Por Carlos I. S. Azambuja
Em 23 de maio de 2006, presidentes e representantes dos 12
países da América do Sul assinaram em Brasília, o tratado de criação da União
das Nações Sul-americanas (Unasul).
O projeto para a criação da Unasul foi apresentado pela
primeira vez durante uma reunião em 2004, na cidade de Cuzco, no Peru.
Inicialmente o projeto foi denominado de Casa (Comunidade Sul-Americana de
Nações), mas posteriormente foi rebatizado durante a Primeira Reunião
Energética da América do Sul, realizada em 2007 na Venezuela.
A Unasul funcionará com uma presidência temporária e
rotativa Atualmente a presidência é da Bolívia.
A Unasul se organiza a partir de alguns órgãos
deliberativos: um Conselho de Chefes de Estado e de Governo que se reunirão
anualmente, um Conselho de Ministros de Relações Exteriores e um Conselho de
Delegados que se reunirão semestralmente. Além disso, existe o plano para a
criação de um Parlamento único da Unasul.. A Unasul ainda contará com uma
secretaria permanente que se localizará em Quito, capital equatoriana.
Um dos principais objetivos do tratado é tentar desenvolver,
na América do Sul, uma coordenação política, econômica e social. Com a Unasul,
se pretende adotar mecanismos financeiros conjuntos e ainda avançar na
integração física, energética, de telecomunicações, além de projetos em
conjunto nas áreas de ciência e de educação. Segundo o Itamaraty, os objetivos
da Unasul são "o fortalecimento do diálogo político entre os Estados
membros e o aprofundamento da integração regional".
Os países que compõem a Unasul têm opiniões e objetivos
diversos sobre os objetivos reais que Unasul poderá alcançar. Para o ministro
das Relações Exteriores do Chile, Alejandro Foxley, o seu país tem três
principais interesses: energia, infra-estrutura e uma política comum de
inclusão social. Já o chanceler boliviano, David Choquehuanca, afirmou que a
Bolívia espera que a Unasul não se limite apenas ao comércio e trate da também
da "união dos povos".
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou durante o
encontro que a Unasul é um Tratado muito importante para o continente e que
esse Tratado fortalecerá os governantes do hemisfério sul. "Somos todos
governos de esquerda, temos muito em comum, e nos comprometemos a dinamizar
toda a união da América do Sul", declarou Chávez.
Para o presidente Lula, a "América do Sul unida mexerá
com o tabuleiro do poder no mundo, não em benefício próprio, mas de
todos." Lula ainda afirmou que a Unasul poderá fortalecer os países da
região frente às nações desenvolvidas. Durante o encontro declarou que
"estamos transformando em realidade o sonho integrador dos nossos
libertadores. O Tratado nos lembra que a integração sul-americana é essencial
para o fortalecimento da América Latina e Caribe. Nasce sobre o signo do
pluralismo".
Segundo Lula, a Unasul deve ser construída como parte dos
projetos de desenvolvimento de cada país e em benefício de todos. Defendeu que
"nossa América do Sul não será mais um mero conceito geográfico. A partir
de hoje é uma realidade política, econômica e social, com funcionalidade
própria".
Mesmo que nos últimos anos a integração entre os países da
América do Sul tenha se aprofundado em alguns aspectos, existem muitos
problemas que dificultam uma integração efetiva. Uma das principais
dificuldades é a assimetria econômica. O Brasil representa quase metade do PIB
que compõe a Unasul. Segundo apontam dados da Cepal (Comissão Econômica para
América Latina e Caribe), o Produto Interno Bruto (PIB) dos 12 países da
América do Sul alcançou 2,5 trilhões de dólares em 2006. Contudo, só o PIB do
Brasil foi de 1,06 trilhão de dólares em 2006, e em 2007 foi de US$ 1,3
trilhão.
Além dessa assimetria econômica, na América do Sul os
governantes apresentam diferentes visões políticas e diferentes interesses e
aliados internacionais. Tal pluralismo político mantém uma integração profunda
da região apenas como um objetivo distante.
