Com a trágica morte de Eduardo Campos, que altera
repentinamente todo o cenário eleitoral brasileiro, vem à mente reflexões sobre
o quão imprevisível é a história e o futuro. Há sempre aqueles que tentam
abraçar algum tipo de determinismo, de teoria que deixa de fora o acaso, o
imponderável. O próprio marxismo caiu nessa tentação, a despeito do uso do
termo “científico” ao lado de socialismo.
Resgato, para contribuir com tais reflexões, um texto em que
coloco em xeque todos os “profetas”, justamente para reforçar a ideia de que o
destino, ninguém conhece!
A profecia de Nostradamus
“O primeiro adivinho, o primeiro profeta foi o primeiro
embusteiro que encontrou um imbecil.” (Voltaire)
A mente humana costuma partir em busca de confirmações de
suas teorias mais do que em busca de fatos ou argumentos que derrubem essas
teorias. Focamos mais nos acertos que nos erros. Faz parte da natureza humana,
e é preciso um exercício constante, que exige esforço e atenção, para evitar
essa tentação. As teorias conspiratórias, em especial, conquistam ainda mais, e
qualquer pseudo-evidência é suficiente para que se tenha convicção dela. Por
estas razões é que, na ciência, se busca refutar as hipóteses levantadas, em
vez de confirmá-las.
Como diz Karl Popper, “não importa quantos cisnes brancos
você veja ao longo da vida; isso nunca lhe dará certeza de que cisnes negros
não existem”. Para provar a teoria de que existem apenas cisnes brancos, é
necessário buscar cisnes de outras cores, e não confirmar que só conhecemos
cisnes brancos. Basta um cisne preto ou de qualquer outra cor para derrubar a
teoria toda. Os “profetas” costumam explorar a tendência humana de evitar tal
postura, e ainda abusam de linguagem ambígua e vaga, justamente para que os
crédulos possam ajustar os fatos às suas profecias.
Nostradamus é um grande exemplo disso. Sua fama de profeta
com capacidade premonitória se alastra até os nossos dias, e, no entanto, seu
histórico de “acertos” é sofrível. Nostradamus nasceu em 1503, e recebeu
licença para praticar a medicina em 1525. Entretanto, parece que ele se sentiu
mais inclinado ao ocultismo. A principal fonte de suas inspirações mágicas
teria sido um livro intitulado De Mysteriis Egyptorum. Os versos de seu livro
Profecias são escritos em estilo tortuoso e obscuro.
Para evitar perseguição, sob a acusação de feitiçaria,
Nostradamus alega ter misturado deliberadamente a seqüência cronológica das
profecias, de modo que seus segredos não fossem desvelados aos não-iniciados.
As roupas transparentes do imperador, não custa lembrar, só podem ser vistas
pelos inteligentes. Quem não consegue ver é culpado de burrice. Nostradamus
conseguiu fama com extraordinária rapidez pela França e toda a Europa, lembrando
que a maior parte da população era analfabeta. As críticas partiam sobretudo
dos médicos, que acusavam Nostradamus de estar aviltando sua posição
profissional. Não é difícil entender o motivo.
Mas Nostradamus conseguiu coisas que os demais médicos não
tinham acesso. Durante os dois últimos anos de sua vida, por exemplo, a
proteção real garantiu a Nostradamus uma existência repleta de favores e
honrarias. Além disso, Nostradamus conseguiu bons lucros com seus “dons”.
Nostradamus teria dito: “Deus imortal e os anjos bons concederam aos profetas o
poder da predição”. Mas, curiosamente, sua capacidade de conhecer o passado era
bem limitada. Tomando por base os dados da Bíblia, Nostradamus fez cálculos e
chegou à conclusão de que o mundo existia desde 4.757 anos antes do nascimento
de Cristo.
Quando é para acertar algo que já aconteceu e que temos como
checar de forma objetiva, o profeta não passa de um adivinhador qualquer, que
erra feio. Quando se trata de presságios, são sempre sombrios, prevendo desgraças,
e de forma totalmente vaga, para permitir que as vítimas adaptem o máximo
possível os fatos a estas profecias. A natureza humana costuma ser atraída por
previsões catastróficas, que mexem com o temor pela morte. O Apocalipse bíblico
é prova disso. As projeções de Malthus também. O Armagedon assusta, e por isso
conquista.
