Os últimos fatos
nos permitem reflexões pouco agradáveis. No Rio e em São Paulo, assistimos a
greves que uma autoridade definiu como “greves
selvagens” - “wild cat strikes”, como eram chamadas nos EUA. A greve
selvagem é aquela feita não apenas contra o patrão, mas também contra o
sindicato da categoria, já que os trabalhadores que param o trabalho não
obedecem mais à direção sindical.
Selvagem ou não,
uma greve tem sempre um objetivo e um inimigo. Os grevistas pretendem conseguir
melhores salários e condições de trabalho. Tornando-se um instrumento de luta
da classe operária, o objetivo (podemos dizer a necessidade) era sempre
salário, e o inimigo era sempre o mesmo - o patrão. Se a população viesse a
sentir falta de algo que pelos grevistas era produzido, isso não seria
importante, seria problema menor, pois a greve não duraria o suficiente para
que os “civis” contra eles se voltassem. As coisas mudaram de figura quando as
greves afetaram setores essenciais à vida da Cidade ou feriram os interesses do
Estado. Nesse último caso, um caráter insurrecional lhe poderia ser atribuído.
Sorel pensou na greve geral como “mito” para fazer a revolução.
No Rio e em São
Paulo, os prejudicados foram menos os patrões do que a população. Em São Paulo
(no Rio deve ter acontecido o mesmo), os “civis” faltaram ao trabalho, dormiram
na rua, arriscaram-se a tudo. O prefeito Haddad, experimentando sabor amargo,
teve reação emocional: “Sabotagem!” “Guerrilha!”. Academicamente, tomemos suas
palavras como base de nossa reflexão.
Comentando a
greve geral inglesa de 1926, Haya de la Torre fez importante observação que
serve aos estudiosos e às autoridades: o significativo não é que três milhões
de trabalhadores tenham parado, mas, sim, três milhões de trabalhadores em
greve tenham voltado ao trabalho. Isso se chama organização!
Cansamos de ver
na TV um Comandante fazer a tropa de assalto acertar os relógios para que a
operação seja coordenada. A tropa, presume-se, terá sido treinada para obedecer
e agir ordenadamente. Vejamos, então, São Paulo. Os ônibus saem das garagens e,
logo em seguida, praticamente todos ao mesmo tempo, de maneira ordenada, param
nas ruas. Há, portanto, uma organização por trás de todo esse movimento
grevista, que pouco se incomoda com o sofrimento da população ou com sua
reação. A grande “parada” foi na 3ª feira. Na 4ª feira, os ônibus começaram a
voltar enquanto os representantes dos grevistas parlamentavam com os
representantes patronais, os da Prefeitura e os dirigentes sindicais (esses,
por quê?). A precisão com que os ônibus pararam e depois voltaram a rodar sem
que as reivindicações tivessem sido atendidas permite supor que a “tropa” foi
treinada a obedecer e a fazer aquilo que todos sabiam dever ser feito. Ou a
operação teria sido uma desordem sem fim.
A observação do
Prefeito sobre “guerrilha” permite essas considerações pouco tranqüilizadoras.
Inquietantes, sim, porque os fatos levam à conclusão de que há uma organização
não conhecida, talvez ilegal, que pode parar a Cidade ou o País sem que haja
qualquer reação. Não houve reação e não haverá porque o Estado não está
preparado para esse tipo de perturbação da ordem, que deixa a população à mercê
não se sabe de quem. Sabemos qual o objetivo expresso: salário maior do que o
que foi conseguido pelo sindicato. Não sabemos, porém, quem é o inimigo que se
procura atingir com essa demonstração de força ─ que poderá voltar a repetir-se
em outra oportunidade qualquer ─ nem qual objetivo principal ou acessório possa
ter.
Não custa
lembrar a História: logo depois da libertação, a CGT francesa (PC) decretou
greve geral para mudar a política de austeridade imposta pela guerra e mudar o
governo, se possível. Nada mais! O governo mobilizou os grevistas e o movimento
acabou ─ também porque o Exército obedeceu e a população afetada pela greve
concordou. Durante a guerra da Coréia, uma greve paralisou as ferrovias. Truman
aplicou a lei Taft-Hardley, mobilizou os grevistas, e a greve acabou.
O Governo
francês e Truman sabiam o que estava em jogo. Nós, não! Sabemos apenas que há
uma organização, informal que seja, valendo-se das facilidades das redes
sociais (hipótese pouco provável) para ... para quê? Não se trata de derrubar o
Governo nem de mudar a política econômica. Muito menos desacreditar o
governador do Estado. Atingir Haddad e outros prefeitos, que não teriam
condições (em tempos normais) de fazer os patrões voltarem atrás,
desmoralizando acordo feito dentro da Lei e aumentando tarifas em tempo de
eleição?
O difícil numa
guerra (a “luta de classes” é, no fundo, uma guerra) é conhecer os objetivos
reais do inimigo e seus planos de ataque. Sem conhecê-los, a derrota é
praticamente inevitável.
Esta é a questão
que Haddad trouxe à discussão quando exclamou “Guerrilha!”: contra quem
lutamos? Ou melhor, contra quem e contra que se coloca a organização que
programou e realizou a greve em São Paulo e no Rio?
Ao comentar as
manifestações de Junho passado e a ação dos Black Blocs, deixei a mesma
pergunta no ar, indo ao extremo de falar em uma organização de um só homem, o
Dr. Fu-Manchu. Exagero literário, sem dúvida. Que não elimina a hipótese de que
há uma organização capaz de fazer tumulto na hora que lhe parecer conveniente.
Os espíritos que
desejam paz a qualquer preço não a terão, mas talvez gostassem muito de ter uma
notícia, amanhã: “Por ato da Presidente da República, é decretado o estado de
emergência em todo o país para garantir a realização da Copa, estando suspensas
as garantias constitucionais constantes do artigo 5 da Carta Magna”. Ou nisso
talvez estejam apostando os próprios agitadores, que desconhecemos e dos quais
ignoramos os objetivos.
Fonte: A Verdade Sufocada
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