Por Merval Pereira - O Globo
Ao tentar rebater as críticas aos aeroportos brasileiros
afirmando que eles não são padrão Fifa , mas, sim, padrão Brasil , a presidente
Dilma mais uma vez escorregou no improviso (dando de barato que não foi uma
sacada genial de seus marqueteiros) e, sem querer, chancelou o padrão Brasil
como definição de produto de má qualidade.
Até hoje produtos made in China carregam consigo a
desconfiança do consumidor, enquanto os made in Japan já conseguiram ser um
atestado de qualidade. Os aeroportos made in Brasil definitivamente não são
sinônimo de coisa boa, pelo menos enquanto não entram em funcionamento os novos
terminais que deveriam estar prontos para a Copa.
O Brasil, como nação, perdeu uma grande oportunidade de se
mostrar ao mundo como capacitado a realizar grandes eventos como uma Copa ou as
Olimpíadas. Só havia uma razão para o governo brasileiro batalhar por essa
realização, e por isso a China realizou as Olimpíadas de 2008, a África do Sul
realizou a Copa em 2010 e a Rússia vai ser a sede da Copa de 2018.
Todos esses países que formam os Brics têm como objetivo
ganhar espaço político no mundo multipolar, e o Brasil estava no caminho certo
ao pleitear a Copa e as Olimpíadas quase ao mesmo tempo. Mas perdeu sua grande
chance ao não se dedicar à organização e ao planejamento desses eventos
planetários com a prioridade devida. Valeu mais para o governo Lula ganhar a
disputa pela realização deles do que a realização em si.
Resta agora torcer para que, mesmo dentro de condições
mínimas, corra tudo bem neste próximo mês. Mas o que o mundo está vendo nestes
momentos pré-Copa não faz bem à imagem do país. Até índios dando flechadas em
plena Esplanada dos Ministérios em Brasília apareceram nas televisões
internacionais, reforçando estereótipos. A questão é que grupos oportunistas,
que querem aproveitar a Copa para fazer chantagem, fazem greves, pedem aumentos
abusivos, interrompem o trânsito.
Mesmo um grupo pequeno consegue hoje interromper o trânsito
nas grandes metrópoles, parando as cidades. E há ainda grupos minoritários de
vândalos, ou de black blocs, que fazem uma campanha contra a Copa que
absolutamente não envolve a maioria do povo.
O sentimento geral é de crítica ao governo, que não cumpriu
o que prometeu, atrasou tudo, mostrou ineficiência. As pessoas suspeitam de que
houve muita corrupção nas obras da Copa, mas todas essas são críticas
específicas, ninguém é maluco, a esta altura, de achar que o melhor é que não
tenha Copa.
Pode-se até achar que não deveria ter Copa, que o governo
deveria, em vez de ter batalhado para sediá-la, não ter colocado isso na sua
pauta, não deveria ser objetivo prioritário para um país pobre, necessitado de
muitas coisas. Mas, já que fez, não há sentido em querer boicotar a Copa, é
coisa de minorias.
Misturar política com Copa do Mundo, e aproveitar a situação
para tirar proveito próprio ou político, é atitude criticável. Mas o governo
também precisaria atuar com mais decisão desde sempre, no relacionamento com os
chamados movimentos sociais , para evitar os abusos que estão acontecendo hoje.
Agora, diante da realidade que o populismo não conseguiu
controlar, é preciso montar esquemas de segurança menos falhos, cumprir pelo
menos a sua parte agora, já que a parte dos chamados legados da Copa está
prejudicada pelos atrasos nas obras.
Pelo menos agora o governo tem que montar um esquema para
garantir a segurança das pessoas e das delegações, dos mandatários que vêm ver
os jogos. Mais uma demonstração de ineficiência do esquema oficial foi vista na
saída da delegação brasileira para Teresópolis, quando professores em greve
chegaram a atacar o ônibus com os jogadores da seleção brasileira dentro.
Não importa se a culpa é do governo federal ou dos governos
estaduais e até municipais, esse inferno de várias esferas de poder que o
secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, experimentou. O fato é que o país
perdeu uma grande chance de se mostrar ao mundo como uma potência emergente
devido a seus próprios defeitos, turbinados pelo populismo no poder.
A constatação não decorre de complexo de vira-lata, mas, ao
contrário, da rejeição da fantasia marqueteira de um governo que vende um país
que não existe, em vez de tentar mudar sua realidade. E que agora, depois do
leite derramado, quer usar o patriotismo como refúgio de seus próprios erros.
Fonte: A Verdade Sufocada
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