Por Carlos I. S. Azambuja*
“Se tudo isso falhar, abolir as Forças Armadas”. (Samuel
Huntington)
Desde algum tempo, referências vêm sendo feitas por
publicações diversas, nacionais e internacionais, ao Diálogo Interamericano.
Todavia, somente poucas pessoas têm conhecimento pleno do que venha a ser isso.
Sem a pretensão de querer esgotar o assunto, é interessante
conhecer um breve resumo do que se convencionou denominar Diálogo
Interamericano.
Aproveitando o aparente caos político e institucional na
América Latina em seguida à guerra das Malvinas e à crise da dívida externa,
ambas em 1982, interesses internacionais moveram-se rapidamente buscando manter
seu domínio político e econômico na região. Desse esforço surgiu o que se
convencionou chamar Diálogo Interamericano.
Em junho, julho e agosto de 1982 foram organizados três
seminários para debater as repercussões da guerra das Malvinas nas relações
interamericanas, sob os auspícios do Centro Woodrow Wilson, uma espécie de
banco de cérebros, com sede em Washington. O Centro Woodrow Wilson foi criado
em 1968 pelo Congresso dos EUA, como “um centro privado de investigação e
documentação política”.
O Centro é dirigido por uma junta composta por 8
funcionários oficiais, dentre os quais o Secretário de Estado, e outras 11
personalidades do setor privado, porém nomeadas pelo governo. Entre essas
personalidades figuram luminares das finanças, como John Reed, presidente do
Citibank, Max Kampelman, presidente honorário daLiga Antidifamação B’nai
B’rith, e Dwayne O. Andreas, presidente do gigantesco cartel graneleiro Archer
Daniels Midland.
No primeiro dos três seminários realizados após o término da
guerra das Malvinas, Heraldo Muñoz, então professor da Universidade do Chile,
argumentou que o intento de recuperar a soberania sobre as ilhas Malvinas “só
foi possível porque não havia um governo democrático na Argentina”. Muñoz,
posteriormente, foi nomeado embaixador do Chile perante a OEA (Organização dos
Estados Americanos).
No segundo seminário, Viron Varky, ex-funcionário do
Departamento de Estado dos EUA, e Nicolas Ardito Barleta, arquiteto do sistema
financeiro do Panamá e então vice-presidente do Banco Mundial, chegaram à
conclusão que a crise oferecia a oportunidade de se criar “um sistema de
governo hemisférico mais forte”.
No terceiro seminário, o ex-embaixador norte-americano
William Luers opinou ser necessária uma maior comunicação entre os EUA e a
América Latina.
Desses seminários surgiu a idéia do Diálogo Intermaricano e,
de outubro de 1982 a março de 1983, o Centro Woodrow Wilson patrocinou uma
série de reuniões já dentro dessa idéia, nas quais 48 delegados da América
Latina e dos EUA, a título pessoal, debateram um longo temário. Todavia, é
certo que o apoio oficial do governo norte-americano a esse esforço foi mais
além dos auspícios do Centro Woodrow Wilson, considerando-se que a reunião de
fundação do Diálogo, em 15 de outubro de 1982, contou com a presença do então
Secretário de Estado George Shultz e do Subsecretário de Estado para Assuntos
Interamericanos, Thomas Enders.
A fundação do Diálogo Interamericano reuniu a nata do
establishment norte-americano. Membros da Comissão Trilateral eram maioria no
grupo que fundou o Diálogo (a Comissão Trilateral é uma entidade fundada em
1973 por David Rockefeller, Zbigniew Brzezinski e cerca de 200 personalidades
do setor econômico, principalmente banqueiros, dos EUA, Europa Ocidental e
Japão, intitulada “uma iniciativa provada da América do Norte, Europa e Japão
para assuntos de interesse comum”).
A partir de 1973 e até a queda do Muro de Berlim, em
novembro de 1989, e o desaparecimento da União Soviética, em dezembro de 1991,
viu-se um Primeiro Mundo unido em torno daComissão Trilateral, um Segundo Mundo
agrupado em torno da falida ideologia socialista e umTerceiro Mundo
subdesenvolvido, praticamente à mercê dos ditames dos outros dois mundos no que
diz respeito à proliferação da energia nuclear, terrorismo, direitos humanos,
desmatamento e venda de armas convencionais.
