Por A. C. Portinari Greggio
Quando em 1964 milhões de pessoas saíram às ruas a exigir a
deposição de João Goulart, que notoriamente tramava um golpe comuno-populista,
as Forças Armadas, depois de muita hesitação e diante de fatos consumados,
agiram. João Goulart foi legitimamente afastado pelo Congresso Nacional. Não
obstante, até hoje teimam em tratar o movimento de 1964 como golpe de Estado.
Em 1986 elegeu-se o primeiro Congresso após o fim do regime
militar. Em 1987 seus membros, extrapolando a letra da Constituição e sem
consultar a vontade do povo, nomearam-se a si mesmos Assembleia Constituinte,
com totais poderes de zerar a ordem jurídica e inventar nova constituição em
causa própria. E ninguém percebeu que a usurpação era, sim, golpe de Estado, e
a constituição de 1988 foi o instrumento desse golpe.
É por isso que o título deste artigo fala em novo golpe de
Estado. O antigo foi o de 1988. O novo está sendo cozinhado neste momento em
Brasília.
Em termos de Realpolitik, o Brasil tem apenas duas forças
políticas fundamentais.
Uma delas, na oposição, é a que tem saído às ruas em
manifestações de protesto nos últimos meses. Vamos chamá-la de Direita. A
Direita sempre existiu, mas esteve entorpecida e afastada. Antigamente, podia
ser contada como maioria, mas devido ao processo de degeneração demográfica das
últimas décadas, é hoje minoria. Não obstante, é a mais capaz, que estuda,
trabalha, produz e paga impostos. Naturalmente apegada à ordem e ao progresso,
ela é adversária e vítima do crime, do caos social e do atraso. Seus valores
coincidem com os das Forças Armadas.
Do lado oposto, a outra força é o eleitorado cativo da
Esquerda. Anômicas, mal qualificadas para o trabalho, suas comunidades se
caracterizam pela baixa renda, baixo rendimento escolar, desagregação familiar
e propensão ao crime. Incapaz de protagonismo político, essa população,
contudo, é facilmente cooptada pelos políticos mediante subsídios, favores,
cumplicidade no crime e exploração do seu natural ressentimento contra quem a
sustenta.
No meio, existe grande população que hesita, desorientada,
sem opinião. É parte do eleitorado, vota, decide os resultados, mas não pode
ser considerada força política.
E os políticos? A qual população pertencem? Evidentemente, à
primeira. Mas nela não se integram. São arrivistas que utilizam os currais
eleitorais como alavanca para dominar a e extorquir a população produtiva.
Embora divididos, os políticos podem ser considerados, para efeito de análise,
como uma só oligarquia. Evidentemente, seu esquema de domínio só funciona na “democracia”
da constituição de 88. Daí o empenho deles e dos e seus sócios – a mídia e a
intelectualha – em defender a constituição de 88.
É esse, em poucas linhas, o mecanismo do regime. O golpe de
Estado em será o afastamento do petê, destruição de suas lideranças,
marginalização da militância e transferência dos currais para novos donos. O
petê tornou-se estorvo capaz de pôr tudo a perder. Em vez de se enturmar na
oligarquia, o petê tem megalomanias ideológicas, aquele projeto da URSAL, e a
intenção de, um dia, trair seus sócios e estabelecer a ditadura. Enquanto
parecia invencível, os demais engoliam. Essa fase passou. Inácio perdeu a
mágica. Dilma já está anulada.
O processo de neutralizar o petê é dos mais complicados. Não
por causa de Inácio que, desesperado, tenta radicalizar, mas dificilmente
conseguirá levar o povão às ruas. A complicação está nas Forças Armadas e na
revolta da população produtiva. Até que ponto a radicalização não poderá
exacerbar a guerra civil que de fato já está a acontecer?
Talvez a oligarquia consiga dar o golpe. Não será
espetacular, não haverá estado de sítio nem violência. Na surdina, mudarão as
regras. Quanto à oposição de Direita, cogitam usar a Lei de Segurança Nacional
para amordaçá-la (e talvez fechar duma vez este incômodo jornal Inconfidência).
Façam o que fizerem, os problemas continuarão. A população
produtiva, uma vez desperta, dificilmente aceitará a continuação desse jogo. Os
tucanos perderam a capacidade de enganá-la. Frustração e desespero. E o grande
contingente revoltado, sentindo-se excluído da política, buscará saída. Qual?
Se examinar os mapas eleitorais, o leitor verificará que a mais óbvia seria a
secessão. É fatalidade geopolítica: o Brasil já está dividido. Ninguém fala,
mas aí está, enorme e ignorada, tal como o proverbial elefante na sala de
reuniões. Se a “democracia” de 1988 se encastelar no poder, o monstro
clandestino, sem saída, poderá escapar ao controle.
Dentro desse quadro confuso, Bolsonaro.
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A. C. Portinari Greggio é Especialista em Assuntos
Estratégicos.
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