Por José Nêumanne Pinto
Como se tivesse sido instada a explicar por que queima gás
nos campos de extração de petróleo, a Petrobrás tentou justificar a eliminação
de áudios e vídeos em que foram gravadas reuniões de seu conselho de
administração nas quais se decidiu a compra funesta e onerosa da refinaria da
Astra Oil belga em Pasadena, Texas. Tentar até que tentou, mas não conseguiu.
Não vai ser com a queima confessada de arquivos que podem
revelar atitudes criminosas de quem autorizou um negócio tão controverso como
foi esse, feito no momento em que presidia o dito conselho a ministra poderosa
de dois governos e chefe do anterior e do atual, que a empresa recuperará sua
credibilidade perdida. Neste momento em que ineficiência, má gestão, queda do
preço do produto que refina e cujos combustíveis vende e, sobretudo, roubo,
muito roubo, levaram a estatal a divulgar um balanço com a maior perda em
ativos entre as grandes petroleiras do mundo, a confissão inaceitável só vai
piorar tudo. O cinismo chegou ao ápice com a entrega dos registros sonoros e
visuais das 12 últimas reuniões (desde setembro) do tal conselho à Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobrás – um escárnio da estatal, et pour
cause, do governo, ao Legislativo, Poder que representa diretamente o cidadão,
acionista majoritário ao qual ela teria de prestar contas.
A apresentação do balanço, que envergonharia qualquer
empresa de qualquer porte no mundo, com a agravante de parte do prejuízo ter
sido causada pelo mais lesivo escândalo de corrupção da história da humanidade,
foi feita em clima de comemoração, “justificada” pela “virada de página” sob
nova administração. E também pela “saga de desafios” da estatal desde sua
criação, nos anos 1950, sob a égide do enganoso lema publicitário “o petróleo é
nosso”. Depois da roubalheira devassada pela Operação Lava Jato, o slogan
publicitário passou a ser acintoso pela constatação de que os lucros do negócio
nunca foram da Nação, mas, sim, dos eventuais donos do poder no Estado.
Apesar das evidências confirmadas por quantias exorbitantes
revelando o fiasco de gestão e a privatização na prática por partidos da
aliança governista federal, a ex-presidente de seu conselho de administração e
atual presidente da República, Dilma Rousseff, insiste em fantasias absurdas
para fugir à responsabilidade pelo que ela chama de malfeitos. Em frases sem
confirmação na vida real – tais como “limpou o que tinha de limpar”, “tirou
aqueles que tinha de tirar lá de dentro, que se aproveitaram das suas posições
para enriquecer seus próprios bolsos” ou “a Petrobrás está de pé” –, suas
mentiras são repetidas à exaustão por governistas e em lorotas fictícias da
publicidade nos veículos de comunicação.
A confissão da queima de arquivos com a cumplicidade tácita
do governo – que comanda a estatal em nosso nome –, dos partidos aliados, da
mídia adesista e dos falsos ingênuos, que tentam justificar o furto
generalizado com toscos autos de fé populistas, vem agora reforçar o mal-estar
causado a nossos estômagos vazios pela desfaçatez. O repórter do Estado em
Brasília Fábio Fabrini revelou à véspera do feriadão que, pedida por este
jornal, tendo como base a Lei de Acesso à Informação, a entrega de gravações em
áudio e vídeo das reuniões em que foi decidida a compra da “ruivinha” em
Pasadena foi negada pela Petrobrás. A alegação para negá-la, repetida
formalmente à CPI, foi a de que tais arquivos são “eliminados” após a
formalização das atas das reuniões.
Até agora a empresa não trouxe a público nenhuma resolução
interna nem ordem superior que possam justificar a providência. O que se sabe é
que por causa dela a Nação ignora como Dilma agiu ao presidir o colegiado entre
2003 e 2010, quando foi ministra de Minas e Energia e, depois, chefe da Casa
Civil dos governos Lula. Isso pode até ter sido providencial, mas certamente
não era o mais prudente a ser feito.
As mentiras cabeludas, pois, que Dilma tem contado a
pretexto de salvar a Petrobrás da “sanha demolidora” da oposição inerte, se
estendem agora à sua atuação em parte relevante do petrolão. Só que nunca
ninguém saberá até que ponto ela interferiu no escândalo.
Semelhante episódio histórico mundial foi protagonizado pelo
ex-presidente dos EUA Richard Nixon, obrigado a renunciar (para evitar sofrer
impeachment inevitável) por ter mentido à Nação. Ele garantiu, em
pronunciamento público, que não teve conhecimento da invasão do escritório de
campanha de seu adversário democrata, George McGovern, no edifício Watergate,
em Washington. Como as reuniões no Salão Oval da Casa Branca são gravadas e
nunca eliminadas depois, ficou provado que ele tinha tratado do assunto, sim, e
isso o levou ao impasse: renunciar ou ser deposto. E olhe que seu apelido era
Tricky Dicky, Ricardinho Trapaceiro.
Exemplo mais próximo de preservação da memória, salva de
tentativas de reescrever a história ao estilo stalinista, foi a intervenção do
então ministro do Trabalho do governo Costa e Silva, Jarbas Passarinho, que
disse, como revela a gravação da reunião em que o AI5 foi oficializado, à
disposição de qualquer um sem necessidade de ir a arquivo nenhum: “Às favas,
senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência”. A frase
foi modificada na ata, que atenuou a aspereza da expressão usada, “às favas”,
por “ignoro”. No entanto, na memória coletiva não ficou o eufemismo. E a frase
dita e gravada foi resumida para “às favas com os escrúpulos”, título de uma
comédia de Juca de Oliveira, sucesso no teatro.
Talvez seja possível numa devassa nos computadores da
Petrobrás resgatar imagens e sons e recuperar o que ocorreu nas reuniões e as
atas não revelam. Se não for, ficará o travo amargo da trapaça de uma gente que
se diz socialista e transparente, mas, enquanto revolve as vísceras da ditadura
em Comissões de Verdade, queima arquivos para ocultar a história recente, que a
incomoda.
Fonte: Brasil Acima de Tudo
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José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.
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