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segunda-feira, 22 de junho de 2015

Auto da visitação

Por Vania L. Cintra

No começo deste mês de junho, o presidente da Assembléia Nacional venezuelana desembarcou no Brasil não-oficialmente e, portanto, após ter desembarcado, ao passear pelas ruas, não teria gozado ostensivamente da proteção do governo brasileiro. Se Diosdado Cabello veio até aqui, alguém o terá convidado. Fez algumas visitas, falou com algumas pessoas, entre elas Lula da Silva e as lideranças do MST, talvez se tenha regalado com uma boa buchada de bode e foi embora. Ninguém me perguntou, mas direi: não gostei dessa visita. Nem um pouco.

Dias depois, nesta semana agora, senadores que se dizem de oposição ao governo de nossa República atenderam a um convite feito pela oposição à situação venezuelana. Um deputado do Sergipe (João Daniel-PT), que participa da comitiva de grupos de movimentos sociais brasileiros que se encontram em Caracas, terá afirmado, em entrevistas ao canal de televisão do governo venezuelano e a O Estado de S.Paulo (http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/06/19/para-petista-em-caracas-senadores-de-oposicao-desrespeitaram-governo-de-maduro.htm), que a visita dos senadores brasileiros da oposição ao governo Rousseff aos opositores do governo Maduro teria sido "oportunista", que eles estariam fazendo “um ato político contra o governo da Venezuela, o que é lamentável", e, por tentar visitar os opositores da política praticada na sede bolivariana que já se encontram atrás das grades, essa visita serviria apenas para "desgastar o governo democrático”.

Astuto, esse rapaz. Rousseff, que, quando quer, também sabe ser bastante ladina, logo percebeu, por sua vez, que essa visita dos senadores a Caracas teria “um viés político”. Mas... e a visita de Diosdado Cabello ao Brasil, que não foi “oficial”? Ou teria sido? Ela também teria tido “um viés político”? Ou não, e foi apenas um passeio?

Nada tenho contra o roteiro turístico oferecido aos nossos senadores. Afinal, estamos no Outono, faz frio por aqui, e em Caracas é plena Primavera, quando os passarinhos gorjeiam e pulam de galho em galho. Os senadores até poderiam ter tido a sorte de, entre eles, encontrar o Chávez. Nada tenho a ver com isso e nada tenho contra, mesmo que eu, que não sou lá muito criativa, não consiga imaginar que é o que poderiam fazer de bom por lá, se muito pouco ou quase nada fazem eles por aqui.

Pelo mesmo motivo – porque não sou lá muito criativa – não entendi também por que cargas d’água aquele nosso ministro de só-deus-lá-sabe-quê resolveu ser pródigo e lhes cedeu um de seus aviões com seus tripulantes – aqueles, que nós, simples mortais, imaginamos que são os da FAB. Não, também, que eu tenha algo a ver com isso, mas... a FAB tem poucos aviões, tem pouca gasolina, tem poucos recursos e tem muito mais a fazer que levar senadores a passear. Mesmo que estejam com coqueluche. É o que eu acho.

Muito menos entendi por que cargas d’água ele mesmo, o ministro, intermediou esse passeio para que um encontro fraternal entre as oposições de ambos os Estados amantes do realismo bolivariano se fizesse, empenhando-se em prometer de público aos senadores brasileiros que eles teriam garantido o “direito a livre circulação no país vizinho” e poderiam “visitar as famílias dos políticos venezuelanos que estão presos e também conversar com membros da oposição que estão em liberdade” (http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40730/).

