Por Robert Epstein
O Google tem a capacidade de direcionar milhões de votos
para um candidato sem que ninguém se dê conta.
O próximo presidente americano poderia ter o acesso ao cargo facilitado não
apenas por anúncios na TV ou discursos, mas pelas decisões secretas do Google,
e ninguém – exceto por mim e talvez outros poucos pesquisadores desconhecidos –
saberia com isto foi alcançado.
Uma pesquisa que tenho realizado nos anos recentes sugere que o Google Inc.
acumulou muito mais poder para controlar eleições – de fato, para controlar uma
ampla variedade de opiniões e crenças – do que qualquer companhia já teve na
história. O algoritmo de busca do Google pode facilmente alterar as
preferências de eleitores indecisos em 20% ou mais – acima de 80% em alguns
grupos demográficos – sem que virtualmente ninguém saiba que está sendo
manipulado, de acordo com experimentos que
realizei recentemente juntamente com Ronald E. Robertson.
Dadas as muitas eleições que são vencidas por pequenas
margens, isto dá ao Google o poder, bem agora, de “virar” 25% das eleições
nacionais no mundo inteiro. Nos EUA metade de nossas eleições presidenciais têm
sido vencidas por margens inferiores a 7,6%, e a eleição de 2012 foi vencida
por uma margem de 3,9% - bem dentro do controle do Google.
Há pelo menos três cenários bastante reais pelos quais o Google – talvez, mesmo
sem o conhecimento dos líderes – poderia moldar ou mesmo decidir a eleição do
próximo ano. Quer os executivos do Google vejam ou não deste modo, os
empregados que constantemente ajustam o algoritmo de busca do gigante estão
manipulando pessoas a cada minuto de cada dia. Os ajustes que fazem,
progressivamente influenciam nosso pensamento – incluindo, verifica-se, nossas
preferências de voto.
O que chamamos em nossa pesquisa de SEME – Search Engine Manipulation
Effect (Efeito da Manipulação de Mecanismos de Busca) vem a ser o
maior efeito comportamental já descoberto. Nosso novo estudo abrangente,
que acaba de ser publicado no Proceedings of the National Academy of
Sciences (PNAS), inclui os resultados de cinco experimentos que
conduzimos com mais de 4.500 participantes em dois países. Devido ao SEME ser
virtualmente invisível, como forma de influência social, devido aos efeitos
serem tão extensos, e devido à inexistência de regulações em qualquer lugar do
mundo que impeçam o Google de usar e abusar desta técnica, acreditamos que o
SEME é uma séria ameaça aos sistemas democráticos de governo.
O Google
Trends, enquanto escrevo, mostra que Donald Trump está atualmente surrando
todos os outros candidatos na atividade de busca em 47 dos 50 estados. Esta
atividade poderia empurrá-lo para cima nos rankings de busca? E estes rankings
mais altos poderiam proporcionar mais apoio a ele? Quase que definitivamente –
a depender de como os empregados do Google escolham ajustar os coeficientes
numéricos no algoritmo de busca. O Google admite ajustar o algoritmo 600 vezes
por ano, mas o processo é secreto, então o efeito que o sucesso do Sr. Trump
terá sobre em como ele aparece nas buscas do Google está presumivelmente fora
das mãos dele.
Nossa nova pesquisa deixa poucas dúvidas a respeito da capacidade do Google de
controlar os eleitores. Em experimentos de laboratório e online realizados nos
EUA fomos capazes de impulsionar a proporção de pessoas que preferem qualquer
candidato entre 37% e 63% após apenas uma sessão de busca. O impacto do ranking
de visualizações tendencioso repetido por um período de semanas ou meses seria
indubitavelmente maior.
Em nosso experimento básico os participantes foram distribuídos aleatoriamente
em um de três grupos, nos quais os rankings de busca favoreciam o candidato A,
candidato B e nenhum candidato. Foram fornecidas aos participantes breves
descrições de cada candidato, e então perguntamos a eles o quanto gostaram e
confiaram em cada candidato, e em quem eles votariam. Então foi permitido a
eles 15 minutos para realizarem pesquisa online sobre os candidatos utilizando
um mecanismo de buscas semelhante ao Google, que criamos e denominamos
Kadoodle.
Cada grupo teve acesso aos mesmos 30 resultados de busca – todos resultados de
buscas reais vinculados a páginas web reais de uma eleição passada. Apenas a
ordem dos resultados diferiu nos três grupos. As pessoas podiam clicar
livremente em qualquer resultado ou alternar entre qualquer das cinco
diferentes páginas dos resultados, assim como qualquer um pode no mecanismo de
busca do Google.
