Manifestação contra o governo do PT, em São Paulo
(Paulo
Whitaker/Reuters)
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Protestos reúnem cerca de 675.000 pessoas em 24 Estados de
Norte a Sul, além do Distrito Federal. Atos demonstram que os protestos vieram
para ficar.
Brasileiros de quase todas as unidades da federação voltaram
às ruas neste domingo para protestar contra a corrupção e a inépcia instaladas
no governo federal. O protesto reuniu 275.000 pessoas na Avenida Paulista, em
São Paulo, e se repetiu em pelo menos 200 cidades. Mais uma vez, sem serem
convocados por sindicatos ou partidos políticos, centenas de milhares de
pessoas expressaram seu descontentamento com a atual gestão. Embora em menor
número do que no dia 15 de março - estima-se que cerca de 600.000 pessoas
tenham ido às ruas neste domingo -, eles deixaram claro o sentimento de revolta
que, de acordo com as pesquisas de opinião, atingem a maioria do povo
brasileiro. Pesquisa Datafolha divulgada neste sábado pelo instituto indica que
63% dos brasileiros são favoráveis à abertura de um processo de impeachment
contra a presidente por causa do escândalo do petrolão. Para 57% dos
entrevistados, Dilma sabia do esquema de corrupção na Petrobras e deixou que
ele acontecesse. Somada a uma pesquisa com resultado tão desfavorável ao
governo, a volta das pessoas à rua é a prova de que a indignação contra Dilma e
o PT segue em alta.
Na maior parte das cidades, a manifestação deste domingo foi
menor que a do 15 de março. Por outro lado, o movimento ganhou capilaridade.
Havia manifestantes organizados contra Dilma em cidades como Laranjal do Jari
(AP), São João do Panelinha (BA), Goianésia (GO), Carvalhópolis (MG), Dois
Vizinhos (PR) e Imbé (RS). Um mês atrás, os protestos ocorreram em apenas 160
municípios. Flávio Brado, um dos líderes do Vem Pra Rua, comemorou o número de
manifestantes e disse que o mais relevante neste domingo foi o aumento no
número de cidades com protestos. "Mais importante que o número de pessoas
aqui em São Paulo, que já sabemos que nos apoia, foi conseguirmos duplicar,
triplicar, o número de municípios que tiveram manifestações contra o
governo", afirmou. Segundo ele, o foco agora é levar as demandas populares
a Brasília. "Nesta semana, formalizaremos item por item o que tem de ser
feito. O voto distrital puro e não obrigatório será uma dos pedidos do
grupo".
Salvador,
protesto contra o governo da presidente Dilma Rousseff e contra o PT (Partido dos Trabalhadores) (Foto: Vem Pra Rua/Divulgação) |
A queda no número de manifestantes pode ser atribuída a
vários fatores. O 15 de março foi fruto de um longo trabalho de organização de
movimentos independentes como Vem Pra Rua, Brasil Livre e Revoltados On-line,
que começaram a convocar participantes pelas redes sociais quase dois meses
antes. Na semana que antecedeu aquele protesto, dois fatos contribuíram para
acirrar os ânimos: o pronunciamento em rede nacional da presidente no dia 8,
saudado com um panelaço, e a tentativa do PT e de aliados do sindicalismo de
promover uma contramanifestação na antevéspera do movimento.
Neste domingo, nenhum desses fatores esteve presente. O
tempo de organização foi menor e o governo e o PT se mantiveram em silêncio
antes da manifestação. O foco do noticiário na última semana foi o Legislativo,
com a votação do projeto de lei sobre a terceirização (um dos assuntos mais
comentados das redes sociais) e a prisão de três ex-deputados na Operação Lava
Jato.
Desenhos contra presidente Dilma Rousseff chamam a
atenção durante manifestação na Avenida Paulista,
São Paulo (Foto: Ricardo
Matsukawa/VEJA)
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Fora PT
Um dos líderes do Movimento Brasil Livre, Renan Haas,
avaliou que, mesmo menor, o protesto deste domingo foi positivo porque, ao
contrário de 15 de março, todos os grupos se uniram para pedir a saída da
presidente. "Acho que houve menos gente, mas houveram manifestações em um
número bem menor de cidades. Mas foi positivo porque a mensagem dessa vez ficou
clara. Ninguém estava aqui por uma pauta genérica de corrupção, mas todos os
grupos estavam pedindo o impeachment de Dilma Rousseff", afirma.
