Por Paulo Brossard - Zero Hora
Uma revisão da lei de anistia se assemelharia a uma anistia
retroativa a deparar com o vácuo
Confesso estar impressionado, e não é de hoje, com o que me
parece uma espécie de esquecimento quanto ao que foi feito, progressivamente,
em matéria das instituições nacionais, estaduais e também municipais.
Dirigentes partidários, administradores de mérito, parlamentares de variado
prestígio, pela lei da morte ou não, foram se extinguindo sem renovação. Hoje é
difícil saber quais e quantos são os ministros, e se faz necessário divulgar o
respectivo curriculum vitae para saber-se de quem se trata. E o mesmo se pode
dizer das representações parlamentares. Não se sabe donde vem, nem para onde
vão.
É claro que para explicar um fenômeno haverá uma pluralidade
de causas, mas, para mim, uma das maiores reside no período de governo absoluto
servido por uma censura absoluta. Tudo poderia ser feito e tudo veio a ser
feito, sem que notícia deles chegasse sequer a uma parcela mínima da
comunidade. O segredo era total. Basta dizer que durante o tempo em que estive
próximo aos acontecimentos, nunca chegou ao meu conhecimento algum dado
concreto relativo a uma atrocidade, que me tivesse sido revelado, por exemplo.
De outro lado, por incrível que possa parecer, ninguém estranhou que a
“Constituição” ostentava a declaração dos direitos e garantias individuais, que
eram excluídos pelo AI-5; em outros tempos, em casos semelhantes, não faltaram
manifestações de entidades docentes ou culturais, que naquela época fora
omissas.
A certa altura, a oposição passou a defender a anistia _
“ampla, geral e irrestrita”, e como falasse em “anistia recípocra” o governo,
irritado, proclamou que os vencedores não precisavam de perdão. Certo dia,
porém, a “bomba do Riocentro” estilhaçou os segredos e num dado momento o
governo percebeu que a ele também interessava a anistia e, mediante transigências
ela foi aprovada; posso dizer que sem elas, então, a anistia não seria
decretada. Não foi a anistia que eu queria, mas foi a possível e que, Deus
louvado, sem exagero, mudou a face do Brasil. A anistia decretada pela Lei
6.683 de 28/8/1979, agora apontada como merecedora de revisão, parece não ter
sido desprezível. A meu juízo, foi necessária e benéfica, mudou a face do
Brasil. A propósito, lembro que a senhora Dilma Rousseff foi por ela anistiada,
e hoje é a presidente da República.
Pois se lembro dessas coisas é porque, agora, ao ensejo dos
50 anos do movimento que culminou no afastamento do presidente Goulart, começou
a falar-se abundantemente em “revisão da lei de anistia”, quando, decorrido
mais de um terço de século, uma unanimidade nacional se estabeleceu a seu
respeito.
Ora, a anistia é de aplicação instantânea e imperativa,
independente de quererem ou não seus destinatários; sua amplitude atinge até
condenação criminal transitada em julgado; a que foi decretada em 28/8/1979,
pela Lei 6.683, apagou a todos os que, entre setembro de 1961 a 15 de agosto de
1979, cometeram “crimes políticos ou conexos com eles, eleitorais…”. De modo
que, o que havia deixou de existir, como se nunca houvesse existido; destarte,
uma revisão da lei de anistia se assemelharia a uma anistia retroativa a
deparar com o vácuo. Enfim, a anistia de 1979 anistiou.
Lamento que não possa estender-me sobre a anistia,
importante e interessante. Premido pelo espaço, noto apenas que ela não se
funda na Justiça, mas na temperança, no esquecimento, e particularmente na paz,
que a juízo da lei, se faça aconselhável.
Fonte: A Verdade Sufocada
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