Por Lucas Berlanza
Senhoras e senhores, eu começo a pensar que deveriam existir
limites mínimos admissíveis na canalhice vitimista. Não abdicarei dos meus
princípios defendendo qualquer tipo de censura, mas certos casos de
mau-caratismo e falta de vergonha chegam a soar criminosos, causando um sincero
efeito de impaciência em meus pobres ânimos. Refiro-me, indignado, a uma
campanha veiculada durante a semana por algum petista desconhecido no canal de
vídeos Youtube, aos meus olhos leigos até bem feita tecnicamente, mas com uma
mensagem que é de chocar qualquer pessoa de bom senso.
Segundo o vídeo, os petistas são hoje perseguidos com
violência e hostilidade por parte da população de forma análoga à com que os
judeus eram perseguidos durante o regime nazista na Alemanha (!!). Sim, é isso
mesmo, você não leu errado. Diante da queda da máscara de seu sistema
apodrecido e espúrio, os petistas agora recorrem com força ao que Leo Strauss
chamou de ad hitlerum – o famoso apelo a comparações com Hitler e o nazismo,
que surge quando os argumentos racionais já se esgotaram por completo, se é que
um dia estiveram presentes.
O vídeo começa cometendo um “ato falho”, que talvez denuncie
apenas a consciência da verdade que se está pretendendo adulterar. Ele abre com
a seguinte inscrição aparecendo em um fundo preto: “petistas, judeus… e o
nazismo. O que têm em comum?” Em seguida, a narradora, em seu tom tétrico, diz
que “em algum momento da história, pertencer a um desses grupos virou sinônimo
de achaque social” e que “foram atacados de forma violenta por quem detinha
poder e pela própria sociedade”. Interessante que, embora não seja, obviamente,
sua intenção, a locutora do vídeo coloca o nazismo, se analisarmos suas
declarações pela frieza da gramática e da ordem sintática, entre os tais
“grupos”, e não como perseguidor. Ela deveria ter dito, para ser rigorosamente
correta, apenas “petistas e judeus”. As reticências não seriam separação
suficiente da palavra “nazismo” para demarcar que ele está em posição oposta
aos dois termos anteriores. A continuação do vídeo deixa claro o que ela quis
dizer, mas esse ato falho diz muito mais sobre a verdade dos fatos: se fôssemos
fazer alguma comparação, diríamos muito mais acertadamente que, sem serem a
mesma coisa, petismo e nacional-socialismo têm elementos de autoritarismo, amor
pela censura e plantio sistemático do ódio como características em comum. Os judeus é que
deveriam ser, por justiça, separados dessa trupe.
A comparação infame, porém, prossegue; pontuando que Hitler
colocou a culpa de todas as desgraças alemãs nos judeus, manipulando
instrumentos da mídia e propaganda para fazê-los odiados e perseguidos pelo
próprio povo, “desumanizados, torturados e, enfim, assassinados” – o que é,
diga-se de passagem, tudo verdade -, a locutora do vídeo diz que vê, hoje,
amigos com discurso “nazista”, odiando os petistas e desejando-lhes a “morte”.
Alguns, tomados de revolta com a situação nacional, podem até chegar, em
destempero, a declarações extremas; mas quantas pessoas você conhece que
defenderam a tortura do vizinho petista? Que defenderam o assassinato do tio ou
do sobrinho petista? Quantos petistas foram vítimas de atentados ou morreram em
“campos de concentração”? Quantos petistas foram segregados e amontoados em
câmaras de gás para morrer sem misericórdia? Quantos foram marcados nas peles
com a estrela vermelha (cuja dignidade passa longe da estrela de Davi judaica)?
Quem responder que conhece muitos casos pertinentes a essas indagações
certamente não está vivendo no mesmo país que eu. A comparação é imunda, imoral
e ultrajante. É uma ofensa a todos os milhões de mortos pelo totalitarismo
genocida dos alemães antes do término da Segunda Guerra Mundial.
A locutora então pergunta: “por que você odeia o PT e não o
PSDB?” Segundo ela, todos os partidos têm pessoas honestas e desonestas, todos
“usam o financiamento privado de campanha” e, portanto, odiar apenas o PT é
resultado da cegueira perante o “discurso único” da grande imprensa, que os
“nazistas que odeiam o PT” repetiriam “como se fossem verdades absolutas” –
assim como, por exemplo, os socialistas doutrinados pelo MEC repetem o que diz
o Nova História Crítica do Mario Schmidt como se fosse “verdade absoluta”, e os
militantes imbecis reproduzem cartilhas do partido como se fossem a palavra de
Deus. Passam então na tela,
freneticamente, imagens de capas da Revista Veja e o símbolo da Rede Globo –
cujo maior telejornal mal tem dado destaque aos vários processos legais sendo
abertos e mobilizados contra o governo de Dilma Rousseff. Estaríamos sendo, os
que se opõem ao PT, manipulados como gado em uma “guerra desigual bancada pela
grande mídia”. E bla bla bla.
Amigos, devo confessar. Por uma inversão mágica do
significado das palavras, baseado nesse vídeo (des)educativo, parece que a
palavra “nazismo”, historicamente descontextualizada, pode se aplicar a mim.
Sou nazista porque acredito na liberdade de expressão, no
mercado livre de amarras, no fim da farra sistemática com as estatais que
cristalizou o maior esquema de corrupção da história republicana. Sou nazista
porque abomino a segregação em grupos por cor de pele, credo religioso ou
orientação sexual, usada para enaltecer um projeto de poder calcado no ódio e
na divisão do povo entre “nós e eles”. Sou nazista porque rejeito a aliança
espúria da máquina do Estado com empresários poderosos, que de liberais nada
têm, e buscam apenas vantagens para manter seus negócios. Sou nazista porque
desejo a mídia livre e cumprindo seu papel, em vez de ameaçada e acuada o tempo
inteiro com pressões e projetos que, sob o eufemismo de “democratizá-la”, outra
coisa não desejam que a censura. Sou nazista porque não defendo o apoio a
ditaduras de lugar nenhum, seja qual for a cor ideológica delas. Sou nazista
porque, em outras palavras, repudio severamente o socialismo bolivariano,
repudio severamente o chavismo venezuelano, repudio severamente o comunismo
cubano, repudio severamente o PETISMO BRASILEIRO. Se isso faz de mim um
“nazista”, numa inversão malabarista de todos os sentidos e contextos
históricos, então, senhores, eu sou, daqui por diante, nazista. Daqui por
diante, os países aliados também eram nazistas, e Hitler era um
liberal-democrata.
Sabemos que o petismo é asqueroso, mas não precisavam descer
tão baixo. Esse vídeo é uma verdadeira agressão à sensibilidade humana. Não
menos que isso. E acho que não consigo dizer mais nada a respeito.
Paro por
aqui.
Fonte: Libertatum
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Lucas Berlanza é Acadêmico de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.
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