Por Carlos I. S. Azambuja
Durante a II Guerra Mundial, quando a União Soviética
lutava, junto à Inglaterra, EUA e outros países, contra o nazismo, Stalin
propôs, em 15 de março de 1943, a dissolução da III Internacional, dissolução
que foi materializada em 9 de junho de 1943 através de um comunicado do Comitê
Executivo da IC, assinado por Giorgy Dimitrov, então Secretário-Geral .
Dentre os partidos comunistas que aprovaram a dissolução,
estavam os da Argentina, Cuba, Colômbia e Chile. No comunicado, Dimitrov
assinalava expressamente que “a proposição de dissolver a Internacional
Comunista havia sido aprovada unanimemente pelas seções que tiveram a possibilidade de
comunicar suas decisões em tempo”.
Com mais eloqüência que esse parco comunicado do Comitê
Executivo da IC, anteriormente, em 28 de maio desse mesmo ano, em uma
entrevista à agência de notícias “Reuters”, em Moscou, Stalin assinalou
que “a dissolução da III Internacional
fora acertada porque, assim, evidencia a mentira das forças hitleristas, que
afirmam que Moscou trata de imiscuir-se na vida de outras nações para
bolchevizá-las. Agora, poremos fim a essa calúnia. Essas calúnias afirmam que
os partidos comunistas dos diversos países atuam não no interesse de seus
povos, e sim sob ordens exteriores. Isso também facilitará as atividades dos
patriotas, nos países amantes da liberdade, para unir as forças progressistas
de seus respectivos países, sem distinção de partidos e de credos religiosos,
em um campo único de libertação nacional, para desenvolver a luta contra o
fascismo”.
O ato do Comitê Executivo da III Internacional, inspirado
por Stalin, dissolvendo essa organização, objetivou, portanto, dar fim a “uma
calúnia”. Todavia, Stalin conservou no território soviético os antigos e
futuros estados-maiores de todos os partidos comunistas europeus: romeno,
polonês, húngaro, búlgaro, tcheco, alemão, italiano e francês que, quando do
término da guerra, faria regressar aos seus países.
Em 5 de outubro de 1947, Stalin criou o Kominform
(Departamento de Ligação e Informação dos Partidos Comunistas Europeus).
A doutrina supostamente científica do marxismo-leninismo
define a revolução socialista como resultado de um combate simultâneo em várias
frentes: política, econômica e ideológica. Todavia, as formas sob as quais se
desenvolve esse combate dependem da combinação concreta de fatores internos e
externos de cada país.
Entre os fatores internos podem ser citados os níveis de
desenvolvimento econômico e cultural do país; o grau de organização e
influência do partido comunista local; se ele está ou não na legalidade; a
correlação de forças entre as classes; as tradições nacionais; etc. Entre os
fatores externos figuram a solidez das ligações do partido comunista nacional
com partidos comunistas de outros países; a situação internacional geral; as
relações com países vizinhos; etc.
Cada caso particular determinará a originalidade da tática a
ser implementada e as formas de luta pelo poder que, por mais variadas que
possam ser, podem ser resumidas, num plano muito geral, em duas essenciais: a
forma pacífica e a forma não pacífica. Esta pressupõe o emprego da luta armada.
A absolutização tanto de uma como de outra dessas formas de
luta não é aceita pela ortodoxia marxista. A prática revolucionária e as
condições objetivas e subjetivas é que irão determinar, em cada momento, a
forma de luta a ser utilizada. Ambas, no entanto - e isso é importante ter
sempre presente -, a pacífica e a não pacífica, são revolucionárias.Qualquer
que seja a forma pela qual a revolução socialista venha a se processar, ela
implicará sempre na derrubada do regime dominante e, nesse sentido, será sempre
um exercício de violência, pois, em última análise, ninguém renuncia ao poder e
à propriedade privada de livre e espontânea vontade.
Após fevereiro de 1917, na Rússia, quando foi instalado o
governo de Kerensky, Lenin chegou a considerar a possibilidade de uma conquista
pacífica do poder, mediante a passagem de todo o poder aos sovietes. Essa
perspectiva foi considerada por Lenin, naquele momento, devido à fraqueza e
desorganização da burguesia russa. “Infelizmente”, segundo a história da
Revolução Bolchevique escrita na União Soviética, “a via pacífica não foi
tornada possível, face à reação dos expropriadores, que se recusaram a ser
expropriados sem luta”.
Desde então, a existência de um Estado fraco, contraposto à
força e organização de um partido comunista que se considera o “estado-maior do
proletariado”, passou a ser considerada a condição fundamental para um
desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, se é que uma revolução,
qualquer que seja, terá condições de desenvolver-se pacificamente.
Posteriormente, por considerar que a modificação da
correlação de forças em nível internacional aumentara as possibilidades de um
desenvolvimento “pacífico” da revolução socialista, a concepção
marxista-leninista dessa via foi sendo desenvolvida nas conferências teóricas
internacionais dos partidos comunistas, realizadas em 1957, 1960 e 1969, e, em
seguida, nas resoluções políticas dos congressos de vários partidos.
