"Não posso subestimar a inteligência alheia. Não
posso
conceber que uma pessoa que chegue a um cargo como
o de presidente da
República permaneça alheia ao que
está ocorrendo"
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Em entrevista ao Correio, magistrado fala sobre a solidão da
presidente, a operação Lava-Jato, os 25 anos de atuação no Supremo e da paixão
pelo Flamengo
Ele não parece se incomodar quando os desafetos o chamam de “voto vencido”. Até
a Wikipédia o define assim, numa referência às decisões solitárias tomadas em
julgamentos. “Sou voto vencido também em casa. Não há hierarquia. Ela manda”,
brinca Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, fazendo
referência à esposa, a desembargadora Sandra de Santis, mãe de seus quatros
filhos.
O ministro não se importa de ficar sozinho nos julgamentos, mas não gostaria de
estar no lugar da presidente Dilma Rousseff. Para Marco Aurélio, a chefe do
Executivo foi abandonada por todos, inclusive pelo próprio partido, em meio à
crise decorrente das denúncias da Operação Lava-Jato. “Ela está muito isolada,
e isso não é bom institucionalmente”, acredita o ministro.
Embora a considere honesta, Marco Aurélio duvida que negociatas e desvios de
recursos da Petrobras tenham ocorrido sem um conhecimento mínimo da presidente
Dilma, que comandou o conselho de administração da empresa hoje envolvida no
escândalo.
Há 25 anos no STF, o carioca de 68 anos manifesta sua preocupação com a
situação do país. Eloquente, polêmico e sistemático com horários e
compromissos, ele quer ser julgado pela história como “servidor”. O ministro
recebeu a reportagem do Correio em sua casa, no Lago Sul.
Sobre as recentes declarações do ex-presidente Lula, observa: “O criador está
arrependido da criatura”. Antes de começar a entrevista, o ministro classificou
de “trepidante e equivocada” a disposição do presidente da Câmara, Educardo
Cunha, de votar à força a maioridade penal. Ligado o gravador, Marco Aurélio
disse que há certa banalização nas prisões da Lava-Jato, e falou de reajuste
dos servidores, magistratura e futebol. Sobre este último ponto, Marco Aurélio
enfrenta dissabores profundos com o Flamengo, time do coração. “É muito
sofrimento”, lamenta o fanático rubro-negro.
Já há uma ideia de quando a sociedade verá um desfecho das denúncias da
Lava-Jato?
Para o leigo, a leitura é péssima. Qual é o fenômeno que está ocorrendo? Na
primeira instância, no Paraná, já há processos sentenciados, e no Supremo nós
não temos sequer ação penal. Vai explicar ao contribuinte. Parece que nós
estamos passando a mão na cabeça.
Os empresários estão presos e os políticos ainda não foram denunciados. Isso
confunde o cidadão?
É um problema seriíssimo. A população carcerária provisória chegou praticamente
ao mesmo patamar nas masmorras — para usar uma expressão do ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo — da população definitiva. Alguma coisa está
errada, porque está na Constituição o princípio da não culpabilidade. Enquanto
não houver decisão condenatória já preclusa na via dos recursos, temos que
presumir que há não culpabilidade. Mas dá-se uma esperança vã à sociedade, como
se fôssemos ter dias melhores prendendo de forma açodada, precoce, temporã.
Há exagero nas prisões?
Não conheço as premissas lançadas pelo meu tão elogiado colega Sérgio Moro para
prender o presidente da Odebrecht, para prender o presidente da Andrade
Gutierrez. Não é que eu ache exagero. É que se está generalizando a prisão.
Qual é a ordem natural? Apurar para, selada a culpa, prender-se em execução da
pena. É como o problema da inidoneidade das empresas. Que empresas tocarão as
obras? Aí, de duas, uma: ou não teremos a sequência das obras ou, então, essas
empresas constituirão outras, mudando apenas a nomenclatura para continuar
contratando com o Estado. As empresas estrangeiras virão para o Brasil com essa
instabilidade? Não. Com a morosidade da Justiça, com a insegurança jurídica,
com o Ministério Público no calcanhar, como às vezes fica... É um problema
sério. Ou, então, para-se o Brasil para um balanço.
