Por Carlos I. S. Azambuja
Há cerca de 60 anos o filósofo francês Roger Garaudy, que
foi Secretário-Geral do Partido Comunista Francês, já perguntava no título de
um de seus livros: “Podemos ser comunistas, hoje?”.
Na atualidade, a resposta a essa pergunta demanda uma
urgência maior, considerando a perplexidade da esquerda em todo o mundo, face
ao volume da derrota que lhe foi imposta pelas manifestações, nas ruas, do povo
da Europa Oriental. Povo que os comunistas tinham como sua base social.
Após a ditadura do proletariado, imposta pelas exigências da
revolução socialista, emergiria o Estado feliz e paradisíaco da liberdade. Um
Estado sem explorados e sem exploradores. Era esse o resumo da cartilha
marxista. Todavia, malgrado a queda, sempre existirão pessoas com tendência a
considerar o comunismo como um tribunal inevitável para as mazelas do
capitalismo, de antemão condenado.
Embora a caminhada para a utopia tenha sido uma viagem
efêmera, muitas pessoas ainda não se desvencilharam dela e não desistiram de
tentar de novo, em um boca-a-boca, reanimar a doutrina, seja fazendo um balanço
das perdas com a experiência vivida, seja retomando-a a partir do ponto em que
ela teria sido desviada do destino correto. Isso levaria, inevitavelmente, a um
retorno a Marx. Um retorno ao Século XIX.
Para os comunistas, o momento ainda é de depressão, depois
da euforia provocada pelo marxismo-leninismo, pelo pensamento de Mao-Tsetung,
pelo guevarismo, pelo fidelismo, pelo gramscianismo, pelo trotskismo e, enfim,
pelo eurocomunismo, o momento atual, ainda é de uma grande ressaca, pois,
afinal, não foram eles que abandonaram o comunismo. O comunismo foi quem os
abandonou.
Todavia, isso provavelmente não irá durar muito, pois não há
como deixar de admitir que sempre existirão partidos de esquerda, pois a
sociedade, qualquer que ela seja, “produz desigualdades assim como combustíveis
fósseis produzem poluição” (frase do historiador marxista Eric Hobsbawn).
Mas, como chegar às transformações que o partido requer? Com
que mesclas de idealismo e realismo ele deveria passar a atuar? São perguntas
ainda sem resposta.
Afinal, o comunismo morreu? Em termos, pois seu cadáver
permanece insepulto, pois como idéia-força ele deixou profundas e extensas
raízes em todo o mundo. Fracassou, isso sim, um tipo de comunismo, aquele que
realmente existiu, como nossa geração é testemunha privilegiada. Foi o fim de uma
época histórica, que não voltará.
Uma das questões fundamentais para que os comunistas voltem
às atividades tem que ser um ajuste de contas entre eles próprios, medindo suas
insuficiências, restaurando seus perfis e aprendendo a conviver com a sociedade
e não apenas com o seleto grupinho de dirigentes, e fazendo uma revisão do que
até aqui foi entendido como socialismo.
Sem pluralismo, sem liberdade de expressão, sem a livre
circulação de idéias, sem democracia, sem a participação democrática dos
filiados nas grandes questões, em substituição às propostas de “Resoluções
Políticas” definidas por restritos Comitês, sem que os dirigentes sejam
realmente eleitos pelos filiados e não por listas adrede preparadas pelo
aparelho dirigente ou por cooptação, o comunismo não terá condições de ressurgir.
Nesse sentido, não há como negar que a União Soviética
prestou um relevante serviço à humanidade, comprovando, na prática, que o
socialismo não funciona, pois constituiu uma sociedade que entregou ao partido
as decisões econômicas e o controle sobre a vida das pessoas. E o partido
entregou as decisões e o controle sobre a vida das pessoas ao Comitê Central, e
este ao Secretário-Geral. E ao Estado, a propriedade dos meios de produção.
A lucidez para encarar a falência da doutrina científica,
neste início de Século, é uma necessidade intelectual e política, embora seja
necessário reconhecer que um partido concebido para derrubar um sistema
político-social e implantar outro, seu antípoda, tenha exigência distintas
daquelas dos partidos tradicionais, e que o abandono dessas exigências
implicaria em renunciar aos dogmas fundamentais da doutrina.
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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