Por Carlos I. S. Azambuja

Segundo Luis Alberto Lacalle, ex-presidente do Uruguai, “a
substituição dos partidos e do parlamento pelas ONGs aliadas aos meios de
comunicação é outro grande perigo (...) Carecem de legitimidade, mas interferem
no desenrolar dos assuntos públicos” (“As Ameaças à Democracia em nosso
Tempo”).
O texto abaixo, com críticas às atividades de ex-comunistas
- denominados de pós-marxistas– bem como aos vínculos desses pós-marxistas com
Organizações Não-Governamentais (ONGs) foi extraído do livro “Neoliberalismo: América
Latina, EUA e Europa”, de autoria do escritor marxista e professor de
Sociologia na Universidade do Estado de New York, James Petras. O livro foi
lançado no Rio de Janeiro em 20 de maio de 1999 pela Edifurb, com a presença do
autor. O texto não pode ser considerado, portanto, como mais uma matéria
produzida pela direita ensandecida com a finalidade de difamar a ideologia
científica e seus seguidores.
Escreveu James Petras que os intelectuais ex-marxistas, que
ele denomina de pós-marxistas, após a queda do socialismo real vêm criticando o
marxismo valendo-se de uma série de argumentos básicos. Uma crítica arrasadora
aos principais postulados do marxismo. Vejam:
- o socialismo foi um fracasso e todas as teorias gerais das
sociedades estão condenadas a repetir esse processo porque refletem um mundo de
idéias dominado por um único sistema racial/cultural/de gênero;
- a ênfase marxista colocada na classe social é
reducionista, porque as classes estão se dissolvendo e agora os principais
pontos de partida são culturais e enraizados em diversas entidades: raça,
gênero, etnia, preferência sexual;
- o Estado é um provedor corrupto e ineficiente de bem-estar
social. Em seu lugar, a sociedade civil é a protagonista da democracia e da
melhoria social;
- o planejamento centralizado leva à burocracia e é um
produto dela;
- a luta da esquerda tradicional pelo Poder estatal é
corruptora e leva a regimes autoritários, os quais subordinam a sociedade civil
ao seu controle;
- as revoluções sempre acabam mal: as transformações sociais
ameaçam provocar reações autoritárias. A alternativa é lutar pela consolidação
das tradições democráticas para salvaguardar os processos eleitorais;
- a solidariedade de classe faz parte das ideologias do
passado, refletindo políticas e realidadesantigas. Não existem mais classes;
- a luta de classes e o confronto não produzem resultados
tangíveis, provocam derrotas e não conseguem solucionar problemas imediatos;
- o anti-imperialismo é outra expressão do passado que
sobreviveu à sua época. Na economia globalizada de hoje não há possibilidade de
um confronto entre os centros econômicos.
Alguns pós-marxistas passaram a defender a idéia de que a
fonte de Poder está nos novos sistemas de informação, nas novas tecnologias e
naqueles que os gerenciam e controlam. A sociedade, segundo essa visão, estaria
evoluindo para uma sociedade de novo tipo, na qual os operários irão
desaparecendo em duas direções: para cima, integrando-se à nova classe média, e
para baixo, juntando-se à sub-classe marginal do trabalho informal.
Uma visão pessimista dos pós-marxistas relaciona o declínio
da Esquerda Revolucionária à queda do socialismo real no Leste, à crise do
marxismo, à perda de alternativas e ao vigor dos EUA. Todos esses argumentos
são mobilizados para instigar a Esquerda a apoiar o possibilismo, ou seja, a
necessidade de se trabalhar dentro dos nichos do livre-mercado impostos pelo
Banco Mundial e pela agenda de ajustes estruturais, para confinar os políticos
a esses parâmetros. Em suma, os pós-marxistas decidiram que as revoluções são
coisa do passado.
