Ossada de deputado morto desapareceu após operação comandada
por militar assassinado em Nova Iguaçu
Rio - Para Vera Paiva, filha do deputado Rubens Paiva, morto
pela ditadura e cuja ossada desapareceu após operação comandada pelo coronel
reformado Paulo Malhães em 1973, o assassinato do militar foi “queima de
arquivo”. “Isso mostra que a ditadura ainda não acabou”, declarou ela, que
acredita que a morte do coronel pode ter sido uma intimidação aos que ainda têm
informações sobre a morte de seu pai.
Vera, que é professora de Psicologia da USP, leu no DIA o
detalhamento das ações de Malhães até o sumiço do corpo do pai e ficou
impressionada com a “desumanidade” do militar. “Meu pai era um pacifista e
depôs voluntariamente quando foi preso. O coronel usou requintes de maldade,
desrespeitou a dignidade humana”, disse Vera. Ela acredita que os envolvidos no
assassinato do coronel tenham ligação com as torturas relatados à Comissão da
Verdade. “Quem o matou não quer que a memória e a verdade venham à tona”.
Ex-coronel Paulo Malhães, que em março confessou ter sumido
com o corpo do Rubens Paiva
na época da ditadura, foi morto em casa. Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia
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Arquivo morto
O militar que confessou participar de torturas e mortes de
presos políticos durante a ditadura, inclusive do deputado federal Rubens
Paiva, foi assassinado na quinta-feira em seu sítio, em Nova Iguaçu, na Baixada
Fluminense. Ex-agente do Centro de Informações do Exército, o coronel reformado
Paulo Malhães depôs na Comissão Nacional da Verdade (CNV) no dia 25 de março,
após, em entrevista exclusiva ao DIA , confessar que foi um dos comandantes da
missão que sumiu, em 1973, com a ossada do ex-deputado.
A polícia não descarta nenhuma hipótese para o crime,
inclusive a de vingança por causa dos depoimentos. A pedido do ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, a Polícia Federal vai entrar nas investigações.
O corpo do coronel, de 77 anos, foi encontrado no quarto do casal pela viúva,
Cristina Batista, 36, por volta das 22h. Segundo a polícia, Malhães aparentava
ter sido asfixiado, já que estava deitado no chão, de bruços e com o rosto num
travesseiro.
A viúva disse que chamou a Polícia Militar, mas a Delegacia
de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) só foi informada às 9h30 de ontem. O
casal e um caseiro foram rendidos por volta das 14h por três homens com
pistolas e uma arma longa. Eles arrombaram uma janela e a porta da casa e
ficaram no imóvel sem tocar em nada até a chegada do casal.
Apesar de o assassinato ter sido na noite de quinta-feira, o
corpo só foi retirado do local ontem de manhã.
Foto: Ivan Teixeira / Hora H / Agência O Dia
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Apesar de Cristina e o caseiro terem sido ameaçados, não
foram agredidos. Eles foram amarrados, obrigados a ficar de cabeça baixa boa
parte do tempo e ainda tiveram que procurar objetos de valor para os bandidos.
Segundo o delegado Fábio Salvadoretti, as duas testemunhas
contaram que ouviam os criminosos pedindo dinheiro e joias. Eles reviraram a
casa e levaram dois computadores, duas impressoras, joias, R$ 700, além de duas
pistolas e uma carabina calibre 12 da coleção particular do coronel. O delegado
disse que, pelos pertences levados, uma das linhas de investigação também é o
latrocínio (roubo seguido de morte), já que na região há quadrilhas de
traficantes que poderiam ter interesse nas armas.
Nos últimos 30 anos, o militar vivia recluso no sítio de
Marapicu. Ultimamente, tinha poucos contatos
com os filhos e morava só com a
mulher. Foto: Juliana Dal Piva / Agência
O Dia
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“É uma possibilidade estranha ele ter sido morto. Pode ter
reagido ou pode ter sido crime de vingança pelos depoimentos que prestou. Não
vamos descartar nada”, disse o delegado, que espera o laudo da necropsia para
saber se o coronel foi torturado pelos bandidos.
A perícia não encontrou marcas de tiros ou cápsulas na casa.
Foram coletadas digitais no carro das vítimas. Uma testemunha que ligou ontem
para o Disque-Denúncia (2253-1177) é esperada pela polícia para prestar
depoimento. Há suspeita de que outros dois criminosos estavam em um carro,
dando cobertura ao bando. A polícia agora procura câmeras da região que possam
ter filmado a fuga, já que o sítio fica em local ermo, em Marapicu.
A família teme dizer que a morte tem relação com os relatos
recentes do coronel sobre os crimes da ditadura. “Vai parecer agora que é roubo
seguido de morte, mas sabemos que não é bem isso”, disse um parente que não
quis se identificar. A filha mais velha do militar, Carla Malhães, falou com o
pai no domingo e disse que ele não relatou nenhuma ameaça. “Não sei porque ele
andava tão falante. Ele não falava com a gente sobre essas coisas”.