Abraham Lowental, do Centro Woodrow Wilson, é uma espécie de
diretor-executivo do Diálogo Interamericano. Desde sua fundação, o Diálogo
passou a propor a criação de estruturas supranacionais para monitorar as
atividades militares no hemisfério. Em um de seus primeiros documentos, “As
Américas na Encruzilhada”, foi apresentada a proposta de encarregar a OEA da
vigilância de ditas atividades militares, e que os direitos humanos servissem
de pretexto para a intervenção da Organização dos Estados Americanos, adiantando-se
ao que viria a se transformar em uma campanha que vem sendo desenvolvida nos
bastidores da ONU.
O documento “As Américas na Encruzilhada” afirmava que a “a
ação multilateral cuidadosamente considerada, para proteger direitos humanos
fundamentais, não é uma intervenção e sim uma obrigação internacional”. O
documento instava também a um diálogo dos governos de El Salvador, Nicarágua e
Guatemala com os respectivos “movimentos de oposição” (expressão usada para
denominar a guerrilha e a luta armada nesses países) para encontrar uma forma
de resolver as “controvérsias” sobre uma base que reconhecesse “os interesses
vitais de cada parte”, ou seja, dos governos e da guerrilha, definindo a luta
armada como “uma controvérsia”.
Em abril de 1986 o Diálogo emitiu um novo documento,
descrevendo os três temas principais possíveis de controlar os acontecimentos
políticos no hemisfério:
- que se formalizasse o “direito” da União Soviética - já em
estado terminal - de expressar-se nos assuntos do hemisfério;
- que as drogas estupefacientes fossem legalizadas;
- que se construísse uma “rede democrática” com poderes
suficientes para opor-se “aos comunistas e aos militares”, colocados, assim, em
pé de igualdade.
Para lograr este último objetivo, o documento do Diálogo
considerou ser urgente reduzir a participação militar em “assuntos civis”.
Em fins desse ano de 1986, o Diálogo pôs em marcha um
projeto que culminou com a publicação, em 1990, do chamado “Manual Bush”, uma
obra anti-militar editada em espanhol com o título “Los Militares y la
Democracia: El Futuro de las Relaciones Cívico-Militares en América Latina”,
que sugeria o desencadeamento de uma guerra econômica contra os militares
latino-americanos, assinalando que “o nível de recursos a ser destinado aos
militares” deveria ser questionado e
mudado, como uma das formas mais efetivas de “conter a influência das Forças
Armadas dos países ao sul do Rio Bravo”. O flanco econômico transformar-se-ia,
assim, rapidamente, no ponto forte da guerra contra os militares da América
Latina.
Em 17 de junho de 1990, o “Jornal de Brasília” publicou
matéria segundo a qual, em Washington, a Comissão Trilateral, em uma reunião,
defendera a substituição das Forças Armadas dos países subdesenvolvidos,
notadamente da América Latina, por forças regionais de defesa, uma Força
Interamericana de Defesa. Na mesma reunião, o expert espanhol Julio Feo
condenou o excessivo crescimento populacional nos países em desenvolvimento ou
subdesenvolvidos, pois “o excesso populacional agride a natureza e provoca o
aquecimento da Terra”. Foram também recomendados pactos mundiais para forçar as
nações atrasadas ao cumprimento de rigorosas medidas protecionistas do meio
ambiente, em troca da promessa de redução de suas dívidas externas.
Ao propor a criação de forças regionais de defesa, foi
assinalado que a Guerra Fria acabara e que não havia mais riscos de comunismo
na América Latina. Sobre a eliminação das Forças Armadas nacionais, a conclusão
da Trilateral é a de que em muitos países da América Latina elas tendem a “ser
promotoras institucionais vigorosas de comportamentos nacionalistas”.
Por fim, a reunião da Comissão Trilateral apontou outra
vantagem para a substituição das Forças Armadas tradicionais por uma Força
Regional de Defesa: os militares da América Latina teriam uma ocupação “mais
útil, reduzindo-se sua propensão histórica ao envolvimento nos assuntos
políticos de seus países”.
