segunda-feira, 31 de março de 2014

31 de março de 1964: contra as visões maniqueístas


Entende-se aqueles que tentam, em esforço quase hercúleo, levantar o contexto da época do golpe de 1964 e mostrar o lado positivo da ação dos militares, que teriam evitado um golpe comunista do lado de lá. Afinal, a visão onipresente na imprensa, nas escolas, em todo lugar é de um maniqueísmo chocante, que pretende rescrever a história e pintar comunistas como democratas que foram vítimas do nada.

Por outro lado, tampouco devemos cair na tentação do maniqueísmo inverso, qual seja, colocar os militares como “salvadores da Pátria”, mergulhar num saudosismo absurdo de que tudo aquilo foi maravilhoso e fundamental para o país incluindo duas décadas de ditadura. Seria agir como os esquerdistas desonestos, só que com o sinal trocado.

Evitar tais visões maniqueístas é o grande desafio, que o jornalista José Maria Silva, no jornal Opção, consegue enfrentar com eficiência. Seu texto nos carrega para o contexto da época, mostra como há um duplo padrão de julgamento hoje, principalmente de uma esquerda que ignora os abusos cometidos pelo ditador Getúlio Vargas, enquanto tenta demonizar os militares, como se a ditadura de 20 anos fosse desde o começo o único objetivo do que se passou em 31 de março de 1964.

Nada mais falso. Esses revisionistas ignoram que os militares contaram com amplo apoio da imprensa, da classe média, de milhões de brasileiros preocupados, legitimamente, com a ameaça vermelha. Resgatar a verdade não interessa àqueles que pretendem apenas usar tais eventos distantes para sua propaganda política e ideológica, para posar de heróicos combatentes da ditadura pela democracia. Diz o autor:

As novas gerações foram e continuam sendo forçadas a pensar que os governos militares pós-64 são a síntese de tudo de ruim que aconteceu na história do Brasil e que nada houve pior do que isso. A se crer no tom horrorizado com que os formadores de opinião repetem a expressão “ditadura militar”, tem-se a im­pressão de que nem mesmo a escravidão se igualou em crueldade ao regime instaurado no País em 64. O regime militar tornou-se uma espécie de marco zero da iniquidade nacional, projetando sua sombra devastadora no passado e no futuro, como se fosse responsável retroativamente pelo extermínio dos índios pelos bandeirantes, a escravidão do negro pelo português e até, projetivamente, pelos escândalos de corrupção que continuam assolando a República.

A quem tal distorção histórica interessa? Por que pintar um terrorista que sonhava com o modelo ditatorial cubano para o Brasil, como Carlos Marighella, como um bravo guerreiro da liberdade? Por que fingir que as atrocidades de Getúlio Vargas, hoje respeitado e admirado por boa parte da esquerda, inclusive pelo ex-presidente Lula, nunca ocorreram? Por que deixar passar em branco quem foi Luís Carlos Prestes e como sua frieza sacrificou inocentes de carne e osso no altar de sua utopia nefasta?

Em nome dos fatos históricos e contra as diferentes visões maniqueístas, recomendo a leitura do longo texto na íntegra. Segue seu desfecho:

Não se constrói uma nação com base no maniqueísmo ideológico, que aniquila o senso crítico e infantiliza os jovens, tornando-os presas fáceis de qualquer demagogo de esquerda que se apresente como revisor do passado e senhor do futuro, oferecendo a utopia da revolução como uma espécie de errata da própria humanidade. A nação precisa ser criticamente educada para pensar o passado sem exageros, reconhecendo os erros e acertos de cada período histórico. É impossível, por exemplo, que, nos 21 anos que separam o golpe militar de 1964 da eleição de um presidente civil em 1985, o Brasil tenha sido apenas uma terra arrasada por “anos de chumbo”, como querem fazer crer os Comitês da Vingança que se arvoram a senhores da verdade. “O regime militar brasileiro não foi uma ditadura militar de 21 anos” — é o que afirma o historiador Marco Antonio Villa, doutor em história pela USP e professor da Universidade Federal de São Carlos, em seu livro “Ditadura à Brasileira”, com o qual eu e os fatos concordamos integralmente. Até o final de 1968, antes do AI-5, o Brasil vivia uma efervescência político-cultural mais intensa do que hoje. Depois da Anistia, em 1979, também.

Mas não se deve combater o mito guerrilheiro com outro mito — o do Exército salvador da pátria, que, a cada ameaça comunista, é chamado a salvar a democracia a golpes de Estado. O Brasil vive novamente um desses momentos cruciais de sua história, em que as instituições estão sendo transformadas em instrumento da ideologia esquerdista — o que leva alguns setores da sociedade, ainda que minoritários, a pedir a volta dos militares. É suicídio. Uma nação adulta dispensa pais de farda. A República brasileira não pode ser uma quartelada, com interregnos de democracia em meio a uma história de arbítrios. Mas também não pode ser uma eterna utopia, em que, à custa de construir um “outro mun­do possível”, a esquerda destrua co­tidianamente o mundo real, atiçando pobres contra ricos, negros contra brancos, mulheres contra ho­mens, minorias contra maiorias, até que, em meio a esse caos de conflitos forjados, tenhamos o pior dos conflitos: militares contra civis — que é onde morre a democracia. 

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