Quando nossos participantes estavam fazendo buscas, perguntamos a eles algumas
questões novamente, e,voilà: em todas as mensurações as opiniões se
alteraram na direção do candidato que tinha sido favorecido no ranking.
Confiança, simpatia e preferência de voto foram alteradas previsivelmente.
O mais alarmante, também demonstramos esta alteração com eleitores reais
durante uma campanha eleitoral real – num experimento conduzido com mais de
2.000 eleitores indecisos por toda a Índia durante a eleição de 2014 para o Lok
Sabha (Câmara do Parlamento Indiano) – a maior eleição democrática da história,
com mais de 800 milhões de eleitores habilitados e 480 milhões de votos
finalmente computados. Mesmo aqui, com eleitores reais que estavam altamente
familiarizados com os candidatos e que estavam sendo bombardeados com retórica
de campanha todos os dias, mostramos que os rankings de busca poderiam aumentar
a proporção de pessoas a favor de qualquer candidato em mais de 20 % - mais de
60% em alguns grupos demográficos.
Dado quão poderoso é este efeito, é possível que o Google tenha decidido o
vencedor da eleição na Índia. Os dados diários do Google sobre a atividade de
buscas relacionadas à eleição (subsequentemente removidas da internet, mas não
antes que eu e meus colegas baixássemos as páginas) mostraram que Narendra
Modi, o vencedor final, superava seus rivais em atividade de busca em mais de
25% por 61 dias consecutivos antes que os votos finais fossem computados. O
alto volume de atividades de busca poderia facilmente ter gerado rankings de
busca mais altos para Modi.
O comentário oficial do Google sobre a pesquisa SEME é sempre o mesmo:
“Fornecer respostas relevantes tem sido o fundamento da abordagem do Google em
buscas desde o início. Se tivéssemos que mudar o curso, isto abalaria a
confiança das pessoas em nossos resultados e na companhia”.
Algum comentário poderia ser mais sem sentido? Como fornecer “respostas
relevantes” às questões relacionadas à eleição exclui a possibilidade de
favorecimento a um candidato sobre outro nos rankings de busca? A declaração do
Google parece muito próxima de uma negativa encoberta de que sempre põe seus
dedos na balança.
Há três cenários confiáveis sob os quais o Google poderia facilmente estar
“virando” eleições pelo mundo enquanto você lê isto:
Primeiro, há o Cenário Western Union: os executivos do Google decidem qual
candidato é melhor para nós – e para a companhia, é claro – e burlam os
rankings de busca em conformidade com isto. Há precedente nos EUA para este
tipo de manipulação eleitoral (backroom king-making). Rutherford B. Hayes, o 19o presidente
dos EUA, foi posto no cargo, em parte, devido ao forte apoio da Western Union.
Nos idos de 1800 a Western Union tinha o monopólio das comunicações na América,
e pouco antes das eleições de 1876 a companhia fez o seu melhor para assegurar
que apenas novas estórias positivas sobre Hayes aparecessem nos jornais a nível
nacional. Também compartilhou todos os telegramas enviados pela equipe de seu
oponente com a equipe de Hayes. Talvez o modo mais efetivo de influência
política exercida no atual mundo da tecnologia seja doar dinheiro a um
candidato e então usar a tecnologia para assegurar que ele ou ela vença. A
tecnologia garante a vitória, e a doação garante comprometimento, o que o
Google tem certamente explorado nos anos recentes da administração Obama.
Dado o forte vínculo do Google com os democratas, há razão para suspeitar que
se o Google ou seus empregados interferirem para favorecer seus candidatos,
será para ajustar o algoritmo de busca para favorecer Hillary Clinton. Em 2012
o Google e seus principais executivos doaram mais de 800 milhões de dólares
para Obama, mas apenas 37 mil dólares para Romney. Pelo menos seis altos
funcionários de tecnologia no governo Obama, incluindo Megan Smith, diretora
executiva de tecnologia do país, são antigos empregados do Google. De acordo
com uma publicação recente do Wall Street Journal, desde que
Obama chegou ao cargo, representantes do Google têm visitado a Casa Branca com
frequência dez vezes superior aos representantes de outras companhias – uma vez
por semana, em média.