"Não sei a quem ela (Dilma) ouve, mas está
superisolada.
Por exemplo, o grau de aprovação caindo, chegou a 9%"
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Mas está precisando, não está?
Olha, a Sandra, diante do excessivo rigor na preventiva, diz: “Mas também a corrupção
chegou a um ponto...” Aqui em casa sou voto vencido.
Como é esse debate em casa, o senhor sendo ministro do Supremo e ela,
desembargadora?
Em primeiro lugar, não há hierarquia. Ela manda (risos). Em segundo lugar, as
cabeças são totalmente diferentes. Sob a minha ótica, ela é mão pesada. Ela é
juíza criminal, presidiu o Tribunal do Júri durante muitos anos. É mais
rigorosa e eu sou mais de buscar, sob a minha ótica, pode ser que eu esteja
errado, a prevalência da ordem jurídica. Mas nós não conversamos muito (sobre
os processos). Às vezes, ela me pergunta e eu respondo de supetão. Quando a
minha resposta não agrada, ela diz: “Você não refletiu”. Se agrada, ela bate palmas.
O senhor é voto vencido também em casa?
Em casa, ela acha que tem que prender mesmo. Prende e arrebenta.
Ela concorda com as decisões do Sérgio Moro?
Concorda. Eu acho que alguma coisa está errada. Não posso imaginar que todas
essas delações, principalmente delação que parte de alguém que está entre
quatro paredes, sejam espontâneas. Claro que o pessoal está colocando a barba
de molho por causa dos 41 anos (de pena) de Marcos Valério.
O mensalão é um marco para novos julgamentos?
Sabe qual foi a grande virtude dessa decisão? Foi mostrar ao povo que a lei
vale para todos, banqueiros, empresários, um ex-chefe do gabinete civil...
E as pessoas esperam a mesma coisa agora?
Todos nós estamos muito curiosos para conhecer o conteúdo das delações que
ainda não se tornaram públicas.
Qual é a força dessas delações?
A lei de regência pressupõe a utilidade, colaborando para a elucidação dos
fatos. E de acordo com essa utilidade é que será minimizada a pena a ser
aplicada. Não quer dizer que o delator será absolvido.
É possível confiar na palavra de um delator?
O ônus é de quem acusa. Aí surge um problema, um princípio básico: a palavra do
corréu não serve para respaldar a condenação. Os delatores são corréus. A
delação não é um testemunho. O lado positivo da delação é que avança na
elucidação de alguns fatos, mas a delação precisa ser espontânea. Não posso
prender alguém para fragilizá-lo e conseguir que ele entregue as pessoas.
O que o senhor achou da declaração da presidente Dilma sobre comparar
delator de agora com os dos tempos da ditadura?
Prefiro a ênfase que ela deu à mandioca. Sabe que eu gosto muito de uma
mandioca? Tenho plantada em casa. E é maravilhosa, é muda da Embrapa. É uma
mandioca muito boa. A Dilma nunca comeu mandioca aqui em casa.
"Não posso imaginar que todas essas delações,
principalmente
delação que parte de alguém que está entre quatro paredes,
sejam
espontâneas"
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O senhor a convidaria?
Convidaria. Eu não queria estar na pele da presidente. Isolada do jeito que ela
está e envolvida pelo sistema. Eu a tenho como uma pessoa honesta.
O que pode acontecer, na sua opinião?
Pode acontecer tudo. Para mim, cidadão, pela experiência que tenho, pior do que
a crise econômica, financeira, é a crise política atual, que é muito,
muitíssimo séria.
O procurador-geral da República pretende manter no Supremo todos os
processos envolvendo políticos, mesmo os sem foro... Vai ser o debate do
mensalão sobre desmembrar ou não?
