sábado, 10 de maio de 2014

Copa do Mundo S/A

Por Luiz Fernando Janot*

Mais de 200 mil pessoas lotaram o Maracanã naquela fatídica tarde de 16 de julho de 1950, quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo para o Uruguai. Ao final do jogo, a multidão silenciosa não conseguia acreditar no que estava vendo. Nascia, nessa época, o “complexo de vira-lata”, imortalizado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues para traduzir a inferioridade que o brasileiro sentia em relação ao resto do mundo.

Com a autoestima em frangalhos, o jeito era esperar a próxima Copa para recuperar o prestígio abalado. Todavia, mais uma vez, o destino não nos foi favorável. Em 1954, a nossa equipe teve que voltar mais cedo para casa após ser eliminada pela seleção húngara, a nova sensação do momento. Com isso, a fama de jogarmos o melhor futebol do mundo só veio a se confirmar com a vitória de 1958, o bicampeonato em 1962 e o tri em 1970.

Após essas conquistas, cada Copa era esperada com a expectativa de um novo sucesso. Os preparativos para as comemorações se espalhavam por todas as cidades brasileiras. O congraçamento popular em torno dos grandes telões, onde os jogos eram exibidos, constituía um espetáculo indescritível e emocionante. Esse espírito de alegria e confraternização prevaleceu no Brasil até a última Copa, em 2010.

De lá pra cá, muita coisa mudou. Passada a euforia pela conquista do direito de sediar a Copa de 2014, o que vimos foi um estado geral de perplexidade diante da ganância desavergonhada da Fifa e do apoio servil das nossas autoridades. Prometeram mundos e fundos, mas muito pouco foi feito em benefício das cidades. Pelo contrário, o que se viu foi uma absoluta falta de planejamento e de transparência nos projetos realizados. Forjaram obras perdulárias, orçamentos inconsistentes, custos elevadíssimos e uma prática recorrente de reajustes para justificar eventuais atrasos.

Transformaram os nossos estádios em reluzentes arenas polivalentes para receber os mais variados tipos de espetáculo. Só não contaram que, além dos financiamentos a juros subsidiados, esse modelo de estádio iria exigir, no futuro, um aumento significativo no valor dos ingressos para viabilizar financeiramente as “Parcerias Público-Privadas”. Com ingressos a preços exorbitantes para os padrões nacionais, os estádios permanecem vazios mesmo em jogos importantes dos campeonatos regionais.

Diante da falta de público, a propalada eficiência administrativa dos consórcios administradores passou a exigir, por economia, que alguns setores dos estádios permanecessem fechados durante os jogos, fazendo com que as torcidas ficassem confinadas nas cadeiras atrás dos gols, onde os ingressos são mais baratos. Cinicamente, acabaram com a alegria de a população brasileira lotar os estádios, ao praticarem uma forma de gestão incompatível com a nossa realidade econômica, social e cultural.

Esse padrão “Copa do Mundo S/A”, que dá à Fifa o direito de faturar sobre tudo que é relacionado ao evento, inclusive, proibindo a comercialização de produtos de empresas concorrentes das patrocinadoras da Copa nas cercanias dos estádios, é mais um fator para inibir qualquer iniciativa popular espontânea.

Ao contrário do que costumava acontecer em outras Copas, o que vemos hoje é a triste apatia da população brasileira diante de um evento em que ela foi colocada de lado. Até a tradicional decoração das ruas não passa, até o momento, de alguns raros enfeites com pouca expressividade.

Apesar de tudo, não me resta alternativa senão vestir a camisa amarela e torcer apaixonadamente pela conquista do hexacampeonato. Passada a Copa, com vitória ou com derrota, a gente volta a enfrentar com determinação esse jogo perverso praticado contra os interesses da nossa população.


Fonte: Alerta Total


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*Luiz Fernando Janot é Arquiteto e Urbanista.

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