Explica James Petras que os possibilistas adaptaram-se ao
Neoliberalismo, aprofundando as suas políticas de livre-mercado, e muitos deles
impondo medidas novas e cada vez mais austeras para manterem o Poder, passando
à condição de eficientes e honestos gerentes do Neoliberalismo, capazes de
garantir a confiança dos investidores e de pacificar as inquietações sociais. A
luta de classes é encarada por eles como sendo um atavismo do passado que não
mais existe.
O anti-imperialismo, prossegue Petras, desapareceu do
vocabulário político dos pós-marxistas. A grande maioria dos ex-guerrilheiros
da América Central, ex-sandinistas e ex-farabundistas, tornaram-se políticos e,
agora, solicitam cada vez mais ajuda imperialista. Seus problemas não são mais
os investimentos estrangeiros, mas a sua ausência.
No entanto, grandes setores de trabalhadores e camponeses,
que antes estavam no mercado formal de trabalho, agora estão homogeneizados e
com uma mobilidade para baixo. Isso gera uma grande possibilidade de ação
revolucionária unificada. Em uma palavra: há uma identidade comum de classe que
se constitui no terreno para organizar a luta dos pobres.
Ainda segundo Petras – um marxista, recorde-se -, uma das
principais críticas dos pós-marxistasao marxismo é a noção de que o Poder
estatal corrompe e que a luta pelo mesmo é o pecado original. Eles argumentam
que isso se deve ao fato de que o Estado está tão distante do cidadão, que as
autoridades tornam-se autônomas e arbitrárias, esquecendo as metas originais e
visando os seus próprios interesses. Hoje, as políticas de ajuste estrutural
nos níveis nacional e internacional geram pobreza e desemprego, exaurindo
recursos locais e obrigando as pessoas a migrar ou a se envolver no crime.
Para legitimar seu papel, os profissionais pós-marxistas das
ONGs, como agentes do que passaram a chamar de “comunidades democráticas de
base”, tendem a se desfazer da Esquerda em nível de Poder estatal. Os gerentes
pós-marxistas das ONGs tornaram-se peritos na elaboração de projetos e em transmitir
a nova identidade e o jargão globalista aos novos movimentos populares.
Os pós-marxistas têm-se adaptado e aprofundado as suas
políticas de livre mercado, promovendo-se à condição de eficientes e honestos
gerentes do Neoliberalismo, capazes de garantir a confiança dos investidores e
de pacificar as inquietações sociais. Dão ênfase à auto-gestão, ao atacar o
paternalismo e a dependência ao Estado. Nessa competição entre as ONGs para
cativar as vítimas do Neoliberalismo, os pós-marxistas recebem importantes
subsídios de seus parceiros da Europa e dos EUA. A ideologia de auto-gestão dá
ênfase à substituição dos funcionários públicos por voluntários e por
profissionais contratados temporariamente.
A prática marxista de solidariedade envolve, hoje, intelectuais
que escrevem e falam em favor dos movimentos sociais em luta, engajados e
dispostos a compartilhar as mesmas conseqüências políticas. A prática de
solidariedade está ligada aos intelectuais orgânicos que fazem parte do
movimento. Por outro lado, os pós-marxistas estão imersos no mundo das
instituições, dos seminários acadêmicos, das fundações estrangeiras, das
conferências internacionais e dos relatórios burocráticos. Eles escrevem num
jargão pós-moderno e esotérico, somente compreendido pelos já iniciados.
Para os pós-marxistas, o principal objetivo é conseguir a
ajuda financeira estrangeira para o projeto. Na nova condição de gerentes de
ONGs, são eles fundamentalmente atores políticos, cujos projetos, treinamentos
e workshops não têm nenhum impacto econômico significativo, tanto sobre o
Produto Interno Bruto quanto sobre a diminuição da pobreza. Mas as suas
atividades, segundo Petras, essas sim, têm impacto, pois desviam o povo da luta
de classes para formas inofensivas e ineficientes de colaboração com os seus
opressores.
Fonte: Alerta Total
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Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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