Por Percival Puggina
Como brasileiro, sinto-me constrangido. Cheguei da
Inglaterra na semana passada. Sem exceção, todas as perguntas que me fizeram
sobre o Brasil, em estações de trem, no metrô e no comércio, se referiam aos
escândalos e à perda de credibilidade do governo. Algo assim é incompreensível
no Reino Unido porque lá o regime proporciona condições para que maus governos
caiam naturalmente, dentro da norma constitucional.
Após as manobras restritivas e antidemocráticas em que
o governo de Nicolas Maduro envolveu o grupo de senadores brasileiros que
visitavam o país, a presidente Dilma avaliou que a iniciativa da oposição
colocou seu governo numa "armadilha", criando
"constrangimento" para o Brasil. O Planalto sustenta que a viagem foi
uma intromissão em assuntos internos da Venezuela.
Ah! Então não é o governo venezuelano que deve ficar
constrangido com o fato de manter oposicionistas presos, há mais de ano, sob a
acusação de estimular manifestações contra o regime bolivariano? Não é o
governo de Maduro que deve corar diante da percepção internacional de que
implantou uma ditadura sobre seu povo, fechando jornais, impedindo a livre
manifestação das ideias, executando manifestantes durante gigantescas
manifestações de rua? Não é a senhora, presidente, que deve ficar constrangida
por sua atitude ao sequer receber as esposas de Daniel Ceballos e Leopoldo
Lopez? Não a constrange a distância entre o nada convincente discurso local
pela democracia e pelos direitos humanos e a afetuosa relação que mantém com as
duas mais perversas e desastrosas ditaduras da América Ibérica?
Lembre-se bem do que seu governo fez quando as instituições
paraguaias - em procedimento lisa e transparentemente constitucional -
destituíram o presidente Lugo. Seu governo enviou observadores. Esses
observadores deram palpite sobre os acontecimentos. A intromissão de seu
governo culminou com a expulsão do Paraguai do Mercosul. Essa manobra escusa
visou, na verdade, a atender o pedido de ingresso, no bloco, da
"democrática" Venezuela, que vinha sendo vetado pelo Senado
paraguaio. Em 2009, fora a vez de Lula proporcionar um tremendo escarcéu quando
da destituição do hondurenho Manuel Zelaya, após sucessivas afrontas à
Constituição do país.
As prisões cubanas ainda mantêm presos alguns dos
dissidentes que foram recolhidos na onda repressiva de 2003. Passaram-se 12
anos! Sucessivas visitas de dirigentes e governantes petistas enfrentaram com
silêncio conivente e sem qualquer constrangimento, os apelos dos familiares dos
presos por uma atitude solidária do Brasil. Nada! Agora, a presidente não se
constrangeu com as manobras para bloquear o tráfego dos senadores em direção ao
presídio, nem com a emboscada armada pelos camisas vermelhas de Maduro. Ela se
considera vítima de uma armadilha e constrangida pela viagem de solidariedade
que promoveram.
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Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense
de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site
www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no
país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e
Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar.
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