Em dezembro de 1990, durante uma visita ao Cone Sul, o então
presidente George Bush batizou esse projeto global da era pós-Guerra Fria (o
Muro de Berlim já havia caído, em 9 de novembro do ano anterior) com o pomposo
nome de “Nova Ordem Mundial”, projeto que deveria ser imposto através da
democracia. Aduziu, todavia, que esse “novo amanhecer” não surgiria sem uma
quota de sofrimento: “A mudança não será fácil. As economias que agora dependem
da proteção e da regulamentação do Estado deverão abrir-se à competitividade.
Por um tempo a transição será penosa (...) Tais mudanças ajudarão a eliminar as
falsas distinções entre o Primeiro Mundo e o Terceiro Mundo, que por demasiado
tempo já limitaram as relações políticas e econômicas nas Américas”.
Recorde-se que nesse mesmo mês, em 4 de dezembro, um dia
após a revolta militar na Argentina comandada pelo coronel Mohamed Ali
Seineldin, o embaixador da Argentina no Brasil, José Manoel de La Sota, propôs
a formação de “uma aliança no Cone Sul em defesa da democracia”, a qual
utilizaria sanções econômicas e, inclusive, intervenções armadas contra
qualquer país-membro que não mantenha “um sistema democrático”.
Essa proposta foi formulada em um almoço onde se encontravam
o então presidente Collor e 21 embaixadores latino-americanos, durante uma
visita do presidente Bush ao Brasil. O “Financial Times”, de Londres, de 11 de
janeiro de 1991, referindo-se a esse fato, expressou que o Ministro da Fazenda
argentino Domingo Cavallo, “está tratando de interessar seus vizinhos em um
pacto de segurança regional que manterá os generais fora da política e ocupados
com deveres não ameaçadores, como proteger o meio ambiente e erradicar o
narcotráfico”.
Prosseguindo, em 15 de abril de 1991, Luigi Einaudi, então
homem-chave do Departamento de Estado no projeto anti-militar denominado
“Manual Bush”, e na época também embaixador dos EUA junto à OEA, disse, em um
seminário sobre “O Futuro da OEA e a Segurança Hemisférica”, realizado no Centro
Woodrow Wilson, que as atuais estruturas da OEA e da Junta Interamericana de
Defesa (JID) “são inadequadas para garantir a segurança hemisférica”. Expressou
sua “grande frustração pela incapacidade de reunir a OEA e a JID - a autoridade
política e a autoridade militar institucional -. Está claro que é hora de que
traduzamos a solidariedade democrática que temos logrado no hemisfério em uma
definição e papel para os militares”.
Posteriormente, ainda em abril de 1991, um dos membros
fundadores do Diálogo Interamericano, o ex-Secretártio de Defesa dos EUA,
Robert McNamara, em discurso durante a reunião anual do Banco Mundial, entidade
da qual foi presidente, exigiu que as instituições financeiras internacionais
condicionassem suas ajudas a drásticas reduções dos orçamentos militares das
nações que recebiam ditos benefícios. Essas reduções, segundo McNamara,
acelerariam o processo de substituição das instituições militares nacionais por
forças supranacionais da ONU.
A doutrina de segurança da Nova Ordem Mundial deveria ser a
“ação coletiva” de conformidade com a intervenção da ONU no Iraque. McNamara
instou que a OEA também se transformasse: “Um acordo do Conselho de Segurança
da ONU de que os conflitos regionais que coloquem em perigo a integridade territorial
sejam enfrentados com a aplicação de sanções econômicas e, se necessário, ações
militares impostas por decisões coletivas e utilizando forças multinacionais
(...) Um mundo assim necessitaria de um líder e não vejo alternativa a que o
papel de liderança seja cumprido pelos EUA (...) Organizações como a OEA e a
Organização de Unidade Africana (OUA) devem funcionar como braços regionais do
Conselho de Segurança”.
Em fins de novembro de 1991, Guillermo Kenning Voss,
importante empresário boliviano, na época presidente da Corte Eleitoral de
Santa Cruz de la Sierra, definiu que a Bolívia já não precisava de Forças
Armadas. Logo em seguida, em 1 de dezembro, o jornal boliviano “Última Hora”,
analisando essa declaração, transcreveu trechos do “Manual Bush”.
