Vamos ver. Você tem a impressão de que a imprensa publica
mais notícias favoráveis ou contrárias à Odebrecht? A resposta é óbvia. E nem
extraio dessa resposta um juízo moral sobre o jornalismo. Afinal, a empreiteira
está sendo investigada pela Operação Lava Jato, que tem trazido à luz toda
sorte de descalabros. Um único delator aceitou devolver US$ 97 milhões — um
preço e tanto para quem decidiu ser um bom homem, não é mesmo? Mas será que a
empresa não tem o direito de falar, de se defender, de expor o seu ponto de
vista? Parece-me que sim.
Foi o que fez a advogada Dora Cavalvanti, uma das defensoras
da empresa e de Marcelo Odebrecht, que está preso. Ela concedeu uma entrevista ao Globo, no sábado. Afirmou que pensa
em denunciar a organismos internacionais a violação de direitos de seus
clientes; que se tenta usar antecipação de juízo de mérito para decretar prisão
preventiva; que o juiz Sergio Moro usou como uma das razões para decretar a
prisão preventiva de um executivo o anúncio em jornal em que a empresa se
defende; que as delações premiadas estão sendo ajustadas ao sabor das
oportunidades… Eu, por exemplo, vejo esses vícios, sim, e creio que têm de ser
eliminados.
Muito bem! O Ministério Público precisa gostar do que leu?
Não! Mas me digam: quantas coletivas e entrevistas exclusivas já concederam os
procuradores? Sem contar os vazamentos, não é?, que estão em todo canto, que
partem da PF, da Justiça ou do MP. Ou dos três. Então a advogada não pode
falar?
Pois é… A julgar por nota divulgada pelos procuradores que
atuam na Lava Jato, o único direito de um acusado é o silêncio. Leiam nota
divulgada por eles, reagindo à entrevista de Dora Cavalcanti. Volto depois.
NOTA PARA A IMPRENSA
Os Procuradores da República que atuam na Forçatarefa Lava
Jato vêm manifestar seu total apoio ao Juiz Federal Sérgio Moro, Titular da 13ª
Vara Federal de Curitiba, em face da entrevista de Dora Cavalcanti, publicada
ontem, 27 de junho, no jornal O Globo, intitulada “Advogada da Odebrecht estuda
denunciar juiz da LavaJato por ‘violação aos direitos humanos’”.
A entrevistada parece desconhecer que o sistema judicial
brasileiro prevê vários recursos e diversas instâncias recursais, tendo os
investigados inúmeras possibilidades de obter a revisão das decisões tomadas
pelo Juízo Federal, não sendo razoável, muito menos respeitoso ao sistema
republicano, que sejam lançadas, por meio de notas ou entrevistas como aquelas
recentes, acusações vagas, desrespeitosas e infundadas à atuação do juiz
federal Sérgio Moro.
A afirmativa de que pretende recorrer a uma Corte
Internacional para a garantia do direito de seus clientes sugere, fortemente,
que os dez Delegados, os nove Procuradores, o Juiz Federal, a Corte de primeira
instância, os Desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e os
Ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal estão
mancomunados para violar direitos humanos dos seus clientes, o que é de uma total
irresponsabilidade, senão desespero. Essa abordagem conspiratória, já refletida
em entrevista anterior, negligencia a independência, maturidade e
imparcialidade de nossas Cortes, refletindo estratégia que procura reverter, no
campo midiático, as inegáveis evidências em desfavor da cúpula da empresa.
Em uma república, não se deve pretender que a justiça seja
cega para os crimes praticados por ricos e poderosos, mas sim cega na
diferenciação entre ricos e pobres, pessoas com ou sem influência, fatores que
em nada devem afetar o resultado dos processos.