Esse desenvolvimento “pacífico” pode revestir-se de formas
diversas. Uma delas é a utilização do Parlamento, obtendo nele uma maioria -
não necessariamente numérica, uma vez que para o marxismo-leninismo o conceito
de maioria é mais rico e complexo: o de “maioria ativa” -, transformando-o e
convertendo-o num instrumento da vontade das “amplas massas”.
Foi isso que aconteceu na Checoslováquia no período de 1945
a 1948, conforme relatado no livro “O Assalto ao Parlamento - A Tomada do Poder
pela Constituinte”, escrito por Jan Kosak, deputado comunista na Assembléia
Constituinte checoslovaca. Nesse livro, ele relata minuciosamente como o
Parlamento de seu país foi levado a desempenhar um papel revolucionário na
transição para o comunismo, derrubando um regime parlamentar que funcionava com
uma maioria não-comunista baseada em princípios democráticos,“transformando o
Parlamento de um órgão a serviço da burguesia em um instrumento criador de
medidas democráticas que conduziram à mudança gradual da estrutura social,
instrumento direto da revolução socialista”. Isso só foi possível graças à
“maioria ativa”.
Além da conquista do Parlamento, os comunistas, na luta pela
chamada “conquista pacífica do poder”, propõem outros objetivos de luta: a
“democratização” do aparelho do Estado, a participação dos operários na gestão
econômica das empresas e a criação de uma opinião pública que limite a
possibilidade da classe dirigente opor resistência à aplicação de uma “política
favorável à maioria do povo”.
O chamado desenvolvimento pacífico da revolução não é,
todavia, um “pic-nic”, uma transformação harmoniosa do capitalismo em
socialismo, uma renúncia voluntária das classes dominantes ao poder político.
Isso equivale a dizer que essa via, de forma alguma, significa a interrupção da
luta de classes ou a diminuição da sua intensidade.
É, basicamente, a combinação de uma “pressão de cúpula”,
desenvolvida a partir do Parlamento e outros órgãos da máquina estatal, com a
“pressão de base”, levada a efeito pela atividade revolucionária das “amplas
massas”. Segundo Lenin escreveu, em 1905, quando da Revolução de Fevereiro, na
Rússia, “restringir, como princípio, as ações revolucionárias às pressões de
base e renunciar às pressões de cúpula é anarquismo”.
Na hipótese de “o governo estabelecido recorrer à violência
contra o povo, a classe operária e as amplas massas serão levadas a atuar
também nesse terreno, para ... assegurar a passagem ao socialismo por meios
pacíficos”. Se invertermos os termos, o significado será o mesmo: “na hipótese
do governo estabelecido recorrer à violência contra a classe operária e as
amplas massas, o povo ver-se-á obrigado a atuar também nesse terreno...”
Luiz Carlos Prestes, quando Secretário-Geral do Partido
Comunista Brasileiro, analisando as causas da derrota das forças democráticas
em março de 1964, declarou: “As possibilidades do chamado caminho pacífico
(...) foram, em geral, erradamente interpretadas por nós, como se a revolução
pudesse ser um processo idílico, sem choques nem conflitos” (“Revista
Internacional” nº 6, junho de 1968).
O leninismo, considerado o “marxismo da época do
imperialismo”, assinala que a eficácia da luta armada é determinada, em cada
caso, pelo grau de maturidade das chamadas “condições objetivas e subjetivas”
do país dado. A luta armada poderá ser considerada objetivamente necessária em
determinadas condições, o que, em absoluto, significará que essa forma de luta
seja a única a ser considerada revolucionária.
É por essa razão que os marxistas-leninistas ortodoxos
condenam os “aventureiros de esquerda”, que enfatizam desmedidamente o emprego
das armas em quaisquer partes e sejam quais forem as circunstâncias,
subestimando a importância da forma de luta “pacífica”.
Segundo Lenin, “desenvolver a democracia até o fim, procurar
as formas desse desenvolvimento, pô-las à prova na prática, é uma das tarefas
essenciais da luta pela revolução social”.
A Conferência Internacional dos Partidos Comunistas,
realizada em 1969, indicou em seu documento final que “na medida em que se
desenvolve a unidade de ação contra o monopólio e contra o imperialismo,
amadurecem as condições favoráveis à coesão de todas as correntes democráticas
numa aliança política capaz de limitar de uma maneira decisiva o papel dos
monopólios na vida econômica do país, de colocar um fim ao poder do grande
capital e de estabelecer um regime que realize transformações políticas e
econômicas radicais, criando, dessa forma, condições mais favoráveis ao
prosseguimento da luta pelo socialismo”.
Finalmente, observa-se que nos programas de diversos
partidos comunistas dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, o lugar
central não cabe à luta imediata pelo socialismo e sim àquelas reivindicações
políticas, econômicas e sociais que tornarão factível essa luta. Esses
partidos, conscientes das necessidades de determinadas etapas na luta pelo
socialismo, definiram como objetivo realista a tomada paulatina do poder
político da burguesia, substituindo-o por uma “democracia contínua”,
susceptível de satisfazer aquilo que denomina de “aspirações das amplas
massas”, sempre dirigidas, é claro, pelo seu partido, o “partido da classe
operária, estado-maior e vanguarda do proletariado”: o Partido Comunista. Ou
seja, a tomada do Poder à la Gramsci.
Esse é o conteúdo da forma de luta “pacífica” da estratégia
para a revolução socialista.
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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