Pois bem. O que o ministro prometeu, o ministro não cumpriu. Não cumpriu porque nem pretendia cumprir, tal como muitas coisas que possa vir a prometer, nem poderia ter prometido - ou soaria como uma ameaça ao governo vizinho caso os termos acordados não fossem cumpridos. E porque isso foi prometido mas nem por isso foi cumprido, aquela leva de senadores brasileiros voltou pra casa também “sem cumprir agenda”. Segundo nota expedida pelo Itamaraty - que lamentou os incidentes que “prejudicaram o cumprimento da programação prevista” e afirmou que “são inaceitáveis atos hostis de manifestantes contra parlamentares brasileiros'' (http://fernandorodrigues.blogosfera.uol.com.br/2015/06/18/itamaraty-diz-que-atos-contra-senadores-na-venezuela-sao-inaceitaveis/) entre os quais se incluíram pedradas – os senadores teriam sido “retidos no caminho devido a um grande congestionamento ... ocasionado pela transferência a Caracas, no mesmo momento, de cidadão venezuelano extraditado pelo Governo colombiano”. Coisas venezuelanas, que se referem aos venezuelanos. Explicadas elas foram e explicadas elas já estão. Que mais esclarecimentos poderá exigir o Itamaraty do governo de Caracas?

Mas, por ter sido assunto tratado pelo ministro do Estado brasileiro entre o Governo da Venezuela e os nossos viajantes, que são senadores da República brasileira, a visita por eles feita poderá ser considerada... “oficial”... Ou não? E o descumprimento dos termos acordados poderá ser considerado uma afronta ao Estado brasileiro...

Então, tendo sido afrontado o Estado brasileiro nas pessoas dos senadores e do ministro, nenhum míssil, com certeza, será apontado para Caracas, mas, sim, resolve-se a questão bolivarianamente: enviando-se outro avião da FAB com uma segunda leva de senadores da nossa República a visitar a Venezuela (http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/40748/senado+brasileiro+aprova+ida+de+nova+comissao+a+venezuela.shtml). Será agora uma leva de senadores da oposição à oposição à situação de nossa República. É evidente que merecerá voar pela FAB. A primeira leva não mereceu? E essa segunda leva será enviada exatamente para quê? Ora, para que volte após “cumprir agenda”... E tudo estará resolvido.

Ou não. Nunca se sabe. E aí, eu, que já sou um bocado, ponho-me ainda mais curiosa, tentando entender o que não é para ser entendido: deveríamos apresentar uma terceira, uma quarta, uma quinta leva de senadores?

Muito bem: se nada de sério nossos senadores encontram a fazer por aqui, que aproveitem o tempo vago. Não, também, que eu tenha algo a ver com isso, mas... as coisas são como elas são. Que se organizem, façam fila, garantam a senha e a vez. Que se entupam todos de pabellón criollo, que tirem muitas fotografias, que tragam muitas lembranças boas ou amargas... Só acho que deveriam fazer tudo isso e o céu também por conta própria.

E fico pensando cá comigo mesma: um abraço solidário, seja mais, seja menos bolivariano, a gente pode enviar pelo correio. E, levando em conta o balanço da marola que tão surpreendentemente vem crescendo ao sabor dos ventos, e todos os ajustes necessários para que possamos continuar flutuando, por que os senadores de nossa República, essa coisa de brasileiros que deveria referir-se aos brasileiros, não se comportam um pouco menos bolivarianamente, não fazem uma vaquinha entre os interessados em conhecer a Venezuela antes que ela acabe, e, fretando um ônibus, vão a Caracas, todos eles, durante o recesso de julho que começa de hoje a menos de um mês? Poderiam alugar o da CBF.

Numa dessas, viajar de ônibus é mais seguro, mais instrutivo, mais divertido, mais confortável. Eles poderiam ir parando de vez em quando, conhecendo o território, tomando contato com o povo... Para os cofres públicos, ou seja, para todos nós, poderia ser bem menos oneroso. E evitaria esses problemas esquisitos todos, que não deixam de ser desagradáveis, que podem perturbar e incomodar a tranqüilidade das cabeças bem pensantes, que preferem inovar, não se atendo muito às funções e às tradições diplomáticas e das Armas, voltando-se prioritariamente à construção da paz e de uma nova ordem, seja ela mais ou seja menos bolivariana, tanto faz. Além de que, assim, poderíamos, pelo menos, aceitar a intempestiva e impertinente visita que recebemos de Cabello como se fosse uma gentileza, não uma agressão. E tudo nos pareceria menos acintoso, menos desaforado, menos absurdo...

Não acham, não? Eu acho. Mas devo estar errada. Como sempre estive. E sempre hei de estar.


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