quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mensagem a Garcia

Por Carlos I. S. Azambuja

Há cerca de 60 anos o filósofo francês Roger Garaudy, que foi Secretário-Geral do Partido Comunista Francês, já perguntava no título de um de seus livros: “Podemos ser comunistas, hoje?”.

Na atualidade, a resposta a essa pergunta demanda uma urgência maior, considerando a perplexidade da esquerda em todo o mundo, face ao volume da derrota que lhe foi imposta pelas manifestações, nas ruas, do povo da Europa Oriental. Povo que os comunistas tinham como sua base social.

Após a ditadura do proletariado, imposta pelas exigências da revolução socialista, emergiria o Estado feliz e paradisíaco da liberdade. Um Estado sem explorados e sem exploradores. Era esse o resumo da cartilha marxista. Todavia, malgrado a queda, sempre existirão pessoas com tendência a considerar o comunismo como um tribunal inevitável para as mazelas do capitalismo, de antemão condenado.

Embora a caminhada para a utopia tenha sido uma viagem efêmera, muitas pessoas ainda não se desvencilharam dela e não desistiram de tentar de novo, em um boca-a-boca, reanimar a doutrina, seja fazendo um balanço das perdas com a experiência vivida, seja retomando-a a partir do ponto em que ela teria sido desviada do destino correto. Isso levaria, inevitavelmente, a um retorno a Marx. Um retorno ao Século XIX.

Para os comunistas, o momento ainda é de depressão, depois da euforia provocada pelo marxismo-leninismo, pelo pensamento de Mao-Tsetung, pelo guevarismo, pelo fidelismo, pelo gramscianismo, pelo trotskismo e, enfim, pelo eurocomunismo, o momento atual, ainda é de uma grande ressaca, pois, afinal, não foram eles que abandonaram o comunismo. O comunismo foi quem os abandonou.

Todavia, isso provavelmente não irá durar muito, pois não há como deixar de admitir que sempre existirão partidos de esquerda, pois a sociedade, qualquer que ela seja, “produz desigualdades assim como combustíveis fósseis produzem poluição” (frase do historiador marxista Eric Hobsbawn).

Mas, como chegar às transformações que o partido requer? Com que mesclas de idealismo e realismo ele deveria passar a atuar? São perguntas ainda sem resposta.

Afinal, o comunismo morreu? Em termos, pois seu cadáver permanece insepulto, pois como idéia-força ele deixou profundas e extensas raízes em todo o mundo. Fracassou, isso sim, um tipo de comunismo, aquele que realmente existiu, como nossa geração é testemunha privilegiada. Foi o fim de uma época histórica, que não voltará.

Uma das questões fundamentais para que os comunistas voltem às atividades tem que ser um ajuste de contas entre eles próprios, medindo suas insuficiências, restaurando seus perfis e aprendendo a conviver com a sociedade e não apenas com o seleto grupinho de dirigentes, e fazendo uma revisão do que até aqui foi entendido como socialismo.

Sem pluralismo, sem liberdade de expressão, sem a livre circulação de idéias, sem democracia, sem a participação democrática dos filiados nas grandes questões, em substituição às propostas de “Resoluções Políticas” definidas por restritos Comitês, sem que os dirigentes sejam realmente eleitos pelos filiados e não por listas adrede preparadas pelo aparelho dirigente ou por cooptação, o comunismo não terá condições de ressurgir.

Nesse sentido, não há como negar que a União Soviética prestou um relevante serviço à humanidade, comprovando, na prática, que o socialismo não funciona, pois constituiu uma sociedade que entregou ao partido as decisões econômicas e o controle sobre a vida das pessoas. E o partido entregou as decisões e o controle sobre a vida das pessoas ao Comitê Central, e este ao Secretário-Geral. E ao Estado, a propriedade dos meios de produção.

A lucidez para encarar a falência da doutrina científica, neste início de Século, é uma necessidade intelectual e política, embora seja necessário reconhecer que um partido concebido para derrubar um sistema político-social e implantar outro, seu antípoda, tenha exigência distintas daquelas dos partidos tradicionais, e que o abandono dessas exigências implicaria em renunciar aos dogmas fundamentais da doutrina.


Fonte: Alerta Total


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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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