Quando ficou claro que os militares e civis bolivianos
levavam a sério a existência desse Manual, a embaixada dos EUA em La Paz
difundiu, em 7 de dezembro, um comunicado à imprensa esclarecendo que o chamado
“Manual Bush” é o livro “Os Militares e a Democracia”, mas que ele, todavia,
“não tem qualquer relação com o governo norte-americano”, o que não é verdade,
pois o prefácio do livro assinala que o governo dos EUA custeou o projeto e que
o Exército, o Departamento de Defesa e o Departamento de Estado deram
assessoria e apoio logístico para realizá-lo.
Em maio de 1992, os uruguaios Juan Rial e Carina Perelli,
membros de uma sociedade de análise política uruguaia, denominada “PEITHO”,
considerada o braço latino-americano do Diálogo, entrevistados no programa de
rádio “En Perspectiva”, entrevista posteriormente publicada na revista “Círculo
Militar”, do Uruguai, argumentaram que as mudanças nas Forças Armadas são
necessárias; disseram que as nações necessitam de Forças Armadas, mas elas
devem ser“reestruturadas” segundo as normas fixadas pela “Nova Ordem Mundial”:
cortes orçamentários, redução de efetivos, abandono da missão histórica de
defender o Estado Nacional, participação em forças multinacionais, etc. “As
Forças Armadas terão que aceitar que as coisas não podem continuar como até
agora; que certas mudanças terão que ser feitas, porque há uma mudança muito
forte em nível mundial que indica que as grandes organizações de tipo estatal
estão em crise (...) As Forças Armadas, como uma instituição estatal, sofrem o
mesmo destino que todos os demais organismos do Estado: perdem poder, perdem
dinheiro e perdem lugar”. Perguntados sobre qual o papel das Forças Armadas
latino-americanas, hoje, Juan Rial e Carina Perelli responderam:
“Fundamentalmente, sobreviver”.
Posteriormente, em um simpósio de três dias realizado no
Centro Woodrow Wilson, em Washington, no período de 19 a 21 de outubro de 1992,
sob o título “Ensinamentos da Experiência Venezuelana”, dedicado a analisar as
conseqüências, tanto na Venezuela como em toda a região, do levante militar
ocorrido naquele país em 4 de fevereiro de 1992 contra o então presidente
Carlos Andrés Perez, os participantes foram mais francos do que de costume e
apontaram os militares como um dos grandes fatores que mantêm viva na América
Latina “a cultura do nacionalismo econômico” e, com isso, as possibilidades de
rebelião.
Registre-se que, nesse seminário, o analista militar
brasileiro Alexandre Barros - foi assessor do comando da Escola Superior de
Guerra em 1973 e 1974 e posteriormente passou a preparar análises de risco para
investidores estrangeiros no Brasil -. Em 30 de outubro de 1988, em uma dessas
análises de risco, declarou ao jornal “O Estado de São Paulo” que o Brasil
“está caminhando para um golpe de Estado”, pois o governo Sarney “é fraco,
hesitante e indeciso, portanto perigoso para o capital estrangeiro”.
Encabeçou os ataques contra os militares, jactando-se, com
arrogância, de que o desmoronamento de seus salários e do seu prestígio criaram
uma “profunda crise de identidade entre os militares no continente”, assegurou
que “está crescendo a brecha entre gerações novas e velhas” na instituição
militar, e que “a geração mais jovem está imbuída do ponto de vista da
sociedade civil (..) Ao ir-se ajustando as novas democracias ao neoliberalismo,
os militares tendem a uma visão retrospectiva de buscar o nacionalismo e de
regressar à política antiga. Porém, isso mudará, pois a profissão de militar
está a ponto de converter-se em uma profissão como qualquer outra”.
Em 14 de dezembro de 1992, o boletim do FMI, “IMF Survey”,
referiu-se a um Foro realizado na sede do órgão, em Washington, para discutir o
tema de se as instituições financeiras internacionais “têm responsabilidade e
recursos para pressionar os países (...) a reduzir o nível de seus gastos
militares”.
Nesse Foro, Russel Kincaid, então chefe da Divisão de
Facilidades e Emissões Especiais do FMI, fazendo eco da tese central do
discurso de McNamara, em 1991, argumentou que o objetivo a ser buscado é “a
segurança coletiva (...) que suplante os mecanismos de segurança individual”,
acrescentando que alguém ainda terá que “fazer o papel de gendarme mundial”.
