A maioria dos
integrantes do Supremo Tribunal Federal aproveitou a sessão convocada para
deliberar sobre o processo de impeachment para revogar o equilíbrio entre os
Poderes. Na cabeça de oito dos 11 bacharéis em Direito indicados pela
Presidência da República e aprovados pelo Senado depois de uma sabatina com
cara de chá de senhoras, os três Poderes são independentes, mas só o Judiciário
não é dependente de outro. Já o Executivo e o Legislativo dependem do que dá na
telha do Poder que manda nos dois e não obedece a nenhum.
Declamando criativas
interpretações de normas constitucionais, verbetes de dicionário e citações em
Latim, o bloco majoritário fez o diabo. Prorrogou por tempo indeterminado a
sobrevida da presidente agonizante, redesenhou o Congresso para subordinar a
Câmara do renegado Eduardo Cunha ao Senado do patriota Renan Calheiros,
rebaixou 513 representantes do povo a capinhas de 81 representantes das 27
unidades federativas e deixou claro que, sem o endosso dos senadores, decisões
dos deputados valem tanto quanto palpites da mulher do cafezinho. Fora o resto.
Não faz tanto tempo
assim que os ministros eram escolhidos entre os melhores e mais brilhantes, e
efetivamente compunham o corpo de elite do universo jurídico brasileiro. Também
assolado pela Era da Mediocridade, o STF foi ficando parecido com os vizinhos
de praça. Com o advento da Era da Canalhice, o estrago foi consumado pela
aplicação ostensiva do parágrafo único adotado pela seita lulopetista para
preencher vagas no STF: a escolha deve atender aos interesses do Planalto.
Ponto.
Só podia dar no que
deu. Ainda que se disfarçassem de turista em dia de visitação pública ao prédio
em Washington, certos juízes seriam barrados na portaria da Corte Suprema
americana. Lá o esquema de segurança é severo com figuras esquisitas, e isso é
o que não falta na similar brasileira. Essa gente de toga fala muito, e fala
coisas estranhas. Escreve demais. e escreve coisas tão difíceis que nem sobra
tempo para pensar, conversar com gente normal, saber o que vai pelo Brasil de
verdade, em tudo diferente da Pasárgada onde moram e decidem o que pode e o que
não pode, o que é certo e o que é errado.
Um ministro do STF
não precisa afligir-se com o desemprego em expansão nem com a inflação
descontrolada. Não sucumbe a surtos de indignação quando confrontado com as
cifras da roubalheira ou com os devastadores efeitos da incompetência. Não
chega a perder o sono com a desfaçatez da seita que pariu a maior crise da
história republicana. Nunca tem pressa: entre o começo e o fim da sessão, por
exemplo, mais 5 mil trabalhadores foram demitidos, mas os sábios supremos
seguiram escandindo sílabas como quem está desvendando o mistério da Santíssima
Trindade. Eles ignoram que a paciência da plateia acabou.
“Japona não é toga”,
lembrou em outubro de 1964 o então presidente do Senado, Auro Moura Andrade,
para barrar a investida autoritária de chefes militares dispostos a violentar a
Constituição. Com quatro palavras, Auro ensinou que cabia ao Supremo Tribunal Federal,
não às Forças Armadas, lidar com questões constitucionais ─ pela simples e boa
razão de que general não é juiz. É hora de
inverter a ordem dos substantivos para adaptar a frase aos tempos
modernos ─ e transformá-la em advertência aos oniscientes de araque.
Antes que tentem
proclamar a Ditadura do Latinório, os superdoutores precisam aprender que toga
não é japona. A lição será assimilada em poucos segundos se for ministrada
durante as manifestações que a portentosa oposição real está devendo a si
mesma. A voz das ruas também cura surdez seletiva.
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