Por Josias de Souza
Embaixador do
Brasil em Caracas, Ruy Pereira se absteve de acompanhar a comitiva de oito
senadores que foi hostilizada na Venezuela nesta quinta-feira (18). Após
recepcionar os visitantes no aeroporto, o diplomata se despediu. Alegou que
tinha outros compromissos. Agiu assim por ordem do Itamaraty.
O governo
brasileiro avaliou que a participação direta do embaixador numa comitiva cujo
principal objetivo era visitar na prisão o líder oposicionista venezuelano
Leopoldo Lópes causaria problemas diplomáticos com o governo pós-chavista de
Nicolás Maduro. Algo que Dilma Rousseff não quer que ocorra.
“O embaixador nos
virou as costas”, disse ao blog o líder do PSDB no Senado,
Cássio Cunha Lima (PB), após desembarcar na Base Aérea de Brasília na madrugada
desta sexta-feira (19). Vinha de uma missão paradoxal, que teve sucesso porque fracassou.
Destratados por
manifestantes leais a Maduro e retidos nos arredores do aeroporto por um
bloqueio das vias públicas, os senadores retornaram a Brasília sem cumprir a
agenda que haviam programado. A frustração virou êxito porque o governo de
Caracas revelou-se capaz de tudo, menos de exibir seus pendores democráticos.
“Entre a
cumplicidade com o regime ditatorial de Maduro e a assistência a cidadãos
brasileiros em apuros, a nossa diplomacia preferiu o papel de cúmplice”,
queixou-se o tucano Cunha Lima. “O que aconteceu ficou acima das piores
expectativas”, ecoou o também tucano Aécio Neves (MG). “Uma missão oficial do
Senado foi duramente agredida e o governo brasileiro nada fez para nos
defender.”
Horas antes do
desembarque dos senadores na Base Aérea de Brasília, ainda na noite de quinta-feira
(18), um grupo de deputados estivera no Itamaraty para conversar com o ministro
Mauro Vieira (Relações Exteriores). Enquanto aguardavam pelo início da
audiência, o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) acionou o viva-voz do celular para
que os colegas ouvissem um relato direto de Caracas.
Do outro lado da
linha, o senador Ricardo Ferraço contou o que sucedera. E realçou a ausência de
Ruy Pereira, o embaixador brasileiro em Caracas. Assim, armados de informações
recebidas do front, os deputados entraram no gabinete do chanceler Mauro Vieira
dispostos a crivá-lo de perguntas incômodas.
O deputado Antonio
Imbassahy (PSDB-BA) indagou: por que o embaixador recebeu a comitiva de
senadores no aeroporto e foi embora? O ministro alegou que o diplomata não
poderia acompanhar os visitantes numa incursão ao presídio onde se encontra o
oposicionista Leopoldo Lópes. Sob pena de provocar um incidente diplomático.
Raul Jungmann foi
ao ponto: de quem partiu a ordem? O chanceler informou que o embaixador seguiu
orientação do Itamaraty. Jungmann insistiu: então, ministro, o senhor está
declarando que o governo brasileiro deu a ordem para que o embaixador se
ausentasse? O ministro respondeu afirmativamente.
Pouco depois desse
encontro, o Itamaraty soltaria uma nota oficial sobre o fuzuê de Caracas. Em telefonema
para Dilma, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cobrara uma
manifestação formal de repúdio do Executivo. O texto anota que “o governo
brasileiro lamenta os incidentes que afetaram a visita à Venezuela da Comissão
Externa do Senado e prejudicaram o cumprimento da programação prevista naquele
país.”
Não há na nota nada
que se pareça com uma crítica ao governo de Nicolás Maduro. “São inaceitáveis
atos hostis de manifestantes contra parlamentares brasileiros'', escreveu o
Itamaraty, como se desse crédito à versão segundo a qual os militantes que
cercaram a van que transportava os senadores brasileiros brotaram na hora e no
local exatos sem nenhuma interferência do governo venezuelano.
Como que farejando
a repercussão negativa da ausência do embaixador na hora da encrenca, o
Itamaraty enumerou os serviços prestados pela embaixada brasileira em Caracas.
“Solicitou e recebeu do governo venezuelano a garantia de custódia policial
para a delegação durante sua estada no país, o que foi feito'', diz a nota. “Os
policiais, embora armados, assemelhavam-se a agentes de trânsito do Brasil”,
comparou o tucano Cunha Lima. “Nada fizeram para conter as hostilidades. Se a coisa
descambasse, não creio que impediriam o pior.”
“O embaixador do
Brasil na Venezuela recebeu a comissão na sua chegada ao aeroporto”,
acrescentou o Itamaraty em sua nota. E Cunha Lima: “Sim, recebeu, mas virou as
costas e foi embora”.
“Os senadores e demais
integrantes da delegação embarcaram em veículo proporcionado pela Embaixada,
enquanto o embaixador seguiu em seu próprio automóvel de retorno à embaixada.
Ambos os veículos ficaram retidos no caminho devido a um grande
congestionamento”. Se o embaixador ficou retido, ninguém soube. Impedidos de
prosseguir, os senadores viram-se compelidos a retornar para o aeroporto. O
diplomata Ruy Pereira não deu as caras.
O texto do
Itamaraty compra como verdadeira uma informação contestada pela venezuelana
María Corina Machado, deputada cassada por divergir de Maduro. O bloqueio foi
“ocasionado pela transferência a Caracas, no mesmo momento, de cidadão
venezuelano extraditado pelo governo colombiano”, sustentou o documento da
chancelaria brasileira.
E María Corina, no
Twitter: “Está totalmente trancada a autopista porque ‘estão limpando os
túneis’ e por ‘protestos’. Se o regime acreditava que trancando as vias
impediria que os senadores constatassem a situação de direitos humanos na
Venezuela, conseguiu o contrário. Em menos de três horas, os senadores
brasileiros descobriram o que é viver na ditadura hoje na Venezuela.''
“O incidente foi
seguido pelo Itamaraty por intermédio do embaixador do Brasil, que todo o tempo
se manteve em contato telefônico com os senadores”, acrescentou a nota oficial.
“O embaixador ficou nos tapeando pelo telefone”, contestou Cunha Lima. Recebeu
orientação do Itamaraty para fazer isso.”
Ainda de acordo com
a nota do Itamaraty, o embaixador Ruy Pereira “retornou ao aeroporto e os
despediu [sic] na partida de Caracas.'' Na versão de Cunha Lima, o retorno do
diplomata serviu apenas para reforçar a pantomima. “Ele dizia que estava muito
distante. Quando decidimos partir, apareceu em menos de cinco minutos. Eu me
recusei a cumprimentá-lo. O senador Ricardo Ferraço também não o cumprimentou.
“À luz das
tradicionais relações de amizade entre os dois países, o governo brasileiro
solicitará ao governo venezuelano, pelos canais diplomáticos, os devidos
esclarecimentos sobre o ocorrido”, encerrou a nota do Itamaraty. Para os
congressistas, quem deve explicações no momento é o governo brasileiro.
O deputado Raul
Jungmann formalizará na Câmara pedido de convocação do chanceler Mauro Vieira e
do embaixador Ruy Pereira para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara.
Cunha Lima requisitará a presença da dupla na Comissão de Relações Exteriores
do Senado. De resto, os parlamentares se reunirão nesta sexta-feria, na
liderança do PSDB no Senado, para decidir as providências que serão adotadas em
reação aos episódios de Caracas. Uma delas é cobrar do governo Dilma que
coloque em prática a cláusula democrática prevista no tratado do Mercosul.
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