Por Percival Puggina
Se formos buscar nos Evangelhos algumas réguas para
aferir os valores segundo os quais nos devemos conduzir, veremos que a régua da
caridade, do zelo pelos mais necessitados, serve como medida do amor a Deus.
Nenhum cristão negará essa realidade ao mesmo tempo material e espiritual. No
entanto, o pobre dos Evangelhos é, principalmente, o carente de Deus. E é
também, entre muitos outros aspectos, o materialmente pobre, o necessitado de
afeto, de justiça, de liberdade, de oportunidade. Desconhecer isto é uma
primeira e muito comum perversão do sentido evangélico da palavra
"pobre" e da situação da pessoa humana a ela correspondente.
Infelizmente, muitos alegam encontrar, nos Evangelhos,
inspiração para uma visão sociopolítica do pobre. O pobre das Escrituras, nessa
hipótese, não seria uma pessoa concreta, mas uma classe social. Mais um passo,
e ele muda de nome, tornando-se o "excluído" da teologia da
libertação. É fácil perceber onde se quer chegar com a substituição do vocábulo
por um suposto sinônimo. Dizer-se "excluído" implica a ideia
simétrica do "incluído", ou seja, de alguém que ocupou determinado
espaço e rejeita a presença do outro. É o que sugere Lula, por exemplo, cada
vez que coloca um suposto pobre num suposto avião e diz que os demais
passageiros, supostamente, não o querem ali. Não há limite para a demagogia do
multimilionário Lula. E não há limite para a malícia sociopolítica, supostamente
religiosa, da teologia da libertação. Esta é uma segunda perversão envolvendo o
mesmo conceito.
Uma terceira corresponde ao culto à pobreza material
como um bem em si. Nessa perspectiva, muito comum, tudo se passa como se o
empenho individual ou coletivo para sair de uma situação de carência material
em direção a uma vida com maior dignidade e bem-estar fosse desvio de
finalidade da existência humana e não um bem a ser buscado. Afirmo, aqui, o
oposto: o ser humano não foi criado com tantos dons físicos, espirituais e
intelectuais para se nutrir num pomar e se vestir com folhas de parreira.
Uma quarta perversão - e talvez a socialmente mais maléfica
- é a que procura enfrentar a pobreza mediante políticas e sistemas econômicos
que a conservam, reproduzem e aprofundam. Refiro-me ao igualitarismo percebido
como ideal de vida social, cujos péssimos resultados se tornam nítidos nas
experiências comunistas. Em nome da igualdade, mata-se a riqueza na sua fonte.
Solapa-se a iniciativa dos indivíduos e das comunidades. Cerceia-se a liberdade
de criação, condena-se o mérito e planeja-se a mediocridade. Se a igualdade é o
objetivo, a pobreza de todos não perturba os adeptos dessa estranha ideologia
que se diz protetora e defensora dos pobres.
A sociedade contemporânea já demonstrou, com excesso de
evidências, que o modo mais eficiente de promover o desenvolvimento social, sem
prejuízo da caridade, da solidariedade e do amor cristão ao próximo, exige:
zelosa formação de recursos humanos, através da educação; inserção dos
indivíduos de modo eficiente na vida social, política e econômica; segurança
jurídica e atividades produtivas desempenhadas em economia livre, de empresa.
Só são contra isso os que têm mais ódio ao materialmente rico do que amor ao
materialmente pobre. Cegos pela ideologia, semeiam o que dizem combater:
pobreza material e crescentes desníveis sociais.
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Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense
de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site
www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no
país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e
Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
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