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quinta-feira, 10 de março de 2016

Se virar ministro, Lula perde discurso de vítima e pode ter imagem manchada de vez


Ex-presidente Lula em São Paulo
 4/3/2016 REUTERS/Paulo Whitaker
SÃO PAULO (Reuters) - A notícia de que Luiz Inácio Lula da Silva pode assumir um ministério da presidente Dilma Rousseff para garantir foro privilegiado e se ver livre das garras do juiz Sérgio Moro é um movimento que pode trazer muito mais prejuízo do que ganhos para o ex-presidente e ainda mais para o atual governo.

Se a entrada de Lula no primeiro escalão pode livrá-lo efetivamente de uma suposta pretensão de Moro vê-lo atrás das grades, sua consumação tiraria do ex-presidente o discurso de vítima e indignação que usou tão bem na semana passada, após ser levado pela Polícia Federal para prestar depoimento sob condução coercitiva.

Alvo da fase da operação Lava Jato lançada na última sexta-feira, Lula disse ter se sentido "ofendido", "magoado", "ultrajado" e "prisioneiro". Disse que teria prestado depoimento voluntariamente caso fosse chamado por Moro, como já tinha feito antes.

Ao mesmo tempo que se colocou como vítima, também estimulou a militância petista e seus apoiadores, dizendo que a partir daquele momento estava disposto a "andar este país".

"Se tentaram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo, a jararaca tá viva como sempre esteve", disse Lula, deixando clara a intenção de concorrer novamente à Presidência.

Depois disso, o ex-presidente teria dito a interlocutores: "A partir de agora, se me prenderem, eu viro herói. Se me matarem, viro mártir. E, se me deixarem solto, viro presidente de novo”.

Virar ministro a essa altura dos acontecimentos jogaria por terra praticamente todo esse discurso. Com o cargo, qualquer investigação ou ação judicial contra Lula teria que passar pelo Supremo Tribunal Federal (STF), tirando de Moro a competência para o caso.

Ainda que Lula pudesse falar em arbitrariedades e perseguição da Lava Jato, o movimento seria visto como um sinal claro de desespero e, para seus adversários e não só eles, como uma forma de assunção de culpa.

Se fosse para assumir um ministério, Lula deveria ter feito isso em agosto do ano passado, quando essa possibilidade veio à tona. Na ocasião, a justificativa oficial era de que sua entrada formal na administração Dilma, provavelmente no Ministério das Relações Exteriores, seria uma forma de fortalecer a coordenação política do governo.

Não se escondia mesmo naquele momento que o óbvio ganho do foro privilegiado seria de certa forma um embaraço, mas pelo menos a Lava Jato ainda se encontrava relativamente distante de Lula, embora muitos de seus aliados já dissessem que o alvo real da operação era o petista.

Agora não se trata mais de simples discurso petista. A Lava Jato está efetivamente investigando Lula e há quem diga que sua condução coercitiva na última semana não passou de um teste para a força-tarefa de Curitiba no caso de uma futura prisão do ex-presidente.

Para o Palácio do Planalto, o estrago não seria menor com Lula ministro. Combalido por uma baixíssima popularidade em um cenário de desemprego em alta, inflação elevada e enfrentando um processo de impeachment contra Dilma, o governo passaria mais uma imagem de desrespeito com a coisa pública ao usar a nomeação para o ministério como uma forma de fuga da Justiça.

No caso de Lula, o movimento não seria uma garantia definitiva. Primeiro porque se Dilma sofrer o impeachment, Lula perderia o ministério.

Mais do que isso, se afinal houver provas mesmo contra o ex-presidente, não há por que imaginar que o Supremo deixaria de condená-lo, ainda que num ritmo processual muito mais lento do que o de Moro.


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Alexandre Caverni  é editor de Front Page do Serviço Brasileiro da Reuters. As opiniões expressas são do autor do texto.

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