Hillary Clinton claramente tem o apoio do Google e é bem atenta aos valores do
Google nas eleições. Em abril deste ano ele empregou uma alta executiva do
Google, Stephanie Hannon, para trabalhar como sua diretora de tecnologia. Não
tenho razões para suspeitar que Hannon usaria suas antigas relações para auxiliar
sua candidata, mas o fato é que ela – ou qualquer outro indivíduo com
influência no Google – ter o poder de decidir eleições, ameaça solapar a
legitimidade do sistema eleitoral, particularmente em eleições que são vencidas
por pequenas margens.
Este é, de qualquer forma, o cenário mais improvável. Que companhia se
arriscaria ao repúdio público ou às punições corporativas que se seguiriam ao
ser pega manipulando eleições?
Segundo, há o Cenário Marius Milner: Um funcionário desonesto no Google que
possua senha com autoridade suficiente, ou habilidades de hacker, faz uns
poucos ajustes nos rankings (talvez após receber uma mensagem de texto de algum
velho amigo que agora trabalha na campanha), e a obra está feita. Em 2010,
quando o Google foi pego fazendo varredura de informações pessoais de redes
Wi-Fi desprotegidas em mais de 30 países usando veículos do Google Street View,
a culpa foi atribuída a um único funcionário: o engenheiro de software Marius
Milner. Então eles o demitiram, certo? Não. Ele ainda está lá. E no LinkedIn
ele atualmente identifica sua profissão como “hacker”. Se, de algum modo, você
teve a impressão de que ao menos uns poucos dos 37.000 funcionários do Google
são um pouquinho mais espertos que Milner e possuem uma certa malícia – bem, você
provavelmente está certo, motivo pelo qual o cenário do empregado desonesto não
é exagerado como pode parecer.
E terceiro, – e esta é a possibilidade mais assustadora – há o Cenário do
Algoritmo: Sob este cenário todos os empregados do Google são cordeirinhos
inocentes, mas o software é mau. O algoritmo de busca do
Google está empurrando um candidato para o topo dos rankings devido ao que a
companhia pudicamente desconversa e atribui tudo à atividade “orgânica” de
buscas pelos usuários; é inofensivo, veja você, porque é natural. Sob este
cenário, um programa de computador está escolhendo nossas
autoridades eleitas.
Colocando de outra maneira. Nossa pesquisa sugere que não importa quão
inocentes ou desinteressados os empregados do Google possam ser, o algoritmo
de buscas do Google, impulsionado pela atividade dos usuários, tem sido
determinante no resultado de eleições vencidas por pequenas margens pelo mundo
por anos, com progressivo impacto a cada ano devido à crescente penetração da
internet.
O SEME é poderoso precisamente porque o Google é bom no que faz, seus
resultados de busca são geralmente esplêndidos. Tendo aprendido este fato, com
o tempo chegamos a um alto grau de confiança naqueles resultados. Também
aprendemos que bem ranqueado significa material melhor, motivo pelo qual 50% de
nossos cliques vão para os primeiros dois itens, com mais de 90% de todos os
cliques indo para aquela primeira página da busca. Infelizmente, quando se
trata de eleições, aquela confiança extrema que temos desenvolvido nos torna
vulneráveis à manipulação.
Nos dias finais de uma campanha, fortunas são gastas em blitzes na mídia
direcionadas a um punhado de municípios onde eleitores indecisos determinarão
os vencedores em todos os estados indecisos. Que desperdício de recursos! A
pessoa certa no Google poderia influenciar aqueles eleitores chave mais do que
poderia qualquer discurso de campanha; não há recurso mais barato, mais
eficiente ou meio mais sutil para “virar” os eleitores indecisos que o SEME. O
SEME também tem uma misteriosa vantagem sobre cartazes e outdoors: quando as
pessoas estão inconscientes da origem da influência, elas acreditam não estar
sendo influenciadas de modo algum; acreditam que decidiram por conta própria.
Republicanos, anotem: Seria particularmente fácil para o Google realizar uma
manipulação em benefício de Hillary Clinton, porque de todos os grupos
demográficos que observamos até agora, nenhum tem sido mais vulnerável ao SEME
– em outras palavras, tão cegamente confiantes em rankings de busca – do que
republicanos moderados. Num experimento nacional que conduzimos nos EUA fomos
capazes de alterar em elevadíssimos 80% dos republicanos moderados em qualquer
direção que escolhemos, apenas variando rankings de busca.