O projeto anti-militar busca, sem dúvida, implementar
mudanças na Carta da OEA, como já foi exposto. Foram propostas duas mudanças
principais: a primeira, objetivando estabelecer mecanismos para suspender ou
expulsar da OEA qualquer país cujo governo seja considerado“não-democrático”; a
segunda, colocar a Junta Interamericana de Defesa sob a autoridade direta da
OEA. Atualmente as atividades da JID limitam-se às de um corpo consultivo dos
representantes dos Estados-membros. Caso a Carta da OEA venha a ser emendada, a
JID poderia ser transformada em uma força militar supranacional dirigida pela
OEA, da mesma forma que são os capacetes azuis da ONU.
Em 27 de outubro de 1992, em uma teleconferência sobre o
tema “Relações Cívico-Militares”,organizada pelo Serviço de Informações dos EUA
(USIA), o general John Galvin, ex-comandante do Comando Sul dos EUA, explicou
que uma aliança como a OTAN, neste hemisfério, poderia levar à redução do
tamanho das forças militares: “Poderíamos evitar a necessidade de pensar em uma
Força Aérea, Naval e Exército tão grandes para proteger-nos de países
vizinhos”.
Robert Pastor Jr., assessor para assuntos de América Latina
do Conselho de Segurança Nacional do ex-presidente Jimmy Carter e assessor da
equipe de transição do presidente Bill Clinton, escreveu um artigo na influente
revista trimestral “Foreign Policy”, da Fundação Carnegie para a Paz
Internacional, no outono de 1992, apontando quatro motivos para a criação de
uma força militar regional: a necessidade de “uma força da OEA contra o
narcotráfico; uma força para supervisionar as tréguas; uma força de paz
internacional para restaurar a democracia; e o emprego de “uma pequena força
interamericana” para defender o Canal do Panamá, agora que o Panamá já não tem
Forças Armadas.
Pastor propôs ainda que se estabelecesse na região “um
centro independente com autoridade para reunir informação detalhada sobre todas
as vendas de armas, dando-se o prazo de um ano aos governos para planejar
reduções de 50% em suas compras de armas e gastos de defesa, com exceção dos
EUA, que tem responsabilidades globais”. Observou que haveria resistência das
lideranças militares, “mas isso poderia ser contido, porque a melhor forma de
incentivá-los na nova ordem democrática é empregá-los, em forma moderna e
legítima, como guardiões da paz internacional”, ou seja, integrando Forças de
Paz da ONU. Segundo Pastor, as disputas fronteiriças deveriam também ser
submetidas a um controle supranacional, enumerando as disputas territoriais
entre El Salvador e Honduras, Peru e Equador, Bolívia e seus vizinhos do
Pacífico, e Venezuela e Colômbia, entre outras.
Outro perigoso movimento destinado a fragmentar as nações
latino-americanas é o chamado “Movimento pelos Direitos Indígenas”, grupos que
operam em quase todos os países do continente. Onde não há indígenas nativos,
missionários e antropólogos estrangeiros os constituem ou reconstituem. Esse
movimento é financiado, dirigido e promovido desde o exterior como uma força
dirigida explicitamente contra o Estado Nacional. Observe-se que em fevereiro
de 1993, o Diálogo Interamericano constituiu um grupo de trabalho encarregado
de“Divisões Étnicas e a Consolidação da Democracia nas Américas”, com o
objetivo expresso de “estimular o debate entre os povos do hemisfério sobre a
relação entre os governos e os povos indígenas” e se propôs emitir aos governos
da região “recomendações programáticas práticas” sobre a matéria.
Finalmente, nos dias 24, 25 e 26 de julho de 1995, em
Williamsburg, Virgínia, EUA, foi realizada uma conferência com a presença dos
Ministros da Defesa dos países da América, à exceção de Cuba. A agenda dessa
conferência foi a seguinte: transparência e medidas de confiança mútua;
cooperação defensiva pós-Guerra Fria; Forças Armadas nas democracias do século
XXI. O jornal “Gazeta Mercantil” de 25 de julho, comentando a conferência,
escreveu que “os Exércitos das Américas receberão uma lição coletiva e
interativa sobre os direitos humanos na primeira reunião da história dos
ministros da Defesa da região (...) uma disciplina que o Pentágono introduziu
recentemente na controvertida Escola das Américas, em Fort Benning, Geórgia”.