É outra coisa também que não compreendo, uma no cravo, outra na ferradura. Aí
se diz que neste caso é conveniente que se tenha no mesmo órgão, detentores da
prerrogativa e cidadãos comuns. Isso não pode ocorrer. Por quê? Porque a nossa
competência é de direito estrito. É o que está na Constituição Federal. Uma
norma processual comum, como é a norma do Código de Processo Penal sobre
conexão ou continência, que é ter-se vários acusados, não pode alterar a
Constituição Federal. Eu, por exemplo, quando recebo o inquérito, a ação penal,
a primeira coisa que olho é se todos os investigados ou acionados têm a
prerrogativa. Não tendo, eu desmembro na hora e aguardo o agravo regimental.
Levo para o colegiado e o colegiado decida como quiser.
O critério é quem tem mandato vai para o STF, quem não tem fica na primeira
instância?
Sim. E sou contra a prerrogativa de foro, porque não julgamos o cargo. Ninguém
é insubstituível. Julgamos o cidadão. Por mim, todos seriam julgados lá na
pedreira, na primeira instância.
No caso do juiz Sérgio Moro é pedreira mesmo?
Haja pedra...
Da redemocratização para cá, o senhor vê um momento tão conturbado? Podemos
comparar a época do governo Collor ao que vivemos agora?
Penso que o quadro é muito pior. Pela corrupção generalizada. Sempre tivemos,
desde que o mundo é mundo, a corrupção. Mas não dessa forma, linear, que todos,
pouco importando a estatura do cargo, querem ganhar. É algo incrível. Agora
mesmo, eu estava ouvindo o jornal de 13h, dizendo que já conseguiram recuperar
R$ 700 milhões e não houve “hasta pública” (leilões de bens) até aqui. É em
pecúnia, em espécie! E parece que chegaremos já a R$ 1 bilhão. E o prejuízo
dado à Petrobras seria de R$ 19 bilhões. Algo que não conseguimos nem pensar.
Sabe o que é mais triste? Lá atrás, na eleição do presidente Lula, acreditamos
que havia um partido. Um partido ético, voltado a corrigir as desigualdades
sociais que nos envergonham. Mas, a decepção é incrível. De quantos anos vamos
precisar para corrigir isso? Para recuperar valores? Não sei.
Como o senhor vê a participação do ex-presidente Lula dizendo que o PT tem
que mudar?O criador arrependido quanto à criatura.
Mas o que se diz é que ele não está sendo investigado.
Não conheço o que há em termos de delação, e o que se diz é que ele não está
sendo investigado mesmo. Agora, o desgaste, inclusive para ele, político, em
termos de cidadania, é enorme.
Que saída o senhor vê para essa crise? A presidente Dilma tem condições de
recuperar a credibilidade?
Ouvi outro dia um político muito experiente falar em algo que não é da nossa
cultura: parlamentarismo. E o primeiro ministro seria, já com um poder maior do
que tem agora, o vice-presidente Michel Temer. Agora, três anos e cinco meses
com o governo precisando adotar medidas antipáticas. Não sei qual é a solução.
Quando o senhor fala em isolamento, o senhor acha que o próprio partido já a
abandonou?
Acho. Tivemos, nas discussões travadas na Câmara, a revelação disso. Um partido
de oposição diz não, não vamos votar enquanto o partido da situação não se
definir. Vai ficar dando uma de mineiro, em cima do muro? Acho que ela está
muito isolada e isso não é bom institucionalmente. Muito, mas muito isolada. E
até certo ponto, há uma ultrapassagem de limites para uma retaliação em certas
matérias.
Por exemplo?
A PEC da Bengala. Fiquei contentíssimo, meu sentimento foi duplo. Alegria por
continuar fazendo o que gosto, o que eu amo fazer, e tristeza porque aprovaram
na base da retaliação. Tenho que admitir, não sou ingênuo. Aprovaram na base da
retaliação mesmo! Ela (Dilma) teria a possibilidade de nomear para o Supremo um
grande número de ministros e, para o STJ, o TST, outro número. A cadeira tem
uma importância enorme. Muitos rendem homenagens, muito mais à história da
cadeira do que à pessoa que a está ocupando. Hoje, não se tem apego a qualquer
valor. Eu não queria estar na pele dela.
Marido e mulher, Marco Aurélio e Sandra de Santis
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Por quê?