Há muitas maneiras de influenciar eleitores – mais maneiras que nunca nestes
dias, graças à TV a cabo, aos dispositivos móveis e à internet. Por que ter
tanto medo do mecanismo de busca do Google? Se os rankings são tão influentes,
todos os candidatos não estariam usando as últimas técnicas de SEO (Search
Engine Optimization – Otimização de Mecanismos de Busca) para certificarem-se
de ficar bem ranqueados?
SEO é competitivo, como são outdoors e comerciais de TV. Sem problema aí. O
problema é que, para todos os propósitos práticos, há apenas um mecanismo de
busca. Mais de 75% das buscas online nos EUA são realizadas no Google, e em
muitos outros países esta proporção é de 90%. Isto significa que se o CEO do
Google, um empregado desonesto ou mesmo apenas o algoritmo de busca por si mesmo,
favorecer um candidato, não há meio de contra-atacar esta influência.
Seria como se a Fox News fosse o único canal de televisão do país. Com a
crescente penetração da internet e mais pessoas obtendo informação online sobre
os candidatos, o SEME torna-se uma forma cada mais forte de influência, o que
significa que os programadores e executivos que controlam mecanismos de busca
também tornam-se mais poderosos.
Pior ainda, nossa pesquisa mostra que mesmo quando as pessoas notam que estão
sendo influenciadas por rankings de busca, suas preferências de voto ainda se
alteram nas direções desejadas – até mais do que as
preferências das pessoas que estão alheias à influência. Em nosso estudo
nacional, nos EUA, 36% das pessoas que eram inconscientes da influência dos
rankings mudaram em direção ao candidato que escolhemos por elas. Mas 45%
daqueles que estavam conscientes da influência também mudaram.
É como se a influência estivesse servindo como uma forma de prova social; o
mecanismo de busca claramente prefere um candidato, logo este candidato deve ser
o melhor. (Resultados de busca são presumidamente tendenciosos, afinal; eles
supostamente nos mostram o que é melhor, o segundo melhor e assim por diante).
Rankings tendenciosos são difíceis de serem detectados por indivíduos, mas e a
respeito de reguladores e fiscais eleitorais? Infelizmente, o SEME é fácil de esconder.
A melhor maneira de exercer este tipo de influência é fazer o que o Google, a
cada dia, está se tornando melhor em fazer: emitir relatórios de busca
customizados. Se resultados de busca que favorecem a um candidato forem
enviados a indivíduos vulneráveis, os reguladores e fiscais serão especialmente
pressionados a encontrá-los.
Para registro, a propósito, nossos experimentos atendem às normas de ouro da
pesquisa em ciências sociais: são aleatórias (o que significa que as pessoas
são distribuídas aleatoriamente em diferentes grupos), controladas (o que
significa que incluem grupos nos quais as interferências estão tanto presentes
como inexistentes), contrabalançadas (o que significa que detalhes críticos,
como nomes, são apresentados a metade dos participantes em uma ordem e na ordem
inversa à outra metade) e em dupla ocultação (double-blind - o que
significa que nem os sujeitos das experiências, nem ninguém que interage com
eles, têm qualquer ideia de quais sejam as hipóteses ou em que grupos de pessoas
estão distribuídas). Os sujeitos de nossas pesquisas são diversificados,
correspondem tão próximo quanto possível às características do eleitorado do
país. Finalmente, nossa publicação recente no PNAS incluiu quatro reproduções;
em outras palavras, demonstramos repetidamente – sob diferentes condições e com
diferentes grupos – que o SEME é real.
Nossa pesquisa mais recente sobre o SEME, realizada com aproximadamente 4.000
pessoas pouco antes das eleições nacionais no Reino Unido, na primavera
passada, procura meios pelos quais sejamos capazes de proteger as pessoas da
manipulação. Encontramos o monstro; agora estamos tentando compreender como
matá-lo. O que temos aprendido até agora é que a única forma de proteger as
pessoas de ranking de buscas tendenciosos é quebrar a confiança que o Google
trabalhou tão duro para construir. Quando deliberadamente mesclamos rankings,
ou quando exibimos vários tipos de alertas que identificam o viés, podemos, em
parte, suprimir o SEME.
Entretanto, é difícil imaginar o Google alguma vez degradando seus produtos e
debilitando sua confiança de tal maneira. Para proteger eleições livres e
justas, isto nos deixa apenas uma opção, tão impalatável quanto possa parecer:
regulação governamental. (Grifos do autor).
Publicado no site da Politico Magazine.
Tradução: Flavio Ghetti
Fonte: Mídia Sem Máscara
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