Inês Etienne e Coronel Paulo Malhães. Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia
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Confissão feita ao DIA
Há exatos 37 dias, o coronel Paulo Malhães recebeu a
reportagem do DIA para uma entrevista que durou quase seis horas. Na ocasião,
na mesma casa onde foi assassinado, ele revelou que recebeu em 1973 uma missão
do gabinete do ministro do Exército para desenterrar o corpo do ex-deputado
federal Rubens Paiva em uma praia no Recreio dos Bandeirantes.
“Recebi a missão para resolver o problema, que não seria
enterrar de novo. Procuramos até que se achou (o corpo). Levou algum tempo. Foi
um sufoco para achar (o corpo). Aí seguiu o destino normal”, revelou o coronel.
Malhães era agente do Centro de Informações do Exército (CIE).
Poucos dias depois, ele depôs na Comissão Nacional da
Verdade. Nessa ocasião, admitiu que retirava os dedos e as arcadas dentárias
dos corpos de presos que eram assassinados na Casa da Morte de Petrópolis para
dificultar a identificação. Os cadáveres depois, segundo o militar, eram
jogados em rios.
Presidente da Comissão da Verdade pede que Polícia Federal
apure crime
A Polícia Federal vai ajudar a Polícia Civil do Rio nas
investigações sobre o assassinato de Malhães a pedido do coordenador da
Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, que telefonou ontem para o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. “Por se tratar de investigação da
CNV, órgão federal, pedi que a Polícia Federal acompanhe as investigações”,
informou Dallari.
A ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, fez coro.
“Pode ter sido crime comum, pode ter sido queima de arquivo. Pela delicadeza do
fato, vamos solicitar a Polícia Federal no caso”, disse.
Wadih Damous, presidente da Comissão Estadual da Verdade
(CEV) do Rio iria telefonar ontem para Malhães a fim de marcar um encontro.
Cristina Batista, em seu depoimento, contou que ouviu os
bandidos pedindo dinheiro e joias ao marido.
Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia
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O objetivo seria pedir esclarecimentos sobre a Casa da
Morte, prisão clandestina para presos políticos mantida em Petrópolis na década
de 1970. “Ele revelou alguns nomes de envolvidos nos crimes; outros negou.
Estamos sistematizando tudo”, afirmou, sem revelar mais detalhes sobre o que o
coronel informara em mais de 20 horas de depoimentos prestados.
Damous acredita na possibilidade de o assassinato do coronel
ter sido uma “queima de arquivo” e crê que as ações da Comissão sofrerão
impacto por causa disso. “Ele era um dos mais importantes agentes da repressão.
Os assassinos passaram horas na sua casa, o que levanta a hipótese dele ter
sido interrogado. Estamos muito preocupados por conta dessas circunstâncias”.
Um homem controverso
Aos 77 anos, completados há uma semana, Paulo Malhães vivia
recluso em seu sítio em Nova Iguaçu há quase três décadas. Recebia poucas
visitas e morava apenas com a mulher. O homem que chocou o Brasil ao dizer que
matou “tantas pessoas quanto foram necessárias” durante a ditadura agora
passava os dias cuidando dos cachorros e cultivando uma coleção de orquídeas.
Nos últimos dois anos, estava com os movimentos limitados
devido a uma queda durante uma reforma da casa. Passava os dias sentado nas
cadeiras da varanda . A relação com a família era distante. Ele tinha cinco
filhos e estava no sexto casamento. Colocado na reserva em 1985, logo após o
fim da ditadura, Malhães guardava uma imensa mágoa do Exército, por quem dizia
ter sido abandonado. Um dos maiores orgulhos do coronel Malhães era o que dizia
ser a sua especialidade: formar infiltrados. “Eu adorava meu trabalho”,
costumava dizer.
Ex-chefe do DOI-Codi assassinado em 2012
O coronel reformado Paulo Malhães não é o primeiro militar
ligado ao desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva a ser assassinado. Em 1º
novembro de 2012, o coronel da reserva Júlio Miguel Molina Dias, de 78 anos,
ex-chefe do Departamento de Operações de Informação do Centro de Operações de
Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio, foi morto com seis tiros quando chegava de
carro a sua casa em Porto Alegre.
Peritos encontraram num arquivo pessoal de Molina documentos
comprovando que, levado por uma equipe do Centro de Inteligência da Aeronáutica
em 20 de janeiro de 1971, Paiva desapareceu numa estabelecimento do Exército.
O militar gaúcho havia sido chefe do DOI-Codi carioca até
início dos anos de 1980. As anotações estavam em uma folha de ofício já
amarelada pelo tempo e havia sido retirada do arquivo que as Forças Armadas
negam existir.
No ano passado, a Justiça gaúcha condenou dois policiais da
Brigada Militar pelo crime. Eles teriam matado Molina para roubar 20 armas que
o militar guardava em casa.
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