sexta-feira, 21 de novembro de 2014

FHC que me perdoe, mas é imperdoável


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que me perdoe. Malgrado seus muitos e inegáveis méritos, ele tem grande responsabilidade pela expansão e consolidação de seus opositores no poder.

Sim, a nação lhe deve boas iniciativas. Mas ele tem grave responsabilidade pela chegada do PT ao poder. Nada fez para evitar que isso acontecesse. Franqueou ao partido da estrela acesso à alma de parcela significativa do povo brasileiro pela via da mistificação e da mentira. Enquanto no governo, Fernando Henrique Cardoso prestava atenção e levava em grande conta o que Lula dizia. Havia algo de petista, um pigarro socialista, na garganta e na alma do acadêmico que governou o Brasil durante oito anos. Lula, por seu turno, uma vez eleito, teve o mérito de manter o que havia de melhor nas políticas de seu antecessor, lixando-se para o seu próprio discurso e para seu partido. Está aí o principal motivo do maior sucesso político do governo de Lula sobre o de FHC. Como consequência, o PT cresceu mais com FHC do que com Lula. Com Lula, o PT ganhou o controle da máquina. Com FHC o controle de corações e mentes.

O ex-presidente que me perdoe, mas isso é imperdoável. Visivelmente, ofereceu-se ele em holocausto para a vitória do PT. Tirou o casaco, a gravata e abriu a camisa para o assassinato de sua reputação. Permitiu que o importante trabalho social iniciado por sua mulher, Ruth Cardoso, fosse menosprezado e, depois, usurpado por seus adversários. Omitiu-se nas eleições subsequentes ou, por tudo isso, foi alijado delas por seus correligionários Serra e Alckmin. Retornou agora, tarde demais, idoso demais, irrelevante demais, na campanha de Aécio Neves.

Não agiu contra o assassinato da própria reputação. Não mostrou que o PT no governo, com todos os meios de investigação disponíveis, não provou uma única das acusações que lhe fez ao longo de oito anos. Não exibiu o consagrador estado de probidade administrativa representado por esse silêncio. Não se valeu dele para mostrar a criminosa capacidade de difamar e injuriar que caracteriza o petismo. Com tudo isso, Fernando Henrique descumpriu um dever moral perante o qual não poderia se omitir. Não é próprio dos homens de bem tolerar o que ele tolerou. Por agir como agiu, tornou possível o escárnio dos escárnios, que se manifesta quando os petistas, confrontados com a indizível tragédia moral em que se meteram, permitem-se afirmar que não são piores do que os demais. E encontram quem neles creia!

Ao abrir caminho, como de fato abriu, para o crescimento do PT e sua ascensão ao poder, Fernando Henrique fez mal ao Brasil. Desde que li o Manifesto de fundação do PT em 1980, eu sabia o que era e o que viria a ser esse partido. Com muito maior razão ele, homem inteligente e político experiente, tinha que saber o que iria acontecer quando o país caísse nas mãos em que veio a cair.


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Percival Puggina (69), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

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