Seu povo, alegre e feliz, não exigia grandes esforços dos
governantes para se dar por satisfeito. Por isso, muitos funcionários do Reino
aproveitavam a falta de controle e de cobrança por parte dos nobres e do povo
para desviar grande parte da riqueza nacional em seu próprio proveito ou no de
seus condados e castelos. Com a repetição dessa prática, ela passou a ser
normal e muitas pessoas de má índole procuraram o serviço público na esperança
de enriquecimento fácil e rápido e de pouco trabalho.
Para aumentar o atrativo, as carreiras públicas pagavam, em
geral, salários bem acima dos praticados pela fraca e desmotivada iniciativa
privada, além de oferecerem benefícios paralelos muito interessantes, como
planos de saúde completos – em alguns casos, como o dos Príncipes, vitalícios,
ilimitados e de alcance mundial – residências faustosas, viagens internacionais
pagas com gordas diárias, automóveis com motoristas, gabinetes lotados de
funcionários de sua livre escolha, inimputabilidade penal e várias outras
vantagens.
A vida era risonha e feliz, principalmente para a nata da
corte, que vivia na capital do Reino, a moderna cidade planejada de Fantasília.
Há muitos anos o poder maior era exercido pelo Príncipe
Lalau e pela Princesa Vilma, amigos de longa data que se revezavam no poder e
se encarregavam de esconder e negar os erros e falcatruas que um e outra tinham
cometido na administração dos bens públicos.
Um alegre grupo de baronetes e marqueses gozava também
dessas delícias, e os órgãos públicos eram cada vez mais numerosos e bem
aparelhados, para comportar a crescente demanda dos cortesãos.
E assim corriam as coisas em Fantasília, enquanto, no
restante do país, o povo permanecia deitado eternamente em berço esplêndido, ao
som do mar e à luz do céu profundo.
Periodicamente, a turma da corte viajava pelo restante do
Reino, em especial na época das eleições, saudadas pela propaganda oficial,
regiamente paga, como grande demonstração de civismo e liberdade do povo.
Passado o périplo de promessas e juras de amor eterno aos eleitores, com a
abertura das urnas – suspeita-se que viciadas – as promessas e o povo eram
esquecidos, os cargos e comissões redistribuídos e multiplicados, e a vida
continuava lépida e fagueira. E o povo voltava a dormir, contentando-se com
muito pouco, nem lembrando o nome do candidato a quem dera seu voto, orgulhoso
de participar do democrático processo de escolha dos representantes que
defenderiam os interesses populares. Na verdade, os eleitos defendiam seus
interesses privados.
Um dia, porém, a placidez e o belo céu azul de Fantasília
foram turbados, além de se fazer ouvir nos ares secos da capital um crescente
vozerio e o bater de objetos metálicos.
Era o povo do Reino, acordado de seu torpor pela Fada
Madrinha que, cada vez mais hábil no emprego das modernas ferramentas da
informática, ativara alguns órgãos da imprensa e enviara milhões de mensagens
pelas redes sociais, até então usadas apenas para trocar fofocas, fotos
sensuais e piadinhas, mobilizando a população para exigir melhor trabalho e
menos corrupção.
Assim, em várias cidades do Reino – inclusive, por incrível
que pareça, em Fantasília – milhares de pessoas, em passeata pelas vias
públicas, clamavam por mais ética, eficiência e moralidade no governo.
Colhidos de surpresa, pois até então tinham exercido o
monopólio das passeatas, acionando seus sindicatos e “movimentos sociais” para
aplaudir os assuntos de seu interesse, Lalau, Vilma e os nobres da corte
perceberam, desesperados, que uma séria mudança tinha acontecido e que medidas
urgentes eram necessárias para satisfazer as demandas represadas. Tudo era urgente
e o Tesouro do Reino, saqueado impunemente por tantos anos e por tanta gente,
não dispunha de recursos para atender tais demandas.
De maneira atabalhoada e sem tempo para organizar as
justificativas, vários nobres, inclusive a Princesa Vilma, lançaram desculpas
esfarrapadas, na tentativa de ganhar tempo para desencadear uma resistência ou
uma retirada organizada. Mas a coisa não está fácil.
Normalmente, caro leitor, nesta altura do conto haveria uma
intervenção mágica da Fada Madrinha, que resolveria os problemas e todos
viveriam felizes para sempre.
Contudo, nas modernas histórias de fadas, o leitor tem uma
participação mais ativa, podendo, até, escolher o final da mesma.
Assim sendo, ofereço-lhe dois finais – e você poderá
acrescentar quantos outros quiser.
FINAL 1 – Após um grande período de confusão, que durou
diversos anos, o Reino viu-se livre da corja que o infelicitava e explorava e,
reorganizando o estado e o governo, colocou a Nação no rumo do desenvolvimento
sustentável e da distribuição justa dos direitos e deveres dos cidadãos, e
todos viveram felizes por largo tempo, até a próxima crise, inevitável nas
empresas humanas.
FINAL 2 – Em meio a grande convulsão social, os Príncipes
Lalau e Vilma conseguiram firmar-se no poder, criando leis de exceção, calando
a imprensa, cooptando a Fada Madrinha, enchendo as prisões com opositores e
anexando o Reino a uma poderosa organização política socialista transnacional
do continente, abdicando à independência e à soberania do país. E todos viveram
infelizes para sempre.
FINAL 3 – …
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