Por Elio Gaspari
A diplomacia chinesa tem obsessão pelo ritual, e a do
comissariado gosta de brincar com eventos. Durante a ida do presidente Xi
Jinping ao Congresso, juntaram-se os dois num episódio constrangedor. Xi
falaria na quinta-feira, mas temeu-se que não houvesse plateia e antecipou-se o
evento para a quarta. Metade das poltronas ficaram vazias. Esse foi o problema
de forma, mas haveria também o de conteúdo.
Esperar um discurso claro ou informativo de um dirigente
chinês é ilusão democrática. Xi repetiu palavras simpáticas, até o momento em
que, cripticamente, entrou na questão do controle da internet:
"Não há espaço para duplo critério na área de
informática, onde todos os países têm o direito de defender a sua própria
segurança informática. Não é aceitável que um ou alguns países fiquem seguros e
outros não, para já não dizer obter a chamada segurança absoluta de um país à
custa da segurança dos outros."
"Hoje em dia, o desenvolvimento da internet traz novos
desafios para a defesa da soberania e interesses do desenvolvimento. Todos os
países têm o direito de se defender. A comunidade internacional deve atuar com
base nos princípios de respeito e confiança mútua, e estabelecer um sistema
multilateral, democrático e transparente de administração sobre a
internet."
À primeira vista, o presidente chinês condenou a espionagem
do companheiro Obama. Lendo-se de novo, vê-se que defendeu a sua. Serão
necessários mais 20 séculos para saber o que a China entende como "sistema
multilateral, democrático e transparente de administração" da internet.
Por enquanto, a China é um modelo futurista de censura e
espionagem na rede. Estima-se que sua polícia cibernética tenha um exército de
dois milhões de pessoas. Bloqueiam palavras e sites, multam e prendem quem sai
da linha. Um texto repassado mais de 500 vezes e lido por mais de 5.000 pessoas
pode custar até três anos de prisão. A astúcia com que a China expandiu sua
rede, tornando-a a maior do mundo ao mesmo tempo em que conseguiu controlá-la,
é um exemplo da competência tecnológica. O companheiro Xi acha que esse modelo
é bom para o seu país. Tudo bem, mas não devia tentar exportá-lo com
raciocínios empulhadores.
Exposta, a espionagem eletrônica americana é discutida em
todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos. Já a chinesa está protegida pela
ditadura de vitrine que governa o país. Cinco comandantes militares chineses
foram denunciados pelo governo dos Estados Unidos por atividades de espionagem
eletrônica. Não vai dar em nada, mas foram identificados.
Os discursos de chefes de Estado em visitas oficiais ao Brasil
são negociados durante a preparação das cerimônias. O Itamaraty poderia ter
sugerido ao companheiro Xi que tirasse as referências à internet de seu
discurso no Congresso. Não se trataria de censura, mas apenas de boas maneiras.
Viagens presidenciais envolvem cuidados, e os chineses
cuidam de sua parte, mas a diplomacia brasileira não cuida da sua. Em 2004,
quando o presidente Hu Jintao veio ao Brasil, disse que em seis anos esperava
aumentar o comércio do seu país com a América Latina para US$ 100 bilhões
anuais. O tradutor terceirizado trocou comércio por investimento. Todos os
embaixadores e cônsules chineses no Brasil falam português. Nenhum dos
brasileiros fala mandarim. Em 2011, a doutora Dilma foi ao Império do Meio, e
sua comitiva anunciou um investimento de US$ 12 bilhões da empresa Foxconn. Era
lorota. Na volta, ela trouxe apenas uma gripe.
DILMÊS
No que se refere à ligeireza e à confusão das falas da
doutora Dilma, ela deu uma boa amostra quando tratou da derrubada do jato da
Malaysia Airlines:
"Acho prudente a gente tomar cuidado porque, ao mesmo
tempo, tem um segmento da imprensa que diz que este avião que foi derrubado
estava na rota da volta do presidente Putin, que coincidiu a hora."
Ganha uma viagem a Kiev quem souber o que é "um
segmento da imprensa".
De qualquer forma, logo se soube que, mais ou menos à mesma
hora do comentário de Dilma, Vladimir Putin tratou do assunto e não mencionou a
suspeita. A doutora poderia verificar qual foi o segmento de sua assessoria que
sugeriu a fala imprudente.
TÁXI DO POVO
Para quem quer saber mais sobre o delicado quebra-cabeça da
política interna chinesa e não tem paciência para ler sobre Confúcio, Mao
Tse-tung ou até mesmo Deng Xiaoping, há um bom livro na rede. É "The New
Emperors", de Kerry Brown, professor da Universidade de Sydney. Sai por
US$ 15,12.
Nele aprende-se que Xi Jinping tenta popularizar-se deixando
circular a história de que um dia tomou um táxi.
Fonte: DefesaNet
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