Essas foram, em resumo, as proposições de personalidades,
organizações governamentais e não-governamentais dos países do chamado Primeiro
Mundo, após o fim da Guerra Fria e do socialismo real, para a estruturação de
uma Nova Ordem Mundial que preencha o vazio deixado pelo fim das preocupações
estratégicas de lideranças de todo o mundo, das contradições Leste-Oeste, e
anteponha-se a antigos problemas que, embora dados como sepultados, ressurgem,
como o racismo, o nacionalismo extremado e a religião como fatores
aglutinadores de povos, redefinindo unilateralmente conceitos de segurança,
estabilidade, ordem e democracia, invadindo áreas da exclusiva competência dos
Estados nacionais, notadamente na América Latina, como o tamanho e a finalidade
das Forças Armadas, definidas pelas constituições de cada Estado Nacional
soberano.
Finalmente, observamos, então, que a Comissão Trilateral e o
Diálogo Interamericano buscam os seguintes objetivos:
- manter a hegemonia econômica, militar, política e social
dos EUA no mundo;
- evitar o desgaste dos chamados países centrais, seja pela
concorrência entre si, seja por intromissão em áreas de influência alheias;
- impor aos países em desenvolvimento e ao chamado Terceiro
Mundo um sistema de divisão de trabalho, onde lhes caiba fornecer produtos
agrícolas, matérias-primas e mão-de-obra de baixo custo;
- garantir o fluxo de matérias-primas e insumos energéticos
- especialmente petróleo - para ospaíses centrais;
- agir no sentido de que, no futuro, as fontes de energia do
planeta estejam sobre o controle exclusivo dos países centrais;
- impedir que os países periféricos consigam dominar o ciclo
completo de geração de energia nuclear, utilizando para isso o argumento da
não-proliferação de armas nucleares;
- manter algumas áreas, ricas em matérias-primas e minerais,
sob controle internacional, para uma futura exploração, em benefício próprio;
- estrangular economicamente os países periféricos que se
recusarem a aceitar a divisão de trabalho estabelecida;
- intervir militarmente nas áreas onde houver o que for
considerado uma grave ameaça aos interesses dos países centrais, rateando entre
si os ônus financeiros dessas atividades.
As Forças Armadas e os Órgãos de Inteligência dos
países-alvo são encarados, como revelam os dados aqui transcritos, “os maiores
inimigos dessas atividades” e, portanto, devem ser desmantelados,
desmoralizados, oprimidos economicamente, transformados em órgãos policialescos
e, se necessário, eliminados. Recordamos a intensa campanha desenvolvida em
passado recente por determinados órgãos da mídia visando ridicularizar os
membros dos Órgãos de Inteligência - “arapongas” - , minimizar a importância
das Forças Armadas e desmantelar a indústria bélica “numa era em que a ameaça
comunista deixou de existir”.
Esta matéria é concluída com um trecho do livro “A Terceira
Onda - A Democracia no Final do Século XX”, de Samuel Huntington, considerado o
ideólogo da Comissão Trilateral, professor da Universidade de Harvard,
especialista em assuntos de segurança e governo desde 1957:
“Deve-se reduzir drasticamente o número de tropas sediadas
na capital e arredores. Elas devem ser deslocadas para as fronteiras e outros
lugares despovoados e relativamente remotos.
Deve-se dar-lhes brinquedos. Isto é, proporcionar-lhes
tanques novos e bonitos, aviões, veículos blindados, artilharia e equipamentos
eletrônicos sofisticados. O equipamento novo os manterá contentes e ocupados,
tratando de aprender a manejá-lo (...) Os militares devem ser advertidos de que
só continuarão recebendo seus brinquedos se tiverem bom comportamento, porque
os legisladores norte-americanos não vêem com bons olhos a intervenção dos
militares na política.
Já que aos militares lhes encanta o reconhecimento (...)
assistir às cerimônias militares, outorgando-lhes medalhas (...) Alcançar e
manter um grau de organização política capaz de mobilizar apoio nas ruas da
capital, em caso de tentativa de golpe militar.
“Se tudo isso falhar, abolir as Forças Armadas”.
Fonte: Alerta Total
__________________
*Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
Dados Bibliográficos:
- “El Complot para Aniquilar a las Fuerzas Armadas y a las Naciones de Iberoamérica”, de autoria de Executive Intelligence Review, Washington, 1993
- noticiário da imprensa nacional e internacional.
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