Já escrevi brevemente a respeito, mas volto ao ponto. O
coronel Paulo Malhães, 76, que confessou ter torturado pessoas — e, a meu
juízo, fantasiou um pouco, mas não entro no mérito agora —, foi morto. A
chácara em que morava foi invadida. Algumas coisas foram roubadas, inclusive dois
computadores. Fala-se abertamente em queima de arquivo. Acho essa hipótese tão
plausível como a de vingança de grupos de extrema-esquerda. Vale dizer: as duas
coisas me parecem… implausíveis.
Então haveria ainda um grupo ativo, organizado e operacional
o bastante para praticar esse tipo de coisa? Que se investigue tudo, mas a
hipótese me parece fantasiosa. Convenham: se considerarmos os grupos ativos nos
chamados anos de chumbo, mais organizados, hoje em dia, estão os ex-extremistas
de esquerda — alguns deles no poder — do que os que participaram da repressão,
não é mesmo? “Ah, mas só extremistas de direita fariam isso; os de esquerda
nunca!” Epa! Aí, não!
De resto, eventuais remanescentes da repressão matariam o
coronel por quê? Ele não entregou nomes. Quando tratou do mérito da tortura,
fez raciocínios horripilantes e muito pragmáticos sobre a “eficiência” do
método. “Ah, mas levaram os computadores; pode ser que houvesse informações
lá…” Se ele estivesse interessado em fazer alguma delação depois de morto,
creio que tinha experiência o bastante para entregar o arquivo a alguém.
Matá-lo, então, seria uma burrice porque apressaria a divulgação — o meu raciocínio
é puramente lógico.
Mais: considerando os que participaram da linha de frente da
repressão ilegal, bem poucos restam vivos, não é mesmo? Quantos poderiam ser
prejudicados se ele falasse? Se a intenção fosse espalhar o terror e se esse
grupo é organizado a ponto de planejar assassinatos, uma advertência mais clara
seria atacar algum familiar próximo, não o próprio coronel. Pergunto ainda:
então esse grupo seria operante e violento o bastante para eliminar um dos
seus, mas não para atacar militantes de esquerda?
Ora, se é o caso de entrar em conjecturas, posso inferir,
por exemplo, que extremistas de esquerda que ainda estão por aí sabem que
dificilmente haverá a revisão da Lei da Anistia. Mais: há muita gente
descontente com a baixa voltagem desse tema. A população nem sequer sabe
exatamente o que é essa tal Comissão da Verdade. Por que não, então, matar o
coronel, já que a hipótese da queima de arquivo será a mais influente? Por que
não criar um evento para demonstrar que os “inimigos” ainda estão entre nós?
Se eu fosse obrigado a fazer uma escolha, diria que a
possibilidade de ser uma vingança da esquerda é maior porque faria mais
sentido. Mas, de fato, acho que Malhães foi apenas vítima de bandidos comuns.
Sua morte pode até estar relacionada ao depoimento que deu, mas de outra
maneira. Ninguém sabia da sua existência. Levado para aquele banco oficioso dos
réus, tornou-se uma figura nacionalmente conhecida. Dadas as suas vinculações
com o antigo regime, podem ter imaginado uma figura ainda poderosa, eventualmente
endinheirada — não parece que fosse o caso, considerando o lugar em que morava.
Nem tudo o que vem antes é causa do que acontece depois. Mas
não vou tentar convencer ninguém. A hipótese da queima de arquivo é sedutora
demais, não é mesmo? Tem mais cara de roteiro de filme policial. “E se você
estiver errado, Reinaldo?” Sempre estou preparado para essa possibilidade.
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