Dois decretos governamentais (8242 e 8243) podem afetar o
regime democrático e a ação social das Instituições sem fins lucrativos,
principalmente as católicas.
O primeiro cria inúmeras restrições às imunidades garantidas
pela Constituição, matéria que é objeto de ação direta de inconstitucionalidade
no STF (nº. 2028) de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa e de repercussão
geral da relatoria do Ministro Marco Aurélio, com resultado, até o momento,
favorável às Instituições (4x0 – votos dos dois Ministros relatores e dos
Ministros Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia). Se prevalecerem as ações (ADI e
RE) o decreto perderá validade.
O segundo institui a Política Nacional de Participação
Social – PNPS. Tal como descrita no Decreto 8243/14, tende a substituir o
Congresso Nacional na representação popular, para “fortalecer e articular
mecanismos e instâncias democráticas de diálogo” e em “atuação conjunta com a
administração pública federal” da “sociedade civil” (art. 1º), criar Conselhos
e Comissões de políticas públicas e sociais (artigos 10 e 11) eleitos pelo
povo, objetivando auxiliar a Secretaria Geral da Presidência da República
(artigo 9º) a “monitorar e implementar as políticas sociais” por eles
definidas, com atuação junto às diversas instâncias governamentais.
Num curto artigo, é impossível descrever e analisar o nível
de força que se pretende atribuir a instrumentos “populares”, na promoção com o
governo, das políticas que desejarem, sem a participação dos legítimos
representantes do povo, que são os senadores e deputados. Como os Conselhos e
as Comissões serão eleitos pelo “povo”, mas a eleição não é obrigatória e o
“povo” dificilmente terá condições de dedicar-se em tempo integral, deixando
trabalho ou ocupações diversas, para estar presente nestas “eleições”, serão os
“amigos do rei” os beneficiados pelas indicações, que lá estarão presentes, num
verdadeiro aparelhamento do Executivo e redução do Congresso Nacional à sua
expressão nenhuma.
Por pior que seja, o Legislativo é eleito pelo povo. Nele
está contida 100% da representação popular (situação e oposição). No atual
Executivo, nem 50% do povo brasileiro está representado, pois a atual
presidente teve que ir ao 2º turno para ganhar as eleições. Em outras palavras,
pretende o decreto que a autêntica representação popular de 130 milhões de
brasileiros seja substituída por um punhado de pessoas,que passará a DEFINIR A
POLÍTICA SOCIAL DE TODOS OS MINISTÉRIOS, INDICANDO AO EXECUTIVO COMO DEVE AGIR!
A linha da proposta é tornar o Congresso Nacional uma Casa
de tertúlias acadêmicas, pois os Conselhos e Comissões eleitos pelo “povo”
serão aqueles que dirigirão o país. Por exemplo, a Comissão encarregada da
Comunicação Social poderá determinar que o Ministério correspondente imponha
restrição de conteúdo à imprensa, a pretexto de que é esta a “vontade do povo”,
que será “obrigado” a atender aos apelos populares. As políticas públicas e
sociais não mais serão definidas pelo Poder Legislativo, mas, por este grupo
limitado de cidadãos enquistados nestes organismos.
Estamos perante uma autêntica ressurreição, da forma mais
insidiosa e sorrateira, do PNDH-3, que recebeu o repúdio nacional e, por isto,
nunca foi aplicado. Às vezes, tenho a impressão, com todo o respeito que tenho
pela figura da presidente da República, que ela tem recaídas “guerrilheiras”.
Talvez, a “devoção cívica” que demonstrou nutrir pelo sangrento ditador Fidel
Castro – tão nítida no retrato exibido por todos os jornais, de sua recente
visita a Cuba – a tenha levado a conceber e editar esta larga estrada para um
regime antidemocrático. É que o decreto suprime as funções constitucionais do
Parlamento e pretende introduzir entre nós o estilo bolivariano das
Constituições da Venezuela, Bolívia ou Equador. Nelas, o Executivo e o “povo”
são os verdadeiros poderes, sendo –é o que está naquelas leis maiores— o
Legislativo, Judiciário e Ministério Público, poderes acólitos, vicários,
secundários e sem maior expressão.
Por ter densidade normativa própria, o referido decreto é
diretamente inconstitucional, ferindo cláusula pétrea da Constituição, que é a
autonomia e independência dos Poderes (artigos 2 e 60 § 4º, inciso III). spero
que o Congresso Nacional repila o espúrio diploma, com base no artigo 49,
inciso XI, da Carta Maior, zelando, como deve, por sua competência legislativa.
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Ives Gandra da Silva Martins é Advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra
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