Por Dora Kramer*
Portanto, não seria de esperar mesmo que o ex-presidente
Luiz Inácio da Silva abordasse o tema Petrobrás da perspectiva dos negócios
nebulosos feitos pela estatal no governo dele e que agora estão sob a mira do
Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas e Congresso Nacional,
na entrevista dada ontem a um grupo de blogueiros.
Lula passou ao largo das dificuldades objetivas que o
governo enfrenta para se concentrar na exposição dos detalhes de uma agenda que
permita ao PT e ao Planalto sair pela tangente na superação dos obstáculos.
Falou basicamente para a militância, ressuscitando teses
caras ao partido, como o controle social dos meios de comunicação, vocalizando
o discurso da altivez petista - "não podemos baixar a cabeça" -
seguindo o lema "nós" contra "eles".
Inspirado na própria experiência de 2005/2006, quando saiu
da defensiva em que seu governo foi jogado devido ao escândalo do mensalão e
partiu para a ofensiva que o levou à reeleição, Lula aconselhou o PT a "ir
pra cima" dos adversários para evitar a CPI da Petrobrás.
Sabe como são essas coisas. Lembrou ao partido que a CPI do
Mensalão começou com uma investigação sobre "pagamento de propina de R$ 3
mil (nos Correios) e acabou no PT". Quer dizer, o problema foi que os
petistas não abafaram o caso a tempo e a hora.
O presidente anunciou que não será candidato. Isso na
abertura da entrevista. No fim, já não apresentava a mesma convicção, afirmando
que só o "futuro" pode responder a perguntas hipotéticas. Lula
atende, assim, a três objetivos: de um lado aparentemente reforça a presidente
Dilma Rousseff, de outro não mata de todo as esperanças dos que o querem de
volta na disputa agora e ainda mantém a oposição tensa.
Inclusive porque deu um aviso aos navegantes: pôs fim à sua
fase de silêncio e vai começar a dar palpites em público até para a presidente
("acho que assim posso ajudar na eleição"), vai viajar com Dilma e
vai voltar a falar sem parar.
Evidentemente, sempre dentro de uma ótica própria que não
necessariamente guarda relação com a realidade. Como a versão apresentada ontem
para o aumento da percepção negativa sobre o governo Dilma.
Não tendo como negar os números das pesquisas, depoimentos
de gente que recebe no Instituto Lula e reclamações de petistas, o
ex-presidente elegeu um responsável pelo mau humor generalizado: o mensageiro.
Segundo ele, "a massa feroz de informação
deformada" produzida pelos meios de comunicação é responsável pelas
agruras em série que assolam o governo. Para isso, recomenda dois remédios.
De imediato, "uma política agressiva de comunicação,
com a ocupação de todos os espaços". Como se o governo ocupasse poucos.
Mais adiante, a retomada do debate sobre o marco regulatório, também conhecido
como controle social da mídia, em português claro traduzido como fiscalização
governamental do conteúdo produzido por jornais, revistas, rádios e televisões.
Esses temas, Dilma como presidente não pode defender, mas
Lula como cabo eleitoral, comandante em chefe do PT, pode.
Da mesma forma, ela não poderia - sem gerar uma crise com o
Congresso - voltar a defender a Constituinte exclusiva. Mas Lula pode. Como fez
na entrevista, ao defender as teses caras ao PT na reforma política, a começar
pelo financiamento público de campanha.
Mensalão tampouco é assunto que interesse à presidente
abordar. Mas Lula o faz na maior sem cerimônia dizendo que a "verdadeira
história" ainda está para ser contada, sem dar pista sobre o tom da nova
narrativa.
O ex-presidente esquivou-se de críticas mais pesadas ao
Supremo Tribunal Federal. Limitou-se a trafegar no terreno do politicamente
incorreto ao dizer a razão pela qual indicou o ministro Joaquim Barbosa:
"Eu queria um advogado negro e o currículo dele era o melhor".
Corre o risco de Joaquim achar que é racismo.
Fonte: Alerta Total
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*Dora Kramer é Jornalista. Originalmente publicado no Estadão
em 10 de Abril de 2014.
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