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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Velório em câmera lenta

Por J. R. Guzzo
 
José Dirceu fecha enfim o seu ciclo na paisagem pública brasileira. Acaba onde começou: numa prisão. Em outubro de 1968, aos 22 anos de idade, entrou em cena ao ser preso num congresso clandestino de estudantes no interior de São Paulo. Na semana passada, apanhado nessa prodigiosa chacina que a corrupção criou dentro e em torno da Petrobras, estava de volta à cadeia, desta vez num xadrez da Polícia Federal de Curitiba, para o ato final de sua jornada. Há uma gelada melancolia nisso tudo. Entre um momento e outro, Dirceu investiu 47 anos na luta sem descanso pelo poder. Chegou lá, depois de esforços maiores do que prometia a força humana, em 2003, quando o Partido dos Trabalhadores emergiu como a principal força política do Brasil ─ mas ao chegar conseguiu ficar apenas dois curtíssimos anos, lançado ao mar pelos companheiros nas primeiras trovoadas do que viria a ser o mensalão.


Quando começou a subida, José Dirceu era visto como um herói pela esquerda brasileira; sequestraram um embaixador dos Estados Unidos, nada menos que isso, para resgatá-lo da prisão do governo militar onde estava em setembro de 1969 e permitir assim sua ida para o exílio em Cuba. Agora, ao ser preso na Operação Lava-Jato, querem mais é que ele fique lá mesmo na cadeia. Ao entrar no prédio da Polícia Federal em Curitiba, tudo a que teve direito foi uma vaia de algumas dezenas de manifestantes. Não apareceu um único amigo, militante ou movimento social para lhe dar apoio; no dia de sua prisão o “exército do MST”, que ainda outro dia o ex-presidente Lula ameaçava botar na rua para defender “o projeto do PT”, estava empenhado em gritar “fora Levy” numa baderna no Ministério da Fazenda, em Brasília. É o que temos.

É uma dessas ciladas da vida o fato de que os problemas mais sérios de Dirceu com o sistema carcerário brasileiro não aconteceram durante o período sem lei em que a justiça era feita dentro dos quartéis; são de hoje, em pleno vigor das liberdades, do direito de defesa e do reinado do PT. Dirceu ficou preso pouco menos de onze meses no governo militar que tanto combateu. Agora, no governo em que tanto mandou, já está cumprindo pena há mais de vinte, desde 15 de novembro de 2013; ficou preso até 4 de novembro de 2014 em Brasília, na Penitenciária da Papuda e em regime semiaberto, depois em sua casa, e no momento está de volta à prisão fechada.

Há comparações ainda mais tristes. No passado Dirceu esteve preso por ser “um combatente da resistência contra a ditadura”. Hoje está na cadeia por conta da “Operação Pixuleco”, cortesia do companheiro João Vaccari Neto ─ é a isso que foi reduzido. Até pouco antes de ir para a Papuda, recebia em seu escritório o ex-presidente da Petrobras Sergio Gabrielli e era um dos colaboradores favoritos entre os magnatas da empreitagem de obras públicas. Quando ele foi despachado para a PF de Curitiba, os peixes gordos tinham sumido por completo do seu pesqueiro. “Libertar Dirceu” de sua primeira prisão foi um ponto de honra para toda uma geração da esquerda nacional.

Na semana passada não era nada: não deu para levantar o braço esquerdo chamando os companheiros “à luta”, como fizera menos de dois anos atrás, porque não havia em volta nenhum companheiro disposto a lutar por ele nem a gritar “guerreiro do povo brasileiro”. Mais que tudo, talvez, Dirceu viu os chefes petistas, que o bajularam durante anos, renunciarem às regras mais elementares da decência comum neste seu momento de infortúnio. Lula ficou absolutamente mudo. O Palácio do Planalto não disse sequer uma palavra ─ numa reunião feita ali no dia da prisão, segundo o ministro da Defesa, o assunto “não foi tratado”. Com Dirceu já preso, o PT conseguiu escrever duas declarações oficiais inteirinhas sem citar uma única vez o seu nome.

O fim da linha para José Dirceu chega num momento de terremoto político em formação acelerada. Dilma Rousseff já não governa ─ deixou o poder por abandono de cargo, já há bom tempo, por capitular diante da corrupção descontrolada que destruiu seu governo e por sua inépcia terminal para a função de governar qualquer coisa. Lula não é mais que uma sombra assustada, que há muito se preocupa apenas com a própria sobrevivência. O PT, enfim, solta notas com atividade cerebral próxima ao zero, nas quais transforma em bomba terrorista um buscapé de São João jogado contra o Instituto Lula, fala em “avanço da direita” e não consegue mostrar nenhuma ideia coerente em sua defesa. Junto com a despedida de Dirceu, é o velório em câmera lenta de um partido e de um governo que optaram pelo suicídio.



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