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sábado, 19 de abril de 2014

Ainda os mitos de 1964

Por Rodrigo Sias*

A onipresença da CIA no imaginário popular e midiático contrasta com a nunca citada interferência soviética, essa sim, enorme e operativa, desde o início da Guerra Fria. Após a tomada comunista de Cuba, a ilha caribenha passou a ser um hub de espionagem e financiamento de guerrilhas no continente americano.

Hoje se sabe que havia vários agentes e espiões (soviéticos, cubanos e até tchecos) operando em solo brasileiro e dentro da burocracia estatal. Goulart foi informado, mas preferiu colaborar, inclusive devolvendo as provas a Fidel Castro, sob pretexto de não criar um “incidente diplomático” com o bloco comunista.

Antes e após o golpe, cubanos intervieram com envio de armas, dinheiro e treinamento e os guerrilheiros brasileiros estavam inseridos numa estratégia revolucionária internacional. Não eram jovens idealistas, isolados e perseguidos por um regime opressor.

Um outro mito resultante da visão romântica dos guerrilheiros é a ênfase dada a Operação Condor. No imaginário da esquerda, o acordo costurado no início dos anos 70 entre os regimes militares do Cone Sul significou uma enorme “orquestração imperialista” liderada pelos EUA, contra as organizações “populares”.

No entanto, a aliança proposta pelo Chile consistiu apenas em uma cooperação entre os serviços de inteligência e repressão dos regimes militares da região para combater a guerrilha em seus respectivos países, feita às pressas e com papel limitado.

Curiosamente, a ampliação metafórica do papel da Operação Condor é seguida de um total descaso na averiguação das ações da Organização Latino Americana de Solidariedade – Olas, entidade que coordenava as ações violentas da esquerda radical no continente. Foi por perceber o alcance dessa entidade, idealizada por Salvador Allende, que o governo Pinochet propôs a aliança anticomunista entre os militares.

Outro grande mito é a “submissão” do Regime Militar aos EUA. De fato, houve um alinhamento forte durante o governo de Castello Branco. No entanto, em meados dos anos 70, o Brasil rompeu unilateralmente o acordo militar com os EUA e iniciou uma diplomacia terceiro-mundista contrária aos interesses americanos. Graças a essa mentalidade equivocada, nosso país foi o primeiro a reconhecer o regime marxista angolano. Aliás, esse foi o grande crime do governo militar: ter se aliado indiretamente a Cuba no apoio ao comunismo em Angola, vitorioso numa guerra civil que vitimou milhares de pessoas.

Outra mistificação comum é a caracterização do Regime de 64 como “fascista”. Um regime do tipo fascista, além do autoritarismo, conta com um partido político único, forte militância, uma população ideologizada e um líder carismático. No Brasil, ocorreu o contrário: rodízio de presidentes com mandato definido, um congresso (com dois partidos) e judiciário funcionais – embora “amarrados”-, complacência política da população (até a crise dos anos 80) e uma atuação ideológica fraca por parte do governo.

Por fim, apesar da propaganda, a volta à democracia foi possível apesar da ação de guerrilheiros e não por conta dela. A democratização foi viabilizada, de fato, por àqueles que combateram na legalidade.

Infelizmente, a mistificação não é exclusividade da esquerda. Na semana que vem, apresento alguns mitos da direita sobre o período.



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*Rodrigo Sias é economista pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - Originalmente publicado em Brasil Econômico, nº 1151

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