Existem muitas pendências entre diferentes países na América
do Sul. Chile e Peru têm uma disputa territorial pendente desde a Guerra do
Pacífico, no século XIX. Esta questão ainda está em andamento no Tribunal
Internacional de Haia. A Bolívia também reivindica do Chile uma saída para o
mar, perdida na mesma guerra do Pacífico.
O conflito mais recente na região envolveu a Venezuela,
Equador e Colômbia que travaram, em março, uma disputa envolvendo as Farc
(Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Tal crise foi provocada pela ação
militar da Colômbia contra as Farc em território equatoriano. Essa desavença
também ainda não foi totalmente superada. Trata-se de mais uma disputa regional
que impede qualquer integração real.
Diante desses conflitos uma questão importante que também
está na pauta da Unasul é a criação de um Conselho de Defesa. A proposta para a
criação desse Conselho partiu do presidente Lula. Segundo ele: "É hora de
fortalecer nosso continente na área da defesa. Devemos articular uma visão de
defesa na região fundada em valores e princípios comuns, como o respeito à
soberania. Por isso, determinei ao meu Ministro da Defesa para que realizasse
consulta com todos os países da América do Sul sobre o Conselho Sul-Americano
de Defesa. Creio que devemos discutir essa iniciativa aqui". Essa proposta
pela criação do Conselho de Defesa ganhou força depois da crise que envolveu
Venezuela, Colômbia e Equador.
O então Ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que o
projeto do Conselho já está definido, sendo que ele teria o objetivo de
organização, comunicação e colaboração entre os países. Contudo, o Conselho não
pretenderia desenvolver uma estrutura de integração militar.
O então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, foi contrário
à proposta do presidente Lula e argumentou que a região já conta com a OEA
(Organização dos Estados Americanos) e aludiu às divergências com países
vizinhos, entre os quais o Brasil e a Venezuela, em torno da classificação de
grupos armados ilegais como terroristas, principalmente as Farc. Diante do
impasse, a discussão sobre a criação do Conselho foi adiada.
De qualquer forma, tal projeto, longe de procurar garantir a
soberania da América Latina, parece poder servir de um grande pretexto para
altos investimentos na lucrativa indústria armamentista e criar mais uma força
intervencionista internacional, tal como tem sido os chamados "capacetes
azuis" da ONU, que, sob o comando do Brasil, atuam no Haiti.
A Unasul esqueceu-se de um dado fundamental: qual a sua
proposta real para os trabalhadores? Diante da atual crise econômica mundial
que se torna cada vez mais grave, diante da crise de alimentos e da inflação
crescente, qual o programa da Unasul para os trabalhadores da América do Sul?
Para a classe operária não existe nada além de promessas vazias e de discursos
com frases feitas. Fala-se em "união dos povos", "inclusão
social", "crescimento econômico", etc, todas essas promessas não
passam, no entanto, de ilusões para os trabalhadores.
Segundo setores da esquerda radical, nem a Unasul, nem
Chávez, nem Morales, nem Lula representam uma alternativa para a melhoria das
condições de vida da classe trabalhadora latino-americana.
DIVERGÊNCIAS
Colômbia
Assinou polêmico acordo militar com os Estados Unidos e
recebe críticas dos governos de esquerda da América Latina
Venezuela
Alega ser vítima de um plano de ataque militar colombiano
com o apoio dos EUA
Peru
Acusa Chile de espionagem e de armamentismo
Chile
Diz que problemas com o Peru devem ser resolvidos de forma
bilateral, não por meio da Unasul
Equador
Acusa serviço de inteligência colombiano de tê-lo espionado,
assim como à Venezuela e Cuba.
Posteriormente, após outra reunião da Unasul, o jornal O
Estado de São Paulo publicou a seguinte matéria:
"O Brasil bolivariano do PT mostra a sua cara. Novo
presidente da Unasul é um traficante, assassino e caçado pela Interpol. Sua
escolha teve apoio de Dilma.
O fugitivo da Justiça, Dési Bouterse, recebeu
todo o apoio de Dilma para presidir a Unasul bolivariana. Não é este o
primeiro bandido apoiado pelo Brasil do PT. E Dilma não quer ser
espionada pelos Estados Unidos.