Não sei a quem ela (Dilma) ouve, mas está superisolada. Por exemplo, o grau de
aprovação caindo, chegou a 9%. Não é brincadeira. O que está ocorrendo agora,
em termos de comemoração dos meus 25 anos de Supremo, me estimula. Recarrega
incrivelmente minhas baterias. Agora, imagina o contrário? Nós somos humanos. O
tempo todo a pessoa sendo fustigada por todos os lados? É algo incrível, porque
você tem, de um lado, a necessidade de um Legislativo se fortalecer para não
estar atrelado como esteve até aqui ao Executivo.
Não houve. Você entra numa dinâmica tão grande que se acostuma, não há momentos
muito delicados.
Mas há um grande tema que o senhor julgou, que marcou? O mais crítico foi
Cacciola (o habeas corpus que liberou o banqueiro, antes da fuga)?
Não, Cacciola foi um habeas corpus e reafirmei no plenário o que fiz
anteriormente, que havia um processo crime, com cerca de 13 envolvidos, e
apenas ele preso. E a base maior para a custódia seria o fato de ele ter dupla
nacionalidade. Então, qualquer estrangeiro residente no Brasil acusado teria
que ser preso, a prisão seria automática. Agora, há um detalhe interessante:
ele praticamente já cumpriu a pena. E os outros condenados, inclusive um
ex-presidente do Banco Central, o Francisco Lopes, onde estão? Onde está essa
sentença? Não sei. Nunca foram punidos, nem provisoriamente.
Esse foi talvez o momento crítico para o senhor?
Você vai com o tempo criando uma couraça para críticas. O juiz sempre está a
contentar uma parte e descontentar outra. E nem sempre o juiz está com a
maioria. Ele, às vezes, é contra majoritário. Não busco nem aplausos. Quando a
minha decisão coincide com os anseios da sociedade é maravilhoso, mas, quando
não coincide, você tem que atuar segundo a ciência e a consciência possuídas.
O fato de o senhor ser voto vencido o incomoda?
Não. Eu estava vendo o livrinho do Supremo (dos 25 anos). Tem uma fala do
ministro Peluso (Cezar Peluso) quando completei 20 anos de STF. Ele diz que eu
saio com a mesma expressão que entrei na sessão. Integro um colegiado. Não
disputo coisa alguma em votações verificadas, muito menos supremacia
intelectual. Às vezes, acredito até no juízo da maioria (risos).
O seu temperamento não é de tentar impor o voto?
Não. As minhas participações são relâmpago. Às vezes, incomodo. Reconheço que
incomodo. Por exemplo, no plenário, não conheço o instituto da ressalva. Eu
penso uma coisa, mas não adiro, porque a maioria pensa de outra forma. Não
reconheço. Quando cheguei ao Supremo, era um tabu divergir do presidente. O
presidente leva um agravo, você levantar um dedo para divergir… O presidente é
um igual. É um simples coordenador.
Como o senhor gostaria que a história o julgasse?
Como um servidor. Uma pessoa que buscou servir com pureza da alma. Sou humano.
A Justiça, obra do homem, será sempre passível, não sou o dono da verdade.
Agora, o que se espera em um colegiado é que cada qual se manifeste segundo a
compreensão da matéria que esteja em mesa. Isso é colegiado. Se não, teria uma
voz única. Não se teria uma turma, um plenário. E, enquanto eu estiver por aqui,
será assim, e me divertindo.
Acha que é justa a forma de nomeação dos ministros do Supremo?
Costumo responder revelando o que ocorre na América: por que lá funciona e aqui
durante muito tempo não funcionou, principalmente a questão da sabatina, que era
encarada como algo pró-forma? Sem crítica ao Senado, quando fui indicado, era
ministro do TST havia oito anos, tinha sido juiz no Rio, tinha sido do
Ministério Público. Preocupadíssimo, levei o meu currículo aos integrantes da
Comissão de Constituição e Justiça e fui para a comissão para ser sabatinado. O
presidente apressava os senadores porque haveria uma sessão conjunta. É
brincadeira.
Seus críticos usaram o fato de o senhor ter sido nomeado pelo presidente
Collor, seu primo. Isso já lhe incomodou em algum momento?
