Dois dias depois da reeleição de Dilma Rousseff, a Câmara
dos Deputados, por ampla maioria — foi realizada em votação simbólica, com
encaminhamento de lideranças — derrubou o decreto 8.243, o dos Conselhos
Populares. Acompanhei a sessão. Voltarei ao assunto com mais detalhes. O PT, o
PSOL, o PCdoB e o PROS tentaram desesperadamente obstruir a votação do Decreto
Legislativo 1.491, que derruba o de Dilma. Não conseguiram.
Por mais que os governistas, alguns com discursos
lastimáveis, tenham afirmado que não se trata de uma derrota de Dilma, a
verdade evidente é que se trata, sim. Ela perdeu, e a democracia ganhou.
Não custa lembrar trechos do monstrengo dilmiano. O Artigo
1º do decreto estabelece: “Fica instituída a Política Nacional de Participação
Social – PNPS, com o objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias
democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública
federal e a sociedade civil”. Sei… O Inciso II do Artigo 3º sustenta ainda que
uma das diretrizes do PNPS é a “complementariedade, transversalidade e
integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa,
participativa e direta”.
Certo! Então os conselhos seriam uma forma de democracia
direta, né? Só que é a democracia direta que se realiza à socapa, sem que
ninguém saiba. Ou o “cidadão” decide fazer parte de algum “coletivo” ou
“movimento social” ou não vai participar de coisa nenhuma. O texto tem o topete
de definir o que é sociedade civil logo no Inciso I do Artigo 2º: “o cidadão,
os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados,
suas redes e suas organizações”. Ou por outra: é sociedade civil tudo aquilo
que o poder decidir que é; e não é o que ele decidir que não é.
Fim da propriedade privada
Como observei numa coluna na Folha, O “indivíduo” só aparece
no decreto para que possa ser rebaixado diante dos “coletivos” e dos
“movimentos sociais institucionalizados” e “não institucionalizados”, seja lá o
que signifiquem uma coisa, a outra e o seu contrário. Poucos perceberam que o
decreto institui uma “justiça paralela” por intermédio da “mesa de diálogo”,
assim definida: “mecanismo de debate e de negociação com a participação dos
setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de
prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais”.
Ai, ai, ai… Como a Soberana já definiu o que é sociedade
civil, poderíamos esperar na composição dessa mesa o “indivíduo” e os
movimentos “institucionalizados” e “não institucionalizados”. Se a sua
propriedade for invadida por um “coletivo”, por exemplo, você poderá participar,
apenas como uma das partes, de uma “mesa de negociação” com os invasores e com
aqueles outros “entes”. Antes que o juiz restabeleça o seu direito, garantido
em lei, será preciso formar a tal “mesa”…
Isso tem história. No dia 19 de fevereiro, o ministro
Gilberto Carvalho participou de um seminário sobre mediação de conflitos. Com
todas as letras, atacou a Justiça por conceder liminares de reintegração de
posse e censurou o estado brasileiro por cultivar o que chamou de “uma
mentalidade que se posiciona claramente contra tudo aquilo que é insurgência”.
Ou por outra: a insurgência lhe é bem-vinda. Parece que ele tem a ambição de
manipulá-la como insuflador e como autoridade.
Vocês se lembram do “Programa Nacional-Socialista” dos
Direitos Humanos, de dezembro de 2009? É aquele que, entre outros mimos,
propunha mecanismos de censura à imprensa. Qual era o Objetivo Estratégico VI?
Reproduzo trecho:
“a- Assegurar a criação de marco legal para a prevenção e mediação
de conflitos fundiários urbanos, garantindo o devido processo legal e a função
social da propriedade.
(…)
d- Propor projeto de lei para institucionalizar a utilização
da mediação como ato inicial das demandas de conflitos agrários e urbanos,
priorizando a realização de audiência coletiva com os envolvidos (…) como
medida preliminar à avaliação da concessão de medidas liminares (…)”
Dilma voltou à carga, resolveu dar uma banana para o
Congresso e, em vez de projeto de lei, que pode ser emendado pelos
parlamentares, mandou logo um decreto, que não pode ser emendado por ninguém.
Quebrou a cara. E olhem que isso aconteceu com a atual
composição da Câmara. A da próxima legislatura é ainda mais inóspita ao
governo. A democracia respira, sim, senhores! Se Dilma quer brincar com essas
coisas, que vá para Caracas.
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