Editorial – O Estado de S. Paulo – 03/06/2014
Preparando-se para criar "o caos" nas 12
cidades-sede da Copa do Mundo, principalmente naquelas onde as suas ações terão
o máximo de visibilidade, os black blocs não disfarçam a sua torcida para terem
nas ruas, fazendo o mesmo durante o torneio, os delinquentes profissionais do
Primeiro Comando da Capital (PCC). A maior organização criminosa do País, que
levou terror e pânico a São Paulo em maio de 2006, ao desencadear uma série de
ataques contra as forças de segurança do Estado, controla os presídios
paulistas, de onde dá ordens aos seus cúmplices em liberdade.
É de levar a sério a possibilidade dessa união de forças
entre a formidável quadrilha e os neoanarquistas cujas máscaras, provocações e,
afinal, atos de vandalismo roubaram a cena das manifestações em âmbito nacional
de junho do ano passado. A dezena e meia de membros do núcleo do movimento -
desconhecidos da polícia, por sinal - que o repórter Lourival Sant'Anna, do
Estado, conseguiu localizar e entrevistar, sob anonimato, nega ter se aliado à
facção. Mas, como confessa tranquilamente o mais veterano deles, de 34 anos,
formado em história pela USP, "não somos contra o PCC". Já é um
começo.
A sua fantasia assumida é que os quadrilheiros também
aproveitem a Copa para dar, com muito mais meios, logística e experiência do
que eles, a sua contribuição para o "estouro" que pretendem provocar,
com o intento de mandar "um recado" para o Estado a que acusam de
infligir padecimentos de toda ordem à população das periferias. Mas decerto não
lhes faltará vontade para ir além, tomando ou recebendo de bom grado eventuais
iniciativas de coordenação das respectivas ações. Agindo cada qual por si ou em
parceria, a sua capacidade de conflagrar o Brasil da Copa configura uma ameaça
real e presente.
Não vai aí nenhum alarmismo. Black blocs contam que o
pessoal do PCC na Penitenciária do Tremembé, no Vale do Paraíba, recebeu da
melhor forma dois companheiros para lá levados depois de serem presos numa
manifestação. "Colocaram colchões para eles", detalham, agradecidos.
"Os 'torres' (líderes, no jargão do PCC) respeitam o que fazemos por causa
do nosso idealismo", vangloria-se o veterano black bloc. "Eles fazem
por lucro, e a gente, contra o sistema", teoriza o ativista. "Não nos
arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo
SUS."
Em nome da redenção das vítimas do Estado a serviço do
capitalismo, os anarquistas europeus do século 19 - como aqueles que jogavam
bombas nos cafés parisienses aos gritos de "não existem inocentes" -
já pregavam uma frente comum com o "lumpemproletariado", como Marx se
referia à escória de marginais e marginalizados da sociedade. Faz sentido: se a
ordem é dar o troco à violência estatal na mesma moeda, nada deve separar os
seus praticantes. "Não existe o errado e o certo", diz um black bloc,
para justificar os seus métodos. Emenda outro: "A manifestação não pode
ser pacífica, sendo que é resposta à repressão".
Uma greve selvagem, como a dos motoristas de ônibus que
infernizaram a vida de milhões de paulistanos dos quais os blocs se dizem
defensores, é tão legítima para eles como a depredação de agências bancárias (e
bancas de jornais), saques em lojas, queima de veículos e ataques a policiais.
A legitimidade de que se consideram portadores teria nascido da convicção de
que o protesto pacífico e a mudança por meio da pressão sobre as instituições
políticas estão fadados ao fracasso. Se assim fosse, para invocar um exemplo
extremo, a ditadura militar teria sido derrubada pelo radicalismo armado - que,
aliás, só serviu para prolongá-la - e não pela resistência e mobilização das
lideranças civis do País.
O mórbido prazer do exercício do vandalismo e a não menos
animadora expectativa de vingança por violências sofridas marcham juntos. Na
noite de 13 de junho passado, é oportuno lembrar, a PM desbaratou com brutalidade
uma passeata pacífica no centro de São Paulo contra as tarifas de ônibus. Foi o
detonador dos movimentos que galvanizaram em seguida o País. Até agora nenhum
policial foi punido pelas agressões. Cinco dias depois, a PM se omitiu quando
black blocs atacaram a sede da Prefeitura.
Fonte: A Verdade Sufocada
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