Por Robson Bonin, de Curitiba – VEJA
Com reportagem de Adriano Ceoun e Hugo Marques
A contadora do doleiro Alberto Youssef revela como
funcionava o esquema de pagamento de propina a políticos do Congresso — e dá o
nome de parlamentares, de empreiteiras e dos partidos envolvidos
É um clássico. As organizações mafiosas caem com maior
rapidez quando alguém de dentro decide contar tudo. O que se vai ler nesta
reportagem é justamente a história de alguém que, tendo participado do núcleo
duro da quadrilha que girava em torno do doleiro Alberto Youssef, pego na
Operação Lava Jato, da Polícia Federal, resolve contar tudo o que fez, viu e
ouviu. Meire Bonfim Poza participou de algumas das maiores operações do grupo
acusado de lavar 10 bilhões de reais de dinheiro sujo, parte desviada de obras
públicas e destinada a enriquecer políticos corruptos e corromper outros com o
pagamento de suborno. Meire Poza viu malas de dinheiro saindo da sede de
grandes empreiteiras, sendo embarcadas em aviões e entregues às mãos de
políticos. Durante três anos, Meire manuseou notas frias, assinou contratos de
serviços inexistentes, montou empresas de fachada, organizou planilhas de
pagamento. Ela deu ares de legalidade a um dos esquemas de corrupção mais
grandiosos desde o mensalão. Meire sabe quem pagou, quem recebeu, quem é
corrupto, quem é corruptor. Conheceu de perto as engrenagens que faziam girar a
máquina que eterniza a mais perversa das más práticas da política brasileira.
Meire Poza era a contadora do doleiro Alberto Youssef — e ela decidiu revelar
tudo o que viu, ouviu e fez nos três anos em que trabalhou para o doleiro.
Nas últimas três semanas, a contadora prestou depoimentos à
Polícia Federal. Ela está ajudando os agentes a entender o significado e a
finalidade de documentos apreendidos com o doleiro e seus comparsas. Suas
informações são consideradas importantíssimas para comprovar aquilo de que já
se desconfiava: Youssef era um financista clandestino. Ele prospectava
investimentos, emprestava dinheiro, cobrava taxas e promovia o encontro de
interesses entre corruptos e corruptores. Em outras palavras, usava sua
estrutura para recolher e distribuir dinheiro e apagar os rastros. Entre seus
clientes, estão as maiores empreiteiras do país, parlamentares notórios e três
dos principais partidos políticos. Os depoimentos da contadora foram decisivos
para estabelecer o elo entre os dois lados do crime — principalmente no setor
tido como o grande filão do grupo: a Petrobras. As empreiteiras que tinham
negócios com a estatal forjavam a contratação de serviços para passar dinheiro
ao doleiro. Nas últimas semanas, Meire Poza forneceu à polícia cópias de
documentos e identificou um a um os contratos simulados e as notas frias, como
no caso da empreiteira Mendes Júnior (veja o documento na página 54), que nega
ter relacionamento com o doleiro. Os corruptores estão identificados. A
identificação dos corruptos está apenas no início.
A polícia já sabe que, para garantirem contratos na
Petrobras, as empresas contribuíam para o caixa eleitoral de partidos ou
pagavam propina diretamente a políticos — os mesmos que controlam cargos na
administração pública e indicam diretores de empresas estatais. Quem são eles?
VEJA localizou a contadora Meire Poza. Em uma entrevista exclusiva, ela revela
que tem gente do "PT, do PMDB e do PP" envolvida com os negócios
clandestinos de Youssef. "Havia um fluxo constante de entrada e retirada
de malas de dinheiro em pelo menos três grandes empreiteiras", disse a
contadora. Segundo ela, além de buscar e entregar o dinheiro pessoalmente,
Youssef se ocupava de fortunas vindas de paraísos fiscais e da sua distribuição
aos integrantes da lista de "beneficiários". Meire relata que
encabeçavam a lista cinco parlamentares. Eles recebiam pagamentos em dinheiro
vivo, diretamente das mãos do doleiro ou por meio de depósitos bancários que a
própria contadora fazia. "Fiz muitos pagamentos, não diretamente na conta
dos políticos, mas para os familiares deles".
Dois dos integrantes da lista de Youssef respondem a
processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados — o ex-petista André
Vargas e Luiz Argôlo (ex-PP, hoje no Solidariedade). Ambos já tinham aparecido nas
investigações como usuários dos serviços clandestinos do doleiro. A parceria,
porém, é muito mais profunda. Em abril passado, VEJA revelou que Vargas havia
formado uma sociedade com o doleiro para fraudar contratos no Ministério da
Saúde. Um negócio que, segundo o próprio Youssef, representaria a
"independência financeira" do deputado. O envolvimento de Vargas com
Youssef ficou conhecido quando se soube que ele usou um jatinho pago pelo
doleiro para fazer uma viagem de férias com a família — um inocente presente de
amigo. O presente, descobre-se agora, não tinha nada de inocente. Meire conta
que, em dezembro passado, André Vargas ajudou Youssef a lavar 2,4 milhões de
reais por meio de uma empresa do Paraná. Como retribuição pelo serviço, o
doleiro usou parte desse dinheiro, 115 000 reais, para fretar o jato que levou
Vargas para as férias na Paraíba, em janeiro deste ano. O deputado destacou o
irmão, Leon Vargas, para cuidar da operação. Lembra Meire: "Tenho várias
mensagens trocadas com ele combinando o contrato. Depois que o dinheiro caiu na
conta, o Beto (Youssef) mandou pagar o aluguel do jato e outras despesas do
deputado".
