesses na qual os governos têm que lidar com a dupla dependência
de sua lealdade à rede de defesa conjunta e das diferentes sensibilidades de
suas diversas opiniões públicas. E as alianças vão variar na medida em que em
alguns países, especialmente em países muçulmanos, ocorrerem reações populares
contra o terrorismo.
A esperança de sobrevivência daquilo que hoje é a nossa
sociedade é que, durante o processo de destruição das redes de terror, sejam
assentadas as bases sociais, econômicas, culturais e institucionais necessárias
para evitar que elas se reproduzam.
O certo é que, em curto e médio prazos, o mundo estará em
guerra contra o terrorismo.
Fonte: Alerta Total
_________________
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Dados Bibliográficos:
"A Doutrina Militar das Redes", Francis Pisani, Le
Monde Diplomatique, junho de 2002;
"A Guerra das Redes", Manuel Castells
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