Especialmente na era das redes sociais, contudo, a ida às
ruas é apenas uma das formas de expressar insatisfação com o governo. A
diminuição no número de manifestantes não é necessariamente um sinal de aumento
na aprovação do governo. É o que também diz uma pesquisa do Datafolha divulgada
neste sábado: o nível de aprovação de Dilma Rousseff está estacionado em 13%. A
permanência da pressão popular sobre o governo, evidenciada pelas manifestações
deste domingo, deve dificultar o esforço do Planalto para sair da crise de
múltiplas faces em que se envolveu.
Os petistas, entretanto, enxergam um princípio de reação do
Executivo. "O governo está tomando todas as iniciativas: no combate à
corrupção, no ajuste fiscal, atuando contra o projeto de lei da terceirização.
A presidente está conseguindo responder bem", afirma o líder do governo na
Câmara, José Guimarães (PT-CE).
O líder do PT na Câmara, Sibá Machado (PT-AC), admite que
ainda é cedo para falar em uma reação definitiva do governo, mas vê sinais de
recuperação. "Os números da Petrobras, a questão da articulação política
do governo com o Michel Temer, isso somado vai dando uma conotação nova. A
popularidade da presidente Dilma não cai mais e tende a subir agora",
avalia. Na visão dele, entretanto, o governo só conseguirá se reerguer em
definitivo se conseguir aprovar as medidas do ajuste fiscal no Congresso.
Coube, inclusive, ao vice-presidente comentar os protestos
em nome do governo. Recém-chegada do Panamá, onde participou da Cúpula das
Américas, Dilma passou o dia reclusa no Palácio do Planalto. Durante velório do
ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-senador e ex-deputado
gaúcho gaúcho Paulo Brossard, morto neste domingo em sua casa em Porto Alegre,
Temer disse que o governo está atento às manifestações. "O governo está prestando
atenção. Elas revelam, em primeiro lugar, vou dizer o óbvio, uma democracia
poderosa. Mas, em segundo lugar, o governo precisa identificar quais são as
reivindicações e atender as reivindicações. É isso que o governo está
fazendo."
Já a oposição afirma que os protestos deste domingo têm um
recado ainda mais claro do que os de 15 de março. "O governo não pode se
iludir com essa redução no número de pessoas. A manifestação dessa vez foi mais
enfática em relação ao impeachment. Essa é uma proposta que está sendo
assimilada", diz o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). De fato, o grupo do Vem
Pra Rua, principal organizador dos atos, só passou a defender o impeachment
depois do protesto do mês passado.
O líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), afirma que a
indignação com o governo permanece elevada: "Não se consegue em toda
mobilização repetir a quantidade de povo na rua, mas permanece o sentimento de
indignação com relação à corrupção, ao estelionato eleitoral patrocinados pela
presidente Dilma e pelo PT e à crise econômica que está afetando o bolso do
brasileiro", diz.
Em sua página no Facebook, a ex-candidata à presidência
Marina Silva também opinou sobre os protestos desde 12 de abril: "Menos
gente nas ruas não significa menor insatisfação; ao contrário, pode até
significar um aumento da desesperança, o represamento de uma revolta que pode
retornar mais forte depois de algum tempo".
Os protestos e a baixa popularidade de Dilma têm efeito
também sobre o Congresso. Com a oposição ao governo nas ruas, muitos
parlamentares de partidos formalmente governistas, como PMDB, PP e PR, passaram
a complicar a vida do Planalto - se não por pudor e convicção política, por
sobrevivência. Os sinais desse realinhamento têm sido notados pelo governo
desde o início do ano. Ao adotar oficialmente a defesa da redução de
ministérios, por exemplo, a bancada do PMDB na Câmara fez uma clara tentativa
de se alinhar ao eleitorado insatisfeito.
Os atos deste domingo e os de 15 de março deixam claro que
os chamados movimentos sociais têm agora uma nova conotação - e já não são mais
representados exclusivamente pela esquerda ou cooptados pelo PT. De Norte a Sul
do país, o discurso petista encontra contraponto em brasileiros que estão
dispostos a externar sua indignação, sem que sejam pagos ou convocados a
fazê-lo. Não importa quantas pessoas levem às ruas, os recentes protestos não
são fruto de um reflexo instantâneo e irrefletido - vieram para ficar. O
governo e seus aliados foram responsáveis por devolver às ruas manifestantes
apartidários. Mesmo que haja um arrefecimento temporário, não há razão para
crer que essa marcha vá parar agora que a militância espontânea está mais
organizada e tem uma pauta bem estabelecida. Que o governo se habitue a isso.
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(Com reportagem de Eduardo Gonçalves, Victor Fernandes e
Talyta Vespa)
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