Por Chico Otávio - O Globo
Pela primeira vez, um tribunal brasileiro reconheceu que os
assassinatos e desaparecimento de corpos atribuídos a agentes do regime militar
(1964-1985) são crimes contra a humanidade. A decisão foi tomada ontem, por
unanimidade, pela 2* Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2a
Região (TRF-2), que negou o habeas corpus impetrado por cinco militares
acusados do assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, em 20 de janeiro de 1971.
Os desembargadores seguiram entendimento do Ministério Público Federal (MPF) de
que a Lei de Anistia não se aplica a crimes permanentes e de lesa humanidade.
Com a decisão, o juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto,
da 4ª Vara Federal Criminal do Rio, passará agora a instruir a ação penal,
marcando os depoimentos das partes e das testemunhas de acusação e defesa. O
Ministério Público Federal denunciou o general reformado José Antônio Nogueira
Belham, os coronéis reformados Raymundo Ronaldo Campos e Rubens Paim Sampaio e
os sargentos reformados Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza. Belham e Paim
Sampaio são acusados de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe,
emprego de tortura e de recurso que impossibilitou a defesa da vítima),
ocultação de cadáver e associação criminosa armada, que podem levar a 37 anos
de prisão. Raymundo e os irmãos Ochsendorf, por ocultação de cadáver.
Paiva foi morto em janeiro de 1971 nas dependências do
Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército, na Tijuca, no Rio
de Janeiro. De acordo com a denúncia do MPF, ele não teria resistido a
"selvagens torturas". O corpo da vítima nunca foi localizado.
Votaram contra o o trancamento da ação penal os
desembargadores Messod Azulay, André Fontes e Simone Schreiber. Dos três,
Fontes foi bem mais contundente. Ele afirmou que anistia, em grego, significa
esquecimento. Mas, no caso Rubens Paiva, não se pode esquecer o que não se
conhece.
"A anistia não pode ser aplicada a situações como essa.
Nossa Constituição não protege o terror de estado. Isso não é compatível como o
estado de direito. É inaceitável que alguém de farda use um fuzil para matar um
brasileiro. Não consigo compreender como se pode manchar a farda com sangue de
irmãos brasileiros. Não entendo como o regime pode considerar brasileiros como
inimigos", sustentou.
Messod Azulay, relator do pedido, disse não há, na rejeição
do pedido, qualquer censura ou ataque às Forças Armadas, "instituição
séria e integralmente merecedora de todo o prestígio de que goza". O
advogado dos acusados, Rodrigo Roca, anunciou que pretende recorrer da decisão
com recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Fonte: A VerdadeSufocada
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