Não. Cheguei ao Supremo em 1990 com uma trajetória. E vim manter contato com o
presidente Fernando Collor quando ele já era deputado federal aqui em Brasília.
Ele sempre viveu mais em Brasília e Alagoas. Tio Arnon era senador. Minha
família, no Rio. No governo do presidente Sarney, meu nome surgiu apoiado pela
comunidade jurídica trabalhista para três vagas. Mas, àquela altura, eu tinha
como primo o maior desafeto do presidente Sarney. Depois, surgiu um problema
seriíssimo, porque o presidente Collor tinha como bandeira o combate ao
nepotismo. Como nomear um primo? O que fez o Planalto, e foi aí um ato de
mestre? Dois ofícios: um ao STJ, questionando quem seria candidato, o
presidente respondeu que todos. O meu tribunal (o TST) reafirmou que o nosso
candidato era o ministro Marco Aurélio. Aí Collor ficou à vontade para me
nomear.
O senhor já ocupou a Presidência algumas vezes. O que o senhor faria se
estivesse no lugar da presidente Dilma?
Primeiro, evitaria chegar a esse momento. Agora, atuaria. Não cruzaria os
braços, não me acomodaria. E é o que ela vai fazer. Ela vai continuar atuando.
Nessa questão dos servidores do Judiciário, ela vai vetar. Vai deixar o
problema de derrubar o veto com o Congresso.
Acredita numa negociação para reduzir o percentual?
Mas, em cima da lei que já assegura o direito? E os servidores entrando em
juízo a partir da lei? Vai ser a Babel se fizerem uma negociação porque o
sindicato da categoria não vai aceitar.
O governo se propunha a conceder até 21%...
Mas eu acho que 21% não cobririam as perdas. Se você cotejar a remuneração do
Judiciário com a remuneração do Executivo, a do Judiciário está acima. Com o
Legislativo, não. O Legislativo é o céu.
O senhor é favorável ao auxílio-moradia para o Judiciário?
O subsídio foi criado para haver uma parcela única. Já avisei à minha mulher,
que está recebendo — eu não recebo, porque são dois juízes morando na mesma
casa e os dois não podem receber. Eu já disse a ela: Bateu no plenário, vou
concluir pela inconstitucionalidade, porque a administração pública se submete
ao princípio da legalidade estrita. Enquanto o particular pode fazer tudo o que
não estiver proibido em lei, o administrador só pode fazer o que está na lei.
Mas a coisa já ficou generalizada. Agora criaram a acumulação. Se o juiz atua
em dois órgãos no tribunal, tem direito a um plus. Estamos voltando ao passado,
de remuneração com acumulação de diversas parcelas.
O senhor falava da presidente Dilma, falou do presidente Collor. Que
diferença o senhor vê entre a classe política de 20 anos atrás e a que temos
hoje?
Os interesses paroquiais cresceram muito. O que é ruim, o que é péssimo. É
aquela história de assumir um cargo não para servir, mas para se servir do
cargo. Desta ou daquela forma, não importa, não é só a prata. Há uma outra
forma, que é muito pior, segundo o padre Antônio Vieira, de se implementar a
corrupção, que é a corrupção dissimulada. E aí, a corrupção latu sensu, pegando
a contrariedade ao interesse público.
Durante o mensalão, a grande pergunta era se o presidente Lula sabia daquilo
tudo. O senhor acha que a presidente Dilma sabia de tudo?
Não posso subestimar a inteligência alheia. Não posso conceber que uma pessoa
que chegue a um cargo como o de presidente da República permaneça alheia ao que
está ocorrendo. Quando me perguntaram em São Paulo, eu disse: O presidente é um
homem muito safo. Usei até essa expressão. É o tipo da coisa, o presidente da República
de então foi um grande chefe de Estado. Ninguém viajou tanto quanto ele ao
exterior, mas foi chefe de governo também. A presidente Dilma, a mesma coisa. E
se dizia que ela seria a grande executiva. Aí, é que falo que o comprometimento
dela está em ter se permitido ser envolvida pelo sistema. Não estou dizendo que
seja desonesta, não estou dizendo e nem acredito que ela tenha tido vantagem
pessoal. Mas não posso conceber que ela, presidindo o conselho diretor da
Petrobras, não tivesse conhecimento de certas coisitas, para falar o mínimo.
