Marco Aurélio Mello: Lei Eleitoral não é maior do que a
Constituição
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Daqui a pouco, no dia 1º de julho, o jornalismo de rádio e
de televisão será submetido à censura. Sim, à censura, por força do Artigo 45
da Lei Eleitoral, a 9504. Entrevista concedida ao programa “Os Pingos nos Is”,
da Jovem Pan, pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo, dá alguma esperança de
se resgatar um valor essencial garantido pela democracia: a liberdade de
expressão. Vamos ver. Não custa lembrar: ele exerce, no momento, a presidência
do Tribunal Superior Eleitoral e será o regente, no tribunal, das disputas de
2014.
Vamos ver o que está escrito na lei. A transcrição segue em
vermelho. Volto em seguida com Marco Aurélio.
Art. 45. A partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado
às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário:
I – transmitir, ainda que sob a forma de entrevista
jornalística, imagens de realização de pesquisa ou qualquer outro tipo de
consulta popular de natureza eleitoral em que seja possível identificar o
entrevistado ou em que haja manipulação de dados;
II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou
vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou
coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito;
III – veicular propaganda política ou difundir opinião
favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou
representantes;
IV – dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou
coligação;
V – veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou
qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político,
mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates
políticos;
VI – divulgar nome de programa que se refira a candidato
escolhido em convenção, ainda quando preexistente, inclusive se coincidente com
o nome do candidato ou com a variação nominal por ele adotada. Sendo o nome do
programa o mesmo que o do candidato, fica proibida a sua divulgação, sob pena
de cancelamento do respectivo registro.
§ 1º A partir de 1º de agosto do ano da eleição, é vedado
ainda às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por candidato
escolhido em convenção.
§ 1º A partir do resultado da convenção, é vedado, ainda, às
emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por candidato escolhido
em convenção. (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)
§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 55,
a inobservância do disposto neste artigo sujeita a emissora ao pagamento de
multa no valor de vinte mil a cem mil UFIR, duplicada em caso de reincidência.
(…)
Voltei
Muito bem! Quem é que pode ser favorável a que se usem
trucagem e montagem para depreciar candidatos? Ninguém! Seria um absurdo! Nesse
caso, obviamente, a lei faz bem em ser restritiva.
Mas vejam lá o que está disposto no Inciso III. Um jornalista
está impedido de emitir uma opinião, pouco importa o que pense o candidato. Se
alguém propuser uma barbaridade qualquer, o jornalismo faz o quê? Deve se
calar?
De resto, o que é uma “opinião contrária” e “uma opinião
favorável”? A margem de subjetivismo é absurda. É o mesmo que votar uma lei que
diga o seguinte: “Todos estão obrigados a ser bons, e é proibido ser mau”.
Se alguém propusesse, por exemplo, privatizar a Petrobras
(ninguém fará isso, eu sei), eu tenderia a elogiar tal proposta. Então não posso
dizer aos ouvintes, aos telespectadores, que essa proposta é boa? Se alguém
propuser estatizar todos os bancos, estou proibido de dizer que se trata de uma
coisa estúpida?
É claro que isso é censura! É claro que isso cerceia o livre
debate de ideias.
Vamos ver o que disse o ministro Marco Aurélio:
OS PINGOS NOS IS – Ministro, a Lei Eleitoral criará, daqui a
pouco, severas restrições para o trabalho do jornalismo em rádio e na TV. Uma
simples análise poderá ser confundida com campanha. Não se trata de um
resquício autoritário, que cerceia o livre debate de ideias?
MARCO AURÉLIO – Há realmente esse temor por parte da
imprensa em geral. O que nós precisamos é ter presente a lei das leis, a
Constituição Federal. E ela revela em bom português, em bom vernáculo, que a
liberdade de informação, em um estado democrático de direito é a tônica. (…)
Nós não podemos adotar uma ótica que inviabilize a atuação jornalística.
OS PINGOS NOS IS – Ministro, quer dizer que, se alguém
decidir entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei
Eleitoral, com base na garantia da liberdade de expressão, que está na
Constituição, poderia ter sucesso?
MARCO AURÉLIO – Olhe, no mínimo, será implementada aí a
decisão conforme o texto constitucional. Nós não podemos colocar a Lei
Eleitoral, que é a Lei 9.504, de 1997, acima do texto maior, ou seja, da
Constituição Federal.
OS PINGOS NOS IS – Eu acho que a gente está dando junto um
furo aqui, ministro, nacional!
MARCO AURÉLIO – Não, imagine! Eu estou revelando o
convencimento que sempre exteriorizei no plenário. Aliás, eu sou um juiz
previsível.
OS PINGOS NOS IS – Aliás, como devem ser os juízes nas
democracias.
MARCO AURÉLIO – Sem dúvida, é a segurança.
OS PINGOS NOS IS – É a segurança jurídica.
Retomo
Eis aí. Quem sabe ler põe os pingos nos is e nem precisa que
se corte o “t”. Sem entrar no mérito, parece que Marco Aurélio deixa claro que
a Lei Eleitoral não tem o direito de interditar o debate. Cumpre agora que a
Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) recorra a uma
Ação Direita de Inconstitucionalidade contra parte ao menos do Artigo 45. Que
fique claro: nos EUA, todo esse artigo seria considerado uma aberração porque a
Primeira Emenda proíbe que se legisle sobre liberdade de expressão.
Mas nem é preciso querer tanto, embora fosse o ideal.
Segundo a Constituição, entidades de classe de âmbito nacional, como é a Abert,
têm poder de ajuizar uma ADI.
À luta, senhores! Que a Constituição se sobreponha a uma
lei. Assim é nas democracias.
Ouça a entrevista.
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