O comunicado final da mais recente reunião de cúpula da
União de Nações Sul-Americanas (Unasul) enfatizou o compromisso com
"valores comuns como a democracia, o Estado de Direito, respeito absoluto
pelos direitos humanos e a consolidação da América do Sul como uma zona de
paz". Se é assim, nada justifica a entrega da presidência ao Suriname,
governado pelo notório Dési Bouterse.
A ficha corrida do presidente surinamês é extensa. Ele foi
ditador entre 1980 e 1987, após um sangrento golpe militar, e de 1990 a 1991,
também depois de uma quartelada. É acusado de diversas violações de direitos
humanos, em especial o assassinato de opositores - no caso mais rumoroso, que
gerou protestos no mundo todo, 15 jovens que haviam criticado a ditadura foram
torturados e mortos pelos soldados de Bouterse na calada da noite. Em sua
defesa, Bouterse diz que não foi ele quem "puxou o gatilho".
Em 2000, o ex-ditador foi condenado in
absentia pela Justiça da Holanda a onze anos de prisão sob acusação
de tráfico de cocaína. Telegramas vazados peloWikiLeaks mostram que Bouterse
permaneceu no negócio das drogas pelo menos até 2006, organizando remessas de
cocaína colombiana para a Europa, via Brasil, e há relatos de ex-colaboradores
segundo os quais ele forneceu armas às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
(Farc) em troca de cocaína.
Há uma ordem de prisão contra Bouterse emitida pela
Interpol, razão pela qual ele só consegue viajar por lugares que ignoram essa
ordem e o reconhecem não como criminoso condenado, mas como chefe de Estado.
Bouterse, por exemplo, esteve recentemente no Brasil, como convidado da
presidente Dilma Rousseff, para prestigiar a visita do papa Francisco.
O ex-ditador, que nunca deixou de ser a figura mais
influente do Suriname, tornou-se presidente em julho de 2010, em eleição
indireta - ele foi escolhido pelo Parlamento graças a uma aliança com o partido
de Ronnie Brunswijk, que um dia foi o principal inimigo de Bouterse e hoje é o
homem mais rico do Suriname. Brunswijk também foi condenado na Holanda por
tráfico de drogas.
Uma vez de volta ao poder, Bouterse nomeou o filho, Dino -
outro narcotraficante condenado, inclusive no Suriname -, para chefiar a unidade
de combate ao terrorismo no país. Dino esteve diversas vezes na Venezuela para
apoiar Nicolás Maduro na sucessão do caudilho Hugo Chávez e também para
negociar com as Farc a troca de armas por cocaína, segundo o jornal venezuelano
El Nacional.
Foi justamente Dino o pivô do maior constrangimento da
Unasul até a presente data. Poucas horas antes de seu pai tomar posse na
presidência da entidade, na presença dos principais chefes de Estado do
continente, ele estava sendo preso no Panamá portando cerca de 10 quilos de
cocaína e um lança-granadas. Extraditado para os Estados Unidos, ele poderá
pegar prisão perpétua.
Nada disso foi o bastante para constranger os dignitários
sul-americanos reunidos em Paramaribo, a capital surinamesa. Nenhum presidente considerou
a hipótese de rever a nomeação de Bouterse. Como se nada tivesse acontecido, a
Unasul desejou "sucesso" ao ex-ditador condenado por narcotráfico.
Na mesma ocasião, como a comprovar a total desmoralização da
Unasul, os presidentes renderam homenagem a Hugo Chávez, ressaltando "a
dor do vazio que sua ausência nos deixou", qualificando-o como
"símbolo de uma geração de estadistas" e exaltando seu "impulso
visionário" para a criação da entidade.
Seria apenas cômico, não fosse a Unasul, ao menos no papel,
a principal iniciativa de integração continental. O Brasil poderia ter evitado
o vexame estrelado por Bouterse, se seu governo não estivesse ideologicamente
atado a compromissos que fazem da Unasul um palanque bolivariano".
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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