Delatores têm dito que houve doações legais por meio de chantagem. Como se
julga isso? É corrupção?
Todos nós temos freios inibitórios e precisamos mantê-los rígidos. Se não
mantiveram, é porque tiveram interesse em não manter. Essa história agora é
como a lei da escravatura: é para inglês ver.
Numa lista, o Flamengo está em que lugar?
14° (risos). O Flamengo compõe a parte do divertimento. E muito sofrimento. Não
queiram saber como me arrependo quando paro duas horas para ver um jogo como
Flamengo e Vasco. Não me envolvi, por exemplo, com os jogos da Seleção porque
ela deixou há bastante tempo de empolgar. Não me refiro apenas ao 7 x 1.
Foi ao Mané Garrincha?
Fui e tive o desprazer de ver aquela vaia dada à presidente na abertura da Copa
das Confederações. Fiquei constrangido como brasileiro. Ali já foi uma
sinalização muito forte do que estaria no horizonte.
O senhor seria um bom engenheiro, como seu pai queria?
Minha mulher diz que eu seria um bom militar.
Que conselhos que o senhor daria para esses jovens que querem seguir a
profissão?
Primeiro, que o aperfeiçoamento é infindável, o saber será sempre uma obra
inacabada. Pobre de espírito é aquele que acha que não precisa mais de aporte
no campo do conhecimento. Segundo, ler o que puderem ler e cuidar da formação
humanística, porque o direito é feito para os homens e não os homens para o
direito. E eu digo que, para quem julga, mais importante do que a formação
técnica, que se imagina que tenha, é a formação humanística. Como você
aprimora? Na convivência, no relacionamento, lendo romance. Por que romance?
Porque há conflitos, você adota posição, aguça a sensibilidade.
O senhor tem esperança de que a situação do país melhore?
Há uma inversão de valores, mas são tempos alvissareiros, porque já não se
varre para debaixo do tapete, graças a uma imprensa livre como a que nós temos.
Se há algo democrático, por excelência, é a imprensa. Graças também à atuação
da polícia, especialmente a federal, do Ministério Público e da magistratura,
nós podemos ter esperança daquele Brasil sonhado, ou seja, é tempo que
preocupa, mas que sinaliza correção de rumos. Temos que passar por isso para
evoluir.
Como o senhor viu a emenda aglutinativa da maioridade penal? Foi a primeira
vez?
De certa forma, tivemos aquela saída do então líder do PMDB na Câmara, Michel
Temer, na reforma da Previdência (governo Fernando Henrique Cardoso). E
reafirmei esses dias o que disse no passado, quando dei a liminar (suspendendo
a votação). Não estou prejulgando. A Constituição Federal é muito clara ao
dispor que, rejeitada ou declarada prejudicada certa matéria, a reapresentação
só pode ocorrer na sessão legislativa seguinte. É o parágrafo quinto do artigo
60, que está em bom vernáculo e bom português. Agora, parece que a tendência é
vingar o jeitinho brasileiro.
Isso o preocupa?
Toda vez que há um desprezo à Lei das Leis, nós temos preocupação. Não se
avança culturalmente assim. Não pode prevalecer o critério de plantão. O que
tem que prevalecer é a Constituição. Entretanto, é cedo para falarmos qualquer
coisa. Ainda temos a segunda votação. Quem sabe haja um arrependimento eficaz?
E temos o Senado. De qualquer forma, se prosseguir o quadro, há a última
trincheira, que é o Supremo. Naquela época da reforma da Previdência, surgiu
uma nova proposta com a aglutinação. Pegararam pedaços, mas a matéria era a
mesma. Agora é a mesma. É redução da maioridade. Que redução? Pouco importa. A
Constituição se refere ao gênero matéria. Não ao texto. Naquela época eu dei a
liminar e o pleno saiu pela tangente dizendo que não cabia. Mas, o homem
(Eduardo Cunha) é um craque, hein? Se ele não estivesse numa idade mais
avançada, eu ia sugerir a contratação pelo Flamengo (risos).
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