Se alguém resolver perder algum tempo lendo algumas
profecias de Nostradamus com um olhar mais crítico, verá que não dizem
absolutamente nada de concreto, que possa ser checado de fato. São previsões
totalmente vagas, como esta: “O líder terceiro cometerá atos mais execráveis
que Nero. Quanto sangue de pessoas valentes fará correr! Ele reerguerá os
fornos do sacrifício. A ‘Era de Ouro’ é uma era de morte. O novo potentado é um
escândalo”.
O que isso realmente quer dizer? Vários intérpretes
atribuíram esses versos à Revolução Francesa. Alguns acham que ele falava de
Hitler. Mas a questão é: ele realmente diz algo objetivo que possa ser julgado
honestamente? Claro que não. Podemos forçar um pouco aqui, espremer um pouco
ali, e adotando os conceitos que nos interessam, concluir que Nostradamus era
um grande profeta, que sabia o que iria ocorrer séculos à frente. Não é mais
emocionante? Sem dúvida. Mas não quer dizer que seja mais verdadeiro…
Quase todas as suas “profecias” vão à linha de catástrofes,
antecipando guerras, mortes, desgraças e assassinatos. Como se Nostradamus nem
vivesse numa época onde tais desgraças eram parte do cotidiano! Minha dúvida é
porque ele, com tanto poder, não foi capaz de antecipar coisas realmente
inusitadas para a sua época. Já pensou se o “profeta” diz, com todas as letras,
que uma inovação tecnológica chamada Internet irá revolucionar o mundo,
reduzindo absurdamente a distância entre as pessoas?!
Isso sim seria algo que chamaria a minha atenção. Mas ficar
prevendo guerras e assassinatos, de forma totalmente abrangente, até uma
criança é capaz. E não faltarão crédulos desesperados para crer, que darão um
jeito de filtrar os fatos de forma a encaixar nestas profecias. Nostradamus não
foi o primeiro, tampouco o último a explorar essa fraqueza humana. Como
Voltaire disse, “o mundo esteve cheio de sibilas e de Nostradamus”. Segundo o
filósofo, somente o Corão conta duzentos e vinte e quatro mil profetas!
Ainda hoje, mesmo com todo o avanço do conhecimento humano,
que reduziu bastante a ignorância na qual estava mergulhado o mundo de
Nostradamus, não são poucos os profetas que fazem previsões fantásticas sem
compromisso algum com a realidade. Tem profeta para todo tipo de gosto – e de
bolso. Tem aqueles que jogam pedras, viram as cartas, observam a borra do café,
lêem as mãos, apelam para a magia, observam os astros, enfim, inúmeras formas
diferentes para enganar mais um coitado desesperado por conforto.
Tem inclusive um profeta barbudo dos mais impostores que,
alegando utilizar o método científico, adotou o determinismo histórico e
antecipou o fim do capitalismo! Este profeta ainda conta com muitos seguidores,
totalmente dominados pelas emoções, como sempre acontece quando se trata de
profetas. Eles ainda esperam a profecia se realizar, mesmo que ela pareça cada
vez mais distante. No fundo, é o desejo de crer na profecia que torna o profeta
tão adorado. O que as pessoas desesperadas não fazem em busca de um pouco de
fuga da realidade!
Vide o mais famoso escritor brasileiro, chamado
pretensamente de “mago”, que chegou a afirmar que a magia era mais útil para
prever os acontecimentos econômicos do que os estudos dos especialistas.
Nostradamus fez escola. Aqueles que desejam acreditar focam apenas nos raros
acertos, ainda que previstos de forma vaga, e ignoram a grande quantidade de
erros. Como um bom advogado, o cérebro às vezes vai à busca apenas da
confirmação da tese inicial, não da verdade. Mas também como um bom advogado,
ele é mais admirável pela sua capacidade de realizar esta tarefa do que por sua
virtude.
A verdade é sacrificada pelos interesses imediatos. Enquanto
existirem crédulos ingênuos, iremos conviver com profetas. Pelo que podemos
presumir, ainda vamos ter que aturar profetas por muito tempo… Eis a profecia
que faço!
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