Uma das figuras mais assíduas do escritório de Youssef era o
deputado Argolo, que, segundo Meire, também era sócio do doleiro em negócios na
área de construção. Antigo colega de partido de Argôlo, o ex-ministro Mário
Negromonte era cliente do esquema: "O irmão dele, o Adarico, trabalhava
com a gente transportando as malas, levando e buscando dinheiro nas
construtoras". Meire confirma que Alberto Youssef depositou 50 000 reais
na conta do senador Fernando Collor a pedido de Pedro Paulo Leoni Ramos, um
ex-assessor do ex-presidente também envolvido com a quadrilha. "O Beto
guardava esses recibos como troféu." Segundo ela, outro conviva era o
deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que contou com a ajuda de Youssef para
quitar dívidas de campanha: "Um assessor do Vaccarezza me procurou em 2011
para apresentar um negócio com fundos de pensão no Tocantins". Meire
guarda uma relação de números de contas bancárias de parentes e assessores de
políticos que receberam dinheiro do doleiro.
"O Beto era um banco de dinheiro ruim. As empreiteiras
acertavam com os políticos e ele entrava para fazer o trabalho sujo, levando e
trazendo dinheiro, sacando e depositando. Tinha a rede de empresas de fachada
para conseguir notas e contratos forjados", diz. Um dos botes mais ousados
de Youssef, segundo ela, tinha como alvo prefeituras comandadas pelo PT. O
doleiro pagava propina de 10% a cada prefeito que topasse investir em um fundo
de investimento criado por ele. "E era sempre nas prefeituras do PT. Ele
falava que, onde tivesse PT, a gente conseguia colocar o fundo." André
Vargas era considerado um parceiro fiel. O deputado estava empenhado em fazer
com que dois fundos de pensão de estatais, o Postalis (dos Correios) e a Funcef
(da Caixa Econômica Federal), injetassem 50 milhões de reais em um dos projetos
do doleiro. Meire conta que Youssef chegou a viajar para Brasília para acertar
o aval do PMDB ao negócio. Segundo ela, o doleiro teria tratado do assunto até
com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
Era do PP, porém, que Alberto Youssef tirava a maior parte
de seus lucros, principalmente os oriundos das transações que envolviam a
Petrobras. Velho conhecido dos parlamentares do PP, Youssef comandou no início
deste ano uma operação milionária de interesse do partido. A contadora narra
que, numa tarde de sexta-feira, foi chamada à sala do doleiro. "
"Meire, entraram 5 milhões no partido. A gente precisa tirar 4,5 milhões
lá de dentro. Eu preciso que você emita três notas de 1 milhão e meio". Eu
falei: "Logo em ano de eleição você vem me pedir um troço
desses?"" As empreiteiras prestadoras de serviço à Petrobras eram,
segundo Meire, protagonistas dos negócios. "Uma parte dos recursos que
chegavam da OAS era para caixa dois político. O dinheiro era todo entregue ao
Beto, e só ele separava o que saía para os políticos e o que era negócio da
empreiteira", diz Meire. A contadora lembra que, em janeiro deste ano, foi
convidada pelo doleiro a fazer uma visita à sede da companhia. "Quando entrei
no carro, ele me disse: "Vou ali na OAS para entregar isso aqui" — e
apontou para o banco de trás do carro. Quando eu olhei para trás, tinha uma
mala no banco. Eu tomei um susto, nunca tinha visto tanto dinheiro junto",
relata Meire. Outra construtora que recorria aos serviços do doleiro era a
Camargo Corrêa. A parceria tinha relação direta com a atividade do ex-diretor
da Petrobras Paulo Roberto Costa. "A Camargo era um esquema exclusivo de
dinheiro das comissões do Paulo Roberto Costa. O dinheiro que entrava nesse
esquema de pedágio era uma coisa que não dava para controlar. Eram malas e
malas de dinheiro", afirmou. Todos os envolvidos negaram a VEJA manter
qualquer relação com o doleiro.
Por que razão Meire Poza decidiu contar tudo e se
autoincriminar? Ela explica que demorou algum tempo para entender a natureza
clandestina das operações de Youssef. A ficha só teria caído para ela quando
recebeu ordens de Youssef para fazer um contrato pelo qual a empreiteira Mendes
Júnior pagaria 2,6 milhões de reais à GFD Investimentos, de propriedade do
doleiro, a título de consultoria sobre a viabilidade de plataformas de
petróleo. "A GFD só tinha que fornecer os contratos." A contadora
relata que tem sido procurada por pessoas que se dizem representantes das empreiteiras.
Essas pessoas invariavelmente prometem ajuda financeira em troca de seu
silêncio. De outros integrantes do esquema menos sutis ela recebeu o conselho
de "sumir do mapa". Diz Meire: "Depois da operação, me ligou um
advogado dizendo que iria cuidar de tudo. As empreiteiras queriam saber o que
eu sei para ver até onde a água ia chegar nelas". Falharam todas as
tentativas: "Tentei sair do esquema três vezes, e a reação deles não foi
nada boa. Essa decisão foi muito pensada. Estou colaborando com a polícia para
esclarecer tudo o que eu puder. Se tiver que responder pelo que fiz, eu vou
responder". Com uma testemunha-chave tão vital e disposta a ajudar, será
um mistério se a Operação Lava Jato não ajudar a limpar parte da corrupção no
Brasil.
Fonte: A Verdade Sufocada
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