Por Vlady Oliver
Há quase trinta anos me lembro de ter chorado diante do
monitor de tevê. Antonio Britto acabava de anunciar a morte do Dr. Tancredo
Neves. Recebi aquela notícia num misto de desesperança e abandono cívico.
Muitos não entendiam a extensão de minha tristeza. Era como se o país
pretendido e desenhado por ele fugisse das mãos, esvaindo-se entre os dedos.
Lembro-me, depois das primeiras manifestações de todo o entorno político da
época, de ter perguntado à minha mãe: “Está vendo este quase garoto aqui?”
Disse isso apontando para o discursante efusivo e emocionado na telinha. “Pois
guarde bem este nome que um dia ele será o presidente do Brasil. Referia-me a
Aécio Neves.
Pois bem; o tempo passou. Com ele se foram as presidências,
vieram Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma; morreram o cruzeiro, o
cruzado, Ulysses, Teotônio, Covas, Guel Arraes e o próprio Britto. Nasceram o
Plano Real e as lideranças populistas. Morreram também a decência e a dignidade
de um país que prometia mais que o rombudismo em que ora vivemos. Morreram a
oposição, os opositores e o discurso oposicionista. Nem sei mais dizer por que,
naquele arroubo de emoção e tristeza, via naquele político ainda tão jovem e
longe da trajetória de um grande estadista as características necessárias para
presidir um país tão distante como aquele que ainda amávamos e conhecíamos.
Pois é. Hoje, ao ligar a tevê tantos anos depois, eu me
deparo com a morte súbita e trágica de Eduardo Campos. E volto a sentir aquela
mesma sensação de abandono e desesperança que tive, trinta anos atrás. Nem era
seu eleitor, mas me pergunto: por que o Brasil é assim, fadado a naufragar
sempre que a república insiste em prevalecer? Por que perde seus líderes e
representantes tão antes do tempo? Muitos verão uma conspiração por trás dessas
mortes. Também vejo, mas é de outra origem e substância. Ninguém abateu o avião
de Campos, assim como ninguém matou Tancredo Neves. Eles morreram de um misto
de improvisação, indolência, falta de planejamento e gestão de crises que os
invadiu e que assola o país desde que me conheço por gente. Eles morreram de
Brasil.
Se é que isto serve de consolo para as famílias enlutadas em
trajetórias diferentes, em épocas diferentes, mas que deixam aqui na gente o
mesmo gosto amargo da impotência. Por que se foram? Sabe-se lá os desígnios que
escrevem esta história e o que nos reservam seus capítulos mais intensos e
pujantes. O fato é que o país, mais uma vez, perdeu um homem que não merecia
morrer tão cedo, simplesmente porque ninguém merece morrer tão cedo, vítima de
sua própria labuta e do gigantismo de seus atos. É uma perda e tanto. Que o
país saiba se recompor. Que a oposição encontre finalmente uma luz para que se
imponha como a vontade dos bons e dos honestos, tão vilipendiados por aqui. Que
a crise seja a oportunidade. E que sigamos em frente, sem dúvida. Ele gostaria
disso.
Fonte: Augusto Nunes - VEJA
Nenhum comentário:
Postar um comentário