Sua abordagem superficial e interessada deixa de considerar
a farta prova material dos crimes praticados por seus clientes. Foram, a título
de exemplo, apreendidas planilhas com divisão as obras por empresa, nas quais
constava a empresa Odebrecht como parte do “clube” de empreiteiras
cartelizadas. Dezenas de milhões de dólares pagos por empresas no exterior aos
funcionários da Petrobras foram bloqueadas e devolvidas. Tal é a robustez das
provas que várias das empresas não colaboradoras já reconhecem boa parte dos
crimes praticados. A insistência da Odebrecht, bem como de seus advogados, em
negar a realidade, a ausência de apuração dos fatos na empresa e a falta da
aplicação pela empresa de qualquer sanção àqueles que praticaram os crimes
apenas confirma as demais evidências de que a corrupção era determinada e
praticada na cúpula da empresa. Não se trata de prejulgar mérito ou
investigados, mas de repetir juízo sobre as provas já feito, em caráter
provisório, em processo público, em pedidos de medidas cautelares.
Por sua vez, ao contrário do que sugere a advogada, os
acordos de colaboração premiada são de responsabilidade do Ministério Público
Federal, não do juiz. O número de colaborações no presente caso decorre de
vários fatores, sobretudo da robustez das provas em relação aos investigados,
da experiência prévia dos procuradores com essa técnica de investigação e
estratégia de defesa, desenvolvida no caso Banestado; mas principalmente do
interesse público envolvido em seu emprego, dadas as peculiaridades do crime de
corrupção e a sofisticação das técnicas de lavagem empregadas. O argumento de
que prisões foram usadas para obter colaborações não tem qualquer base na
realidade, pois mais de dois terços das colaborações foram feitas com réus
soltos, fato que a advogada que atua no feito não deve desconhecer.
Cabe às partes, seja no curso do processo penal ou da
investigação criminal, quando insatisfeita com alguma decisão, valerse dos
meios processuais adequados e, no caso da defesa, dos inúmeros recursos
previstos. Embora todos tenham o direito de expressar sua opinião sobre
decisões, não cabe buscar, por meio de acusações absolutamente infundadas na
imprensa, e afirmação irresponsável e desconectada da realidade sobre suposto
sentimento do juiz, tolher a liberdade da Justiça, que tem o dever de fazer
cumprir a lei e a Constituição, com pleno respeito aos direitos e às garantias
do cidadão”.
Retomo
A nota, lamento ter de escrever isto porque dá conta do destrambelhamento em
curso, é um primor de autoritarismo. Em primeiro lugar porque ao MP, órgão
acusador, não cabe se solidarizar com o juiz porque este, até onde se sabe,
atendendo à etimologia da palavra “justiça”, há de ser o elemento neutro entre
quem acusa e quem defende.
Dizem os procuradores que cabe às partes “valer-se dos meios
processuais adequados”. Sim, é verdade. Parecem sugerir que uma entrevista não
é o meio processual adequado. Três perguntas: a) isso vale também para os
procuradores ou só para os advogados? Terei aqui de publicar links com as
dezenas de entrevistas concedidas?; b) vazamentos seletivos são “meios
processuais adequados?”; c) nota à imprensa, em que o MP já se comporta como
juiz, é um “meio processual adequado”?
Finalmente, noto que os doutores reconhecem o direito à
livre expressão — e folgo que eles anunciem concordar com o Artigo V da
Constituição —, mas demonstram seu inconformismo que Dora Cavalcanti o tenha
exercido, donde se conclui que parecem achar aceitável a tal liberdade de expressão,
desde que não seja exercida.
Encerro
Até onde eu vou com essas questões? Até onde ditar a minha consciência. E fim
de papo. Já disse umas 500 vezes: já foi mais difícil do que hoje contestar
supostas unanimidades. Quem tem a força punitiva e os instrumentos coercitivos
é o estado. É inaceitável, no regime democrático, que se queira impedir um
acusado de se defender. Essa nota dos procuradores é um despropósito.
Como foi um despropósito o juiz Sergio Moro, num despacho de
prisão preventiva, censurar a Odebrecht por ter publicado um anúncio no jornal.
O governo Dilma passa, a Odebrecht passa, tudo passa… As instituições ficam. Eu
não aceito um regime legal que dependa mais da vontade de quem enverga a toga
do que das leis que lhe garantem aquela investidura.
E estou tão certo disso como dois e dois são quatro. Na
Operação Satiagraha — que está a merecer uma revisita, com uma recuperação
detalhada de fatos e implicações —, por muito pouco, jornalistas e colunistas
não foram parar na cadeia.
Há só um modo bom de fazer as coisas na democracia: dentro
das regras.
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