Por Percival Puggina
As razões do impeachment da presidente e do inferno
astral do partido devem ser buscadas em sua compulsão à construção de versões,
ao tratamento desonesto dos fatos e da história, aos sofismas, às inversões de
responsabilidade e à incapacidade de se corrigir. Em uma só palavra: à mentira
ou falsidade em suas muitas formas. O crime de responsabilidade não aconteceria
fora desse quadro, digamos assim, clínico.
Detalhando um pouco mais. Para alcançar a vitória em
2014 foi preciso, confessadamente, "fazer o diabo" e ele foi feito.
Foi necessário escandalizar a todos com prévia proclamação sobre o quanto
seriam "capazes de fazer para ganhar". E fizeram. A imperiosa
determinação de vencer a qualquer custo implicava, entre outras ações e
omissões, esconder a realidade fiscal e manter elevado o gasto público sem
autorização legislativa. Tudo com olho na urna e um silenciador na consciência
de quem ainda dispusesse de uma. Por isso, o crime de responsabilidade que dá
causa ao impeachment tem, ele mesmo, origem num mal maior - a relação hostil
com a verdade e com a realidade. É por ela que, nestes dias, fingem indignação
e simulam ironias em atlético e aeróbico esforço para sovar um pouco mais a
velha estratégia: construir versões, torcer os fatos, inverter responsabilidades,
evadir-se das próprias culpas, perseverar na incorreção.
Note-se: houve outros crimes de responsabilidade
praticados pela presidente - crimes que prosseguiram, em cascata, desde antes
de o processo haver começado a tramitar. Sobre todos eles, o tempo e a Justiça
ainda haverão de falar. Alguns estão gravados e nós ouvimos.
E SE FOSSE NO SEU CONDOMÍNIO?
Veio de um amigo a mais clara explicação sobre o crime de
responsabilidade praticado pela presidente Dilma. Perguntou-me ele: "Num
condomínio, pode o síndico usar recursos do Fundo de Reserva sem autorização da
assembléia?". E em seguida: "Se o síndico faz isso, o que lhe
acontece?". As respostas são óbvias. Não pode o síndico agir assim por
conta própria. E se o fizer, cai-lhe a casa em cima, entra em desgraça, é
destituído da função. Ora, se tal conduta tem gravidade num condomínio,
imagine-se quando falamos de um país e de seu orçamento!
UM PESO E UMA MEDIDA
O Procurador Geral da República descarregou um caminhão de candidatos à
investigação no colo do STF. Sobrou para ambos os lados do espectro político.
Pouco depois, por unanimidade, o Supremo mandou Eduardo Cunha tirar férias.
Ninguém foi às ruas protestar, ninguém esbravejou, ninguém saiu por aí a cuspir
nos demais. A nação celebra todo gesto de limpeza, todo ato de Justiça, toda
contribuição ao saneamento moral das instituições. Essa diferença em relação
aos paladinos do indefensável, que chamam bandidos de heróis, só não vê quem
não quer. Por isso, não imagine o vice-presidente que a inclemência
institucional e popular em relação à organização criminosa que está sendo
afastada do poder o beneficie além dos precisos termos da Constituição, que o
fazem primeiro da linha sucessória. Tão logo assuma, estará sendo pessoalmente
julgado por sua conduta e pelas escolhas que fizer. Os bons brasileiros têm um
só peso e uma só